GAZETA DO POVO, 15 de abril de 2010
Discurso não trata do principal. O deputado também não atendeu à imprensa e, com isso, não tocou em importantes questões a serem esclarecidas
No dia em que a Assembleia Legislativa foi tomada em protesto por estudantes, o presidente Nelson Justus (DEM) fez um discurso contundente, no qual defendeu sua permanência à frente do comando da Casa; assegurou que irá passar o Legislativo “a limpo”; reconheceu erros; avaliou que a instituição está sendo injustiçada; e se comprometeu em demitir funcionários do gabinete.
Com tom de agradecimento ao apoio dos deputados, Justus pediu um voto de confiança, alegando que precisa de tempo para tomar todas as providências necessárias no processo de transparência. “Nós não podemos mais errar daqui pra frente”, disse ele, que tem 5 anos como presidente da Casa e está no quinto mandato de deputado estadual. “Que aconteceram erros no passado, nenhum de nós aqui duvida. E esses erros vêm ao longo de décadas. Não começou ontem nem anteontem. Esses erros vêm se acumulando. E nós quando assumimos, assumimos um compromisso de consertá-los. E vínhamos fazendo esse conserto”, disse.
Justus apontou novamente o processo de recadastramento dos funcionários – anunciado em 10 de março, depois do início da série de reportagens “Diários Secretos” da Gazeta do Povo e RPC TV e que deve ser concluído até amanhã – como a saída para resolver os “erros”.
Falando do plenário, de onde não podia ser questionado sobre pontos importantes na série de denúncias que envolvem a Assembleia, ele não tocou em questões importantes. Não explicou por que Assembleia mantinha os diários oficiais inacessíveis, por que há 2.178 atos secretos, quem ficou com o salário de funcionários fantasmas e laranjas, como e para quem foram feitos 641 pagamentos que somam R$ 59,6 milhões, por que o Legislativo contratou 1,8 mil pessoas em três anos e como os setores mais importantes da Casa – Presidência, primeira-secretaria e direção geral – reuniam até mais de uma centena de funcionários no espaço de pequenas salas.
Gabinete
Justus anunciou ontem que demitirá servidores de seu gabinete, mas ignorou as novas denúncias mostradas em reportagens da Gazeta do Povo e RPC TV sobre a rede montada por assessores dele, que empregaram juntos 32 parentes na Casa. Muitos nem apareciam na Assembleia para trabalhar. Como o caso da cabeleireira Tereza Ferreira Alves, que foi exonerada apenas em março deste ano, mas disse, sem saber que estava sendo filmada, que fica o dia todo no salão de beleza. Em entrevista, Tereza não soube explicar qual o trabalho que exercia na Assembleia.
Justus afirmou que não permitirá mais esse tipo de contratação, mas lamentou as demissões, argumentando que muitos dos dispensados são seus funcionários há mais de 20 anos. O deputado reconheceu que tem mais do que 15 funcionários na presidência – em desacordo com a lei– e que, por isso, terá de exonerar os excedentes.
O presidente da Assembleia ressaltou que o julgamento dos deputados será nas eleições de outubro. Ele questiona se as denúncias teriam vindo a público se não fosse a iniciativa da própria Assembleia de ser mais transparente. “Fico às vezes pensando: onde é que nós erramos? Será que se nós não tivéssemos iniciado esse processo de modernização e de transparência na Casa, tudo isso teria acontecido?”, indaga. “Posso garantir aos senhores que nos meus 62 anos, que no meu quinto mandato e em 25 anos de vida pública, nunca passei por um momento como esse. Enfrento esse desafio e tenho certeza que a história vai reservar um momento a essa Casa.”
O Ministério Público investiga as denúncias. Já são 20 inquéritos Dezessete promotores e procuradores de Justiça trabalham no caso. A Polícia Federal também investiga as irregularidades.
Argumento fraco prejudica resposta
O discurso de ontem do presidente da Assembleia Legislativa, Nelson Justus (DEM), foi analisado por três cientistas políticos consultados pela Gazeta do Povo. Eles consideraram a fala do deputado uma tentativa clara de dar uma resposta às denúncias, mas os argumentos usados foram pouco convincentes.
Para Fábio Goiris, doutor em Ciência Política, o fato de Justus lamentar a demissão dos aparentados de dois de seus principais funcionários é demonstração de falta de firmeza. “Se não há convicção, é porque ele está apenas tentando dar uma resposta às denúncias” diz. “Ele não considera que há irregularidade, trata-se apenas de jogar para a torcida.”
Goiris afirma que os avanços no processo de transparência da Assembleia não podem ser atribuídos à vontade do comando da Casa. “Não foi por força das atitudes da Presidência. Passaram a ser ver obrigados a dar informações.” Segundo ele, Justus nada fez a respeito das irregularidades por um longo período. “Realmente, os problemas atuais não são invenções dele. São erros herdados, mas mantidos. E durante o período ele não se manifestou, por comodismo, quando passou a estar mais sujeito a crítica, partiu para a ação”, analisa.
Já o cientista político Marco Rossi, acredita que o discurso de Justus é uma tentativa evidente de sair pela tangente. “Complicado falar que um sujeito que tem décadas de participação política forte e vários anos de comando na Assembleia não teve tempo para tomar as medidas mais elementares para a transparência.” Rossi também vê fragilidade na lamentação das demissão de aparentados de assessores. “Ele se encaixa num modelo de política tradicional, que considera que não é possível recrutar funcionários competentes fora da esfera familiar”, diz.
O cientista político Mario Sérgio Lepre, por sua vez, defende que a Assembleia vive um momento marcante na história. “Passos estão sendo dados, mas a Presidência não é responsável por isso. Há algumas questões que estão sendo mostradas que nunca iriam aparecer enquanto se mantivesse essas relações de compadrio.” Lepre afirma que há um passivo de erros que pesa sobre a Assembleia, mas defende que há uma parcela muito grande de culpa dos atuais deputados, que teriam ajudado a manter um sistema viciado. “Reconheço que não é fácil mudar essa estrutura herdada. Mas num país sério, essas denúncias gerariam afastamento, renúncias, expulsões de partido.”
Discurso não trata do principal. O deputado também não atendeu à imprensa e, com isso, não tocou em importantes questões a serem esclarecidas
No dia em que a Assembleia Legislativa foi tomada em protesto por estudantes, o presidente Nelson Justus (DEM) fez um discurso contundente, no qual defendeu sua permanência à frente do comando da Casa; assegurou que irá passar o Legislativo “a limpo”; reconheceu erros; avaliou que a instituição está sendo injustiçada; e se comprometeu em demitir funcionários do gabinete.
Com tom de agradecimento ao apoio dos deputados, Justus pediu um voto de confiança, alegando que precisa de tempo para tomar todas as providências necessárias no processo de transparência. “Nós não podemos mais errar daqui pra frente”, disse ele, que tem 5 anos como presidente da Casa e está no quinto mandato de deputado estadual. “Que aconteceram erros no passado, nenhum de nós aqui duvida. E esses erros vêm ao longo de décadas. Não começou ontem nem anteontem. Esses erros vêm se acumulando. E nós quando assumimos, assumimos um compromisso de consertá-los. E vínhamos fazendo esse conserto”, disse.
Justus apontou novamente o processo de recadastramento dos funcionários – anunciado em 10 de março, depois do início da série de reportagens “Diários Secretos” da Gazeta do Povo e RPC TV e que deve ser concluído até amanhã – como a saída para resolver os “erros”.
Falando do plenário, de onde não podia ser questionado sobre pontos importantes na série de denúncias que envolvem a Assembleia, ele não tocou em questões importantes. Não explicou por que Assembleia mantinha os diários oficiais inacessíveis, por que há 2.178 atos secretos, quem ficou com o salário de funcionários fantasmas e laranjas, como e para quem foram feitos 641 pagamentos que somam R$ 59,6 milhões, por que o Legislativo contratou 1,8 mil pessoas em três anos e como os setores mais importantes da Casa – Presidência, primeira-secretaria e direção geral – reuniam até mais de uma centena de funcionários no espaço de pequenas salas.
Gabinete
Justus anunciou ontem que demitirá servidores de seu gabinete, mas ignorou as novas denúncias mostradas em reportagens da Gazeta do Povo e RPC TV sobre a rede montada por assessores dele, que empregaram juntos 32 parentes na Casa. Muitos nem apareciam na Assembleia para trabalhar. Como o caso da cabeleireira Tereza Ferreira Alves, que foi exonerada apenas em março deste ano, mas disse, sem saber que estava sendo filmada, que fica o dia todo no salão de beleza. Em entrevista, Tereza não soube explicar qual o trabalho que exercia na Assembleia.
Justus afirmou que não permitirá mais esse tipo de contratação, mas lamentou as demissões, argumentando que muitos dos dispensados são seus funcionários há mais de 20 anos. O deputado reconheceu que tem mais do que 15 funcionários na presidência – em desacordo com a lei– e que, por isso, terá de exonerar os excedentes.
O presidente da Assembleia ressaltou que o julgamento dos deputados será nas eleições de outubro. Ele questiona se as denúncias teriam vindo a público se não fosse a iniciativa da própria Assembleia de ser mais transparente. “Fico às vezes pensando: onde é que nós erramos? Será que se nós não tivéssemos iniciado esse processo de modernização e de transparência na Casa, tudo isso teria acontecido?”, indaga. “Posso garantir aos senhores que nos meus 62 anos, que no meu quinto mandato e em 25 anos de vida pública, nunca passei por um momento como esse. Enfrento esse desafio e tenho certeza que a história vai reservar um momento a essa Casa.”
O Ministério Público investiga as denúncias. Já são 20 inquéritos Dezessete promotores e procuradores de Justiça trabalham no caso. A Polícia Federal também investiga as irregularidades.
Argumento fraco prejudica resposta
O discurso de ontem do presidente da Assembleia Legislativa, Nelson Justus (DEM), foi analisado por três cientistas políticos consultados pela Gazeta do Povo. Eles consideraram a fala do deputado uma tentativa clara de dar uma resposta às denúncias, mas os argumentos usados foram pouco convincentes.
Para Fábio Goiris, doutor em Ciência Política, o fato de Justus lamentar a demissão dos aparentados de dois de seus principais funcionários é demonstração de falta de firmeza. “Se não há convicção, é porque ele está apenas tentando dar uma resposta às denúncias” diz. “Ele não considera que há irregularidade, trata-se apenas de jogar para a torcida.”
Goiris afirma que os avanços no processo de transparência da Assembleia não podem ser atribuídos à vontade do comando da Casa. “Não foi por força das atitudes da Presidência. Passaram a ser ver obrigados a dar informações.” Segundo ele, Justus nada fez a respeito das irregularidades por um longo período. “Realmente, os problemas atuais não são invenções dele. São erros herdados, mas mantidos. E durante o período ele não se manifestou, por comodismo, quando passou a estar mais sujeito a crítica, partiu para a ação”, analisa.
Já o cientista político Marco Rossi, acredita que o discurso de Justus é uma tentativa evidente de sair pela tangente. “Complicado falar que um sujeito que tem décadas de participação política forte e vários anos de comando na Assembleia não teve tempo para tomar as medidas mais elementares para a transparência.” Rossi também vê fragilidade na lamentação das demissão de aparentados de assessores. “Ele se encaixa num modelo de política tradicional, que considera que não é possível recrutar funcionários competentes fora da esfera familiar”, diz.
O cientista político Mario Sérgio Lepre, por sua vez, defende que a Assembleia vive um momento marcante na história. “Passos estão sendo dados, mas a Presidência não é responsável por isso. Há algumas questões que estão sendo mostradas que nunca iriam aparecer enquanto se mantivesse essas relações de compadrio.” Lepre afirma que há um passivo de erros que pesa sobre a Assembleia, mas defende que há uma parcela muito grande de culpa dos atuais deputados, que teriam ajudado a manter um sistema viciado. “Reconheço que não é fácil mudar essa estrutura herdada. Mas num país sério, essas denúncias gerariam afastamento, renúncias, expulsões de partido.”