sábado, 9 de outubro de 2010

Censo aponta queda na população rural em Londrina

JORNAL DE LONDRINA, 9 de outubro de 2010

Entre os anos de 1980 e 2000, a zona rural de Londrina encolheu 60,95%. Último levantamento do IBGE mostrou que dos 446.822 habitantes, 13.579 residiam no campo. No Censo 2010, esse número deve reduzir ainda mais


Para eles o trabalho começa quando o dia ainda está escuro. A “lida” é pesada e extenuante e, em muitos casos, pouco rentável. Desolados e sem apoio para se manter nas propriedades rurais é cada vez maior o número de pequenos agricultores que fazem as malas e se mudam para a cidade. Dados do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que entre os anos de 1980 e 2000, a população rural de Londrina encolheu 60,95%. Mesmo sem um número fechado, o Censo 2010 apontará uma nova redução da população na área rural.

A redução também é significativa quando analisada a representação da população rural no cenário global dos habitantes. Em 1980, Londrina tinha 336.482 moradores, sendo que 34.771 residiam em propriedades agrárias, representando 10,33%. Em 1991, a população cresceu para 413.524, enquanto na zona rural houve redução para 23.424, ou seja, 5,66%. No Censo 2000, o número de habitantes chegou a 446.822, sendo que somente 13.579 residiam na área rural, representando 3,03% da população geral.
Deixar o ficar no campo, o dilema de José Aparecido

Segundo a coordenadora da contagem populacional da cidade, Ângela Maria Barbosa, a constatação de que a população do campo continua diminuindo se dá em razão do número de domicílios desocupados encontrados pelos recenseadores. Ela explicou que esse é um fenômeno característico dos grandes municípios. No entanto, qual é o reflexo dessa mobilidade humana para uma cidade que tem um território rural de aproximadamente 75%? Para essa pergunta, especialistas consultados pelo JL apontam como principais respostas o inchaço populacional nas periferias e a elevação do preço dos alimentos.

Coordenador do projeto estadual Redes de Referência para a Agricultura Familiar da Emater/PR, Sérgio Luiz Carneiro afirma que essa migração é fruto das condições precárias que se encontram muitos pequenos produtores. Ele argumenta que há dois pontos que devem ser analisados nesse deslocamento: os filhos de agricultores que deixam o campo para estudar, podendo retornar mais tarde, administrando a propriedade com mais qualidade e aqueles que são “expulsos” da terra.

“A saída do campo é problemática. O pequeno agricultor é expulso do campo e vem para a cidade em uma condição péssima. Temos notado nos últimos anos que muitos produtores ainda se mantêm em condições precárias. A maior concentração de miséria está na área rural e não na urbana. Há um grupo no campo que precisa de uma política social para a efetiva transferência de renda”, explica.

Investimento na capacitação - O cientista social e integrante da ONG Meio Ambiente Equilibrado (MAE), Daniel Delatin, aponta que essa migração dos jovens para a cidade resulta, como consequência, no envelhecimento da população da área rural. Ao acompanhar o trabalho desenvolvido em várias propriedades ele constatou que a média de idade já ultrapassou os 50 anos e que os donos das terras não conseguem fazer sucessores. “O jovem de 15 anos, 16 anos até está no campo, mas quer sair. É preciso pensar formas de mostrar para ele que a propriedade ainda pode ser viável”, diz.

Delatin ressalta que a fixação dos jovens no campo está diretamente relacionada à elaboração e aplicação de políticas públicas integradas. “Uma capacitação tecnológica desse jovem, mostrando para ele como administrar a propriedade; capacitação de gerenciamento, para se buscar alternativas de renda será essencial para se criar uma perspectiva de viabilidade no campo”, argumenta.

Tecnologia e o gerenciamento moderno da propriedade ainda estão distantes dos pequenos agricultores locais. Segundo o coordenador do projeto Redes de Referência da Emater, Sérgio Luiz Carneiro, grande parte desse universo vive às margens da agricultura moderna. “Parte dos pequenos produtores ainda não teve acesso à tecnologia. Eles não conseguem se viabilizar e trabalham na rusticidade, no trabalho braçal. Com isso, não conseguem por preço em seus produtos, quem faz isso é o mercado, além de serem presas fáceis para os atravessadores.”

Alimentos mais caros - Dados do Ministério da Agricultura revelam que 80% dos itens que compõem a cesta básica são produzidos em pequenas propriedades. Com a saída de pessoas do campo, Sérgio Luiz Carneiro, da Emater, ressalta que, em longo prazo, os custos dos alimentos aumentarão para o consumidor final e pode haver substituição de culturas. “O novo proprietário já enfrenta a falta de mão de obra. Culturas, como o café e as hortaliças, que são quase exclusivamente de trabalho braçal, passam a ter custo maior, sendo substituídas pelas mecanizadas, como os grãos.”

O cientista social Daniel Delatin vê com preocupação uma possível concentração de terra. Segundo ele, isso aumenta a necessidade de se pensar o futuro do campo como um setor estratégico, formulando políticas públicas de longo prazo. “Os pais dos produtores de hoje foram os pioneiros da cidade. Eles estão no campo há mais de 50 anos. Por isso, temos que pensar na geração futura do campo daqui a 20 anos, 30 anos. Essa é uma questão de extrema importância e não se pode ficar pensando em pequenos projetos.”


Deixar ou ficar no campo, o dilema de José Aparecido
Com dois filhos adolescentes o produtor José Aparecido da Silva, 43, vive o dilema entre deixar ou permanecer no campo. Ele mora e trabalha na propriedade da família de quatro hectares, localizada no distrito rural de Maravilha, zona sul de Londrina. “Meu sonho sempre foi cursar Direito e estou tentando agora. É um sonho que tenho e pretendo fazer ainda. Gosto muito do trabalho na terra, só quem planta sabe o que é. Mas é uma atividade muito desgastante. Se eu tivesse um emprego fixo na cidade, eu sairia da daqui.”

Quando adolescente, Silva diz que trabalhava na terra, ao lado do pai, sabendo que o sustento estava garantido. “Não vou dizer que não ganhe [hoje], mas é muito pouco e se perde bastante. Se chover ou fizer sol demais você perde. Então, não tem uma coisa fixa.” Ele chama a atenção também para a visão “romanceada” do campo e diz que os filhos adolescentes “não querem mais saber” do trabalho no pequeno sítio. “Os jovens hoje veem o campo somente como lazer. Quando você fala que mora na área rural, as pessoas já imaginam uma casa de fazenda, piscina. Elas não pensam que durante a semana tem o trabalho para fazer.”

Para o produtor faltam incentivos para os pequenos agricultores ficarem no campo. Tarefas simples, como comprar insumos agrícolas ou agrotóxicos, esbarram na burocracia. Ele conta que os vendedores exigem o registro de um engenheiro agrônomo. “Se você não tem, não consegue comprar. Mas como conseguimos pagar um profissional com a nossa renda?”, questiona.

Baixa renda desestimula - Silva declara que o produtor é muito mal remunerado. Como exemplo, ele cita o fato de ter encontrado em um supermercado um pé de alface sendo comercializado a R$ 0,15. Uma caixa de alface, com 18 pés, é vendida pelo agricultor por, no máximo, R$ 1,50. “Esse valor é quanto deveria custar somente um pé de alface. Se o mercado está vendendo a R$ 0,15, imagina quanto ele pagou para o produtor. Isso é muito pouco.”

Apesar da falta de perspectiva no campo, Silva pode ser considerado um agricultor privilegiado. O coordenador do projeto Rede de Referência para a Agricultura Familiar da Emater, Sérgio Luiz Carneiro, diz que das propriedades de Londrina que praticam a agricultura familiar, até 20% vivem em condições miseráveis, com renda de menos de um salário mínimo por mês. “Esse grupo é o mais problemático, que a sociedade precisa ter atenção maior e criar políticas públicas de inclusão”, afirma.

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