sábado, 9 de outubro de 2010

Nobel da Paz expõe situação de 21 mil presos políticos na China

O GLOBO, Gilberto Scofield Jr., 8 de outubro de 2010


Para o autoritário governo da China, que gosta de dizer que não há garantia maior de respeito aos direitos humanos do que o crescimento econômico do país, responsável por tirar da miséria cerca de 300 milhões de pessoas nos últimos 30 anos, o Nobel da Paz dado ao dissidente Liu Xiaobo na sexta-feira é praticamente um embaraço externo.

Internamente, a censura à mídia estatal, às emissoras internacionais e à internet manterão o nome de Liu - e de todos os outros dissidentes - longe do conhecimento do chinês comum.

E graças a um sistema educacional que costuma poupar Pequim e culpar outros países pelas mazelas chinesas desde a primeira Guerra do Ópio (1839 a 1842), os poucos sites de discussão que ousaram comentar o Nobel foram bombardeados de mensagens de chineses que consideram a premiação "uma tentativa do Ocidente de humilhar a China e mantê-la no atraso".

Mais de um bilhão controlados pelo governo

Segundo a Dui Hua - ONG voltada para a libertação de dissidentes na China - o país possuía 21.845 presos políticos até junho: de participantes dos protestos que culminaram no massacre da Praça da Paz Celestial, em 1989, até dissidentes que se opuseram à realização das Olimpíadas de Pequim, em 2008, e blogueiros que reclamam das violações de direitos.

Além da censura pura e simples, o governo da China controla o sistema judiciário, limitando o direito de defesa (há 120 mil advogados para 1,3 bilhão de pessoas), cerceia a liberdade religiosa (todas as autoridades religiosas se reportam ao Partido Comunista da China) e restringe a organização de grupos.

Pouco se combate o desrespeito e o preconceito contra minorias étnicas, os abusos na política de controle de natalidade por governos locais, as prisões arbitrárias de quem protesta sobre problemas ambientais ou corrupção no governo, além dos abusos trabalhistas de uma mão-de-obra que desconhece o que sejam férias, folgas ou respeito a horas trabalhadas.

A lista de dissidentes presos, sob prisão domiciliar ou sob estreita supervisão da polícia da China inclui ainda outros nomes desconhecidos dos chineses, apesar de só conhecidos por entidades de direitos humanos no exterior. Como o do jornalista Shi Tao, condenado a 11 anos de prisão em 2005 por "revelar segredos de Estado de forma ilegal".

Seu nome foi entregue ao governo pela Yahoo após Shi divulgar na internet medidas de segurança elaboradas pelo PCC, às vésperas do 15 aniversário do massacre da Praça da Paz Celestial.

A lista inclui ainda Gao Zhisheng, advogado famoso por defender camponeses expulsos de suas terras para a construção de empreendimentos imobiliários; Chen Guangcheng, o ativista cego que aprendeu advocacia para defender mulheres forçadas a fazer abortos; e a ativista Shuang Shuying, presa por reclamar das indenizações a moradores que perderam casas nas obras das Olimpíadas.

Gilberto Scofield Jr. foi correspondente do GLOBO em Pequim de 2004 a 2008


Um silêncio covarde
FOLHA DE S. PAULO, 9 de outubro de 2010

Brasil se cala novamente a respeito da proteção dos direitos humanos, agora no Prêmio Nobel da Paz


Que ensurdecedor -e triste- silêncio do governo brasileiro em relação à concessão do Nobel da Paz ao dissidente chinês Liu Xiaobo.

Nem precisava manifestar "grande alegria", tal como o fez, no ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para se referir a idêntico prêmio para seu colega Barack Obama.

O Itamaraty alega que chefe de Estado premiado é uma coisa, dissidente é outra. É claro que uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, mas parece-me muito mais digno manifestar alegria pela premiação de quem luta pelos direitos humanos do que pela do presidente de um país que estava -e continua- envolvido em duas guerras.

Para tornar ainda mais moral e eticamente inaceitável o silêncio, há o fato de que, na mensagem a Obama, Lula mencionara Martin Luther King e "sua luta pelos direitos civis". Ora, Liu também luta pelos direitos civis. Não merece idêntico respeito?

Convém lembrar também que o governo estaria obrigado até constitucionalmente a manifestar-se, posto que o artigo 4 da Constituição cita a "prevalência dos direitos humanos" entre os princípios a serem utilizados pelo Brasil em suas relações internacionais.

De que tem medo o governo Lula quando se trata de violações aos direitos humanos que envolvem ditaduras?

Os Estados Unidos mantêm com os chineses relações intensas, obtiveram deles até a aprovação das sanções ao Irã, gesto a que o Brasil se recusou.

Ainda assim, na mensagem que emitiu a propósito do Nobel para Liu, Obama ousou pedir ao governo chinês que "solte o sr. Liu o mais depressa possível".

Já o Brasil pediu ao Irã que libertasse a francesa Clotilde Reiss e, mais recentemente, uma americana, até por pedido do Departamento de Estado. Nem por isso, o Irã rompeu relações com o Brasil. Que custo teria já nem digo pedir a libertação de Liu mas, ao menos, soltar uma nota parabenizando-o?

Depois, as autoridades brasileiras resmungam quando o país é criticado por seu silêncio na questão de direitos humanos ou, pior ainda, por dar, mais de uma vez, a impressão de que apoia a repressão aos dissidentes no Irã ou em Cuba.

Crítica, de resto, feita até por acadêmicos que, no conjunto da obra, aplaudem a atuação da diplomacia brasileira.

Direitos humanos, convém repetir até a morte, não é uma questão interna de cada país. É universal.
Como pode um governo que paga indenizações a vítimas de uma ditadura - como, de resto, é justo que o faça- silenciar ante vítimas de outras ditaduras?

Apenas em nome dos negócios com a China? Não é eticamente aceitável, mas, ainda que o fosse, convém anotar cálculos de Kevin P. Gallagher, professor associado de Relações Internacionais da Boston University: para ele, 30% das exportações brasileiras de manufaturados estão sob ameaça direta da produção chinesa, pelo avanço desta nos mercados da América Latina e do Caribe, e mais 54% sob ameaça indireta, que é quando a fatia de mercado da produção latino-americana aumenta a um ritmo inferior ao da China.

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