quinta-feira, 15 de abril de 2010

Justus reconhece erros, mas defende permanência na presidência da Assembléia Legislativa

GAZETA DO POVO, 15 de abril de 2010

Discurso não trata do principal. O deputado também não atendeu à imprensa e, com isso, não tocou em importantes questões a serem esclarecidas


No dia em que a Assembleia Legislativa foi tomada em protesto por estudantes, o presidente Nelson Justus (DEM) fez um discurso contundente, no qual defendeu sua permanência à frente do comando da Casa; assegurou que irá passar o Legislativo “a limpo”; reconheceu erros; avaliou que a instituição está sendo injustiçada; e se comprometeu em demitir funcionários do gabinete.

Com tom de agradecimento ao apoio dos deputados, Justus pediu um voto de confiança, alegando que precisa de tempo para tomar todas as providências necessárias no processo de transparência. “Nós não podemos mais errar daqui pra frente”, disse ele, que tem 5 anos como presidente da Casa e está no quinto mandato de deputado estadual. “Que aconteceram erros no passado, nenhum de nós aqui duvida. E esses erros vêm ao longo de décadas. Não começou ontem nem anteontem. Esses erros vêm se acumulando. E nós quando assumimos, assumimos um compromisso de consertá-los. E vínhamos fazendo esse conserto”, disse.

Justus apontou novamente o processo de recadastramento dos funcionários – anunciado em 10 de março, depois do início da série de reportagens “Diários Secretos” da Gazeta do Povo e RPC TV e que deve ser concluído até amanhã – como a saída para resolver os “erros”.

Falando do plenário, de onde não podia ser questionado sobre pontos importantes na série de denúncias que envolvem a Assembleia, ele não tocou em questões importantes. Não explicou por que Assembleia mantinha os diários oficiais inacessíveis, por que há 2.178 atos secretos, quem ficou com o salário de funcionários fantasmas e laranjas, como e para quem foram feitos 641 pagamentos que somam R$ 59,6 milhões, por que o Legislativo contratou 1,8 mil pessoas em três anos e como os setores mais importantes da Casa – Presidência, primeira-secretaria e direção geral – reuniam até mais de uma centena de funcionários no espaço de pequenas salas.

Gabinete
Justus anunciou ontem que demitirá servidores de seu gabinete, mas ignorou as novas denúncias mostradas em reportagens da Gazeta do Povo e RPC TV sobre a rede montada por assessores dele, que empregaram juntos 32 parentes na Casa. Muitos nem apareciam na Assembleia para trabalhar. Como o caso da cabeleireira Tereza Ferreira Alves, que foi exonerada apenas em março deste ano, mas disse, sem saber que estava sendo filmada, que fica o dia todo no salão de beleza. Em entrevista, Tereza não soube explicar qual o trabalho que exercia na Assembleia.

Justus afirmou que não permitirá mais esse tipo de contratação, mas lamentou as demissões, argumentando que muitos dos dispensados são seus funcionários há mais de 20 anos. O deputado reconheceu que tem mais do que 15 funcionários na presidência – em desacordo com a lei– e que, por isso, terá de exonerar os excedentes.

O presidente da Assembleia ressaltou que o julgamento dos deputados será nas eleições de outubro. Ele questiona se as denúncias teriam vindo a público se não fosse a iniciativa da própria Assembleia de ser mais transparente. “Fico às vezes pensando: onde é que nós erramos? Será que se nós não tivéssemos iniciado esse processo de modernização e de transparência na Casa, tudo isso teria acontecido?”, indaga. “Posso garantir aos senhores que nos meus 62 anos, que no meu quinto mandato e em 25 anos de vida pública, nunca passei por um momento como esse. Enfrento esse desafio e tenho certeza que a história vai reservar um momento a essa Casa.”

O Ministério Público investiga as denúncias. Já são 20 inquéritos Dezessete promotores e procuradores de Justiça trabalham no caso. A Polícia Federal também investiga as irregularidades.


Argumento fraco prejudica resposta
O discurso de ontem do presidente da Assembleia Legislativa, Nelson Justus (DEM), foi analisado por três cientistas políticos consultados pela Gazeta do Povo. Eles consideraram a fala do deputado uma tentativa clara de dar uma resposta às denúncias, mas os argumentos usados foram pouco convincentes.

Para Fábio Goiris, doutor em Ciência Política, o fato de Justus lamentar a demissão dos aparentados de dois de seus principais funcionários é demonstração de falta de firmeza. “Se não há convicção, é porque ele está apenas tentando dar uma resposta às denúncias” diz. “Ele não considera que há irregularidade, trata-se apenas de jogar para a torcida.”

Goiris afirma que os avanços no processo de transparência da Assembleia não podem ser atribuídos à vontade do comando da Casa. “Não foi por força das atitudes da Presidência. Passaram a ser ver obrigados a dar informações.” Segundo ele, Justus nada fez a respeito das irregularidades por um longo período. “Realmente, os problemas atuais não são invenções dele. São erros herdados, mas mantidos. E durante o período ele não se manifestou, por comodismo, quando passou a estar mais sujeito a crítica, partiu para a ação”, analisa.

Já o cientista político Marco Rossi, acredita que o discurso de Justus é uma tentativa evidente de sair pela tangente. “Complicado falar que um sujeito que tem décadas de participação política forte e vários anos de comando na Assembleia não teve tempo para tomar as medidas mais elementares para a transparência.” Rossi também vê fragilidade na lamentação das demissão de aparentados de assessores. “Ele se encaixa num modelo de política tradicional, que considera que não é possível recrutar funcionários competentes fora da esfera familiar”, diz.

O cientista político Mario Sérgio Lepre, por sua vez, defende que a Assembleia vive um momento marcante na história. “Passos estão sendo dados, mas a Presidência não é responsável por isso. Há algumas questões que estão sendo mostradas que nunca iriam aparecer enquanto se mantivesse essas relações de compadrio.” Lepre afirma que há um passivo de erros que pesa sobre a Assembleia, mas defende que há uma parcela muito grande de culpa dos atuais deputados, que teriam ajudado a manter um sistema viciado. “Reconheço que não é fácil mudar essa estrutura herdada. Mas num país sério, essas denúncias gerariam afastamento, renúncias, expulsões de partido.”

“Quem é que não tem caixa 2 na campanha?”, diz Jocelito Canto

GAZETA DO POVO, 15 de abril de 2010

Deputado comparou a prática a comprar produtos sem nota fiscal. Para ele, o caixa 2 é invisível e ganha eleição. O deputado também defendeu a permanência de Nelson Justus na presidência da Assembleia e disse que somente o afastamento dos 54 deputados seria uma forma justa de penalizar todos os responsáveis pelos escândalos


Em um novo discurso no plenário da Assembleia Legislativa ontem, o deputado estadual Jocelito Canto (PTB) voltou a falar sobre o uso de caixa 2 nas campanhas políticas. Na terça-feira, Canto comentava a demissão dos 1,9 mil funcionários comissionados da Assembleia, anunciada no dia anterior, e decidiu abordar a arrecadação de dinheiro para campanha. “Quem é que não tem caixa 2? Vamos ser sinceros”, perguntou, em discurso na tribuna do plenário. Nenhum deputado contestou.

Canto foi cobrado por eleitores pelas declarações dadas na Assembleia. Pelo Twitter, o deputado comparou a prática a comprar produtos sem nota fiscal e disse que “a grande maioria das pessoas tem um caixa 2. Quem nunca comprou algo sem nota? E do Paraguai, você nunca comprou nada? Caixa 2 do dia a dia”, disse o deputado.

Ontem, o deputado voltou a tocar no assunto em plenário. Amenizou alguns pontos da polêmica, declarando, por exemplo, que a maioria (e não mais todos) os políticos faz caixa 2, mas esquentou ainda mais outros aspectos da discussão. Disse que o caixa 2 é normal na vida pública e que todos veem mas não conseguem provar o crime. “Está presente em todas as eleições”, afirmou.

“O caixa 2 é invisível. Ganha eleição. É mais forte que os recursos oficiais recebidos. Quem é que paga essas equipes de 50 pessoas que viajam pelo estado?”, indagou. Em entrevista à imprensa, garantiu que não tem caixa 2, mas disse que já recebeu “doações”. Para Canto, que defendeu a permanência de Nelson Justus na presidência da Assembleia, somente o afastamento dos 54 deputados seria uma forma justa de penalizar todos os responsáveis pelos escândalos.

Polêmica
Nos bastidores, os parlamentares se diziam surpresos com a atitude de Canto e também preocupados com a repercussão que as declarações poderiam ter. A reação mais visível foi do deputado estadual Reni Pereira (PSB). Ele afirmou que há pessoas pegando carona nas denúncias envolvendo a Assembleia numa tentativa de se promover. “Ninguém aqui é mais ou menos deputado que ninguém. Quem fala, que prove o que está falando. Todos temos as nossas diferenças, inclusive na maneira de fazer política. Fazer insinuações é fácil. Eu renuncio ao meu mandato se alguém provar que fui incriminado”, declarou.

Para o deputado Tadeu Veneri (PT), Canto fala com conhecimento de causa. Para o petista, uma forma de identificar o caixa 2 seria o comparativo entre campanhas eleitorais. As mais vistosas, certamente, teriam mais recursos. Veneri também comentou o segundo assunto mais falado pelos deputados ontem: a manifestação. Para ele, os protestos vindos do engajamento social são essenciais porque a sociedade não pode ficar ao lado do que está acontecendo na Assembleia. E sobre os eventuais exageros, o parlamentar destacou que em cenários como o de ontem, geralmente a situação foge de controle. “E temos coisas muitíssimo mais graves aqui dentro do que a derrubada de um portão”, disse.

Procuradoria dá parecer favorável a leis estaduais que restringe fumo em locais públicos

O GLOBO, 15 de abril de 2010


Um parecer do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) diz que são constitucionais as leis adotadas no Rio de Janeiro e no Paraná de restrição ao fumo em locais públicos, conforme informou nesta quarta-feira o colunista Ancelmo Gois, do GLOBO.

As ações de inconstitucionalidade foram propostas pela Confederação Nacional do Turismo (CNTur), que alega que as leis estaduais usurpam a competência da União para estabelecer normas gerais sobre consumo e proteção à saúde disposta na lei federal. A entidade também aponta violação ao princípio da liberdade individual, uma vez que não cabe ao Estado, a pretexto de proteger a saúde, interferir nas opções dos cidadãos.

Para o procurador-geral, não há ofensa ao princípio da liberdade individual, uma vez que não há proibição do fumo, pois as leis estaduais apenas condicionam o ato ao respeito à saúde dos demais cidadãos.
Seria o mesmo que dizer que a proibição de dirigir alcoolizado ofende a livre comercialização do álcool


"Tampouco há violação aos princípios da livre iniciativa, livre comércio e livre concorrência, na medida em que não há impedimento algum à comercialização de cigarros ou de qualquer outro produto fumígeno. A alegação da requerente, de que o produto é lícito e portanto imune a qualquer embaraço em sua comercialização não é minimamente razoável. Como lembra a Associação de Controle do Tabagismo, Promoção da Saúde e dos Direitos Humanos (ACT), c, diz o parecer assinado também pela vice-procuradora-geral da República, Deborah Dupra.

Para o procurador e a vice-procuradora-geral da República, as leis são adequadas porque estão aptas para atingir o propósito de diminuir os riscos e danos à saúde decorrentes do tabagismo passivo; são necessárias, uma vez que não há outro meio de impedir eficazmente que a fumaça em ambientes coletivos atinja os não-fumantes; e são proporcionais em sentido estrito, já que o custo que elas geram, de não permitir o fumo em ambiente coletivo, é infinitamente menor que o benefício da saúde que elas acarretam, principalmente àqueles involuntariamente expostos à fumaça.

Filho de Sarney é acusado de fraude em obra do PAC

FOLHA DE S.PAULO, 15 de abril de 2010

TCU também vê manobra "ilícita" e "grave" na ferrovia Norte-Sul, obra do PAC. Grampos mostram que acordo incluiu empresa de fachada e pagamento de propina; empresário vê "denúncias requentadas"


O empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), ajudou a fechar acordo clandestino pelo qual um grupo de empreiteiras burlou o processo de licitação e é acusado de desviar dinheiro público da principal obra ferroviária do país.

A fraude, apontada pela Polícia Federal e pelo Tribunal de Contas da União, deu-se em um trecho da ferrovia Norte-Sul. Orçada em mais de R$ 1 bilhão, a construção faz parte do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), a vitrine eleitoral da pré-candidata à Presidência Dilma Rousseff (PT).

O projeto é administrado pela Valec, estatal ligada ao Ministério dos Transportes há anos sob influência direta de José Sarney. Ulisses Assad, diretor da empresa à época do esquema, foi nomeado por indicação do presidente do Senado.

A licitação para o contrato 013/06, que trata do trecho entre os municípios goianos de Santa Isabel e Uruaçu, foi vencida pela Constran. Porém, numa subcontratação "ilícita" e "grave", nas palavras do TCU, as construtoras EIT e Lupama passaram a participar da obra.

Por meio desse acerto, apelidado pelos peritos da PF de "consórcio paralelo", empreiteiras driblam o resultado de concorrências e repartem "por fora" contratos públicos no país, conforme mostraram reportagens da Folha.

Logo após vencer a licitação do lote Santa Isabel-Uruaçu, de R$ 245,5 milhões, a Constran firmou um acordo com as duas outras construtoras, repassando a cada uma 16,65% da empreitada. O combinado foi feito sem análise nem autorização da Valec, em desrespeito à Lei de Licitações (8.666/93).

Auditoria do TCU nesse trecho da Norte-Sul constatou sobrepreço de R$ 63,3 milhões na atuação desse consórcio paralelo. Segundo a perícia da PF, a fraude chegou a R$ 59 milhões.

De acordo com relatório da PF na Operação Faktor (ex-Boi Barrica), a Lupama é uma empresa de fachada, que não tem capital social "nem sequer para construir uma ponte". Seus sócios são Flávio Lima e Gianfranco Perasso, ambos amigos de Fernando Sarney. Perasso é apontado pela polícia como o operador de contas da família Sarney no exterior -a Folha revelou neste ano que o filho do senador já teve dinheiro rastreado e bloqueado pelos governos da China e da Suíça.

A Folha foi ao endereço que está no registro da sede da Lupama. Durvalina da Silva, 55, que mora na pequena casa de alvenaria há 20 anos, disse que o marido, Modesto de Freitas, apenas cedeu o endereço a Flávio Lima. Segundo ela, na casa não há atividades da empresa. "Só chega correspondência."

A EIT, por sua vez, pagou "pedágio" para entrar no esquema, segundo revelam conversas interceptadas pela PF com autorização judicial -as mesmas escutas que indicam a participação de Fernando Sarney na formação do "consórcio paralelo" da Norte-Sul.

Em telefonema grampeado de maio de 2008, Flávio Lima cobra de um funcionário da EIT chamado Romildo parte do pagamento referente ao contrato 013/06. A expressão usada é "pagar a diferença", interpretada pela polícia como sinônimo de propina.

Romildo responde que seu chefe na EIT condicionou o pagamento à realização de uma reunião com Flávio Lima e Fernando Sarney. Flávio rebate que a EIT havia recebido o contrato "no colo", cobra de forma enérgica o pagamento da "diferença" e ameaça recomendar a Fernando "ignorar o pessoal da EIT" enquanto a pendência não fosse resolvida. Os diálogos mostram que, sem o pagamento, a EIT não seria incluída num novo contrato que era negociado com a Valec.

"Eu tô p... mesmo. Ah, quer que eu converse com o Fernando? Sabe quem vai chegar com o Fernando e com o Ulisses [Assad] pra fazer a porra da vistoria na sexta-feira? Sou eu", afirma Flávio para Romildo.

Segundo a PF, após essas ameaças, a EIT aceitou pagar R$ 160 mil aos sócios da Lupama. No mesmo dia, Romildo ligou para Fernando Sarney confirmando o depósito. "Cabe frisar ainda que Fernando, após o pagamento, determinou a Flávio que fizesse alguns pagamentos [...], o que reforça ser Fernando Sarney o chefe da orcrim [organização criminosa]", escreveu a PF. Quando a Operação Faktor veio à tona, Ulisses Assad foi afastado da direção da Valec.


Para Fernando Sarney, acusação é requentada
O empresário Fernando Sarney disse, por e-mail, que não irá falar sobre as acusações de fraude na ferrovia Norte-Sul. Alegou tratar-se de "vazamento criminoso de inquérito sigiloso". "Mais uma vez, assuntos requentados. Eu me pergunto a razão disso tudo", completou.

Procurada pela Folha, a assessoria do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), informou que ele também não iria se manifestar.

As construtoras Constran e EIT, por meio de assessorias, informaram que não tratariam do tema. A Constran disse que só a Valec pode abordar o assunto, por questão contratual.

A reportagem tentou falar com a Valec três vezes, desde segunda-feira. Deixou dois recados. A assessoria da empresa não telefonou de volta.

A Folha não conseguiu contato com Gianfranco Perasso e Flávio Lima, sócios da empreiteira Lupama, subcontratada irregularmente, segundo o TCU, para tocar as obras.

Presidente do STF critica deboche à Justiça Eleitoral

ESTADÃO ONLINE, 15 de abril de 2010

A nove dias de deixar a presidência do Supremo Tribunal Federal, o ministro Gilmar Mendes faz uma análise dos dois anos de seu mandato


A nove dias de deixar a presidência do Supremo Tribunal Federal, o ministro Gilmar Mendes faz uma análise dos dois anos de seu mandato: “Estou como na canção de Piaf, je ne regrette rien, não me arrependo de nada”. Foram muitos os episódios polêmicos, as discussões públicas em que se envolveu e os julgamentos controversos que presidiu. Mesmo sendo alvo de críticas, inclusive de um pedido de impeachment, diz que ajudou o governo Lula a “se aproximar mais de um modelo de estado constitucional”, mas lamenta não ter interferido para manter no Brasil os dois boxeadores cubanos - Erislandy Lara e Guillermo Rigondeaux - que abandonaram a delegação do país durante os Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro em 2007 e foram deportados pelo governo Lula.

Aos que reclamam que ele falou demais, Mendes afirma que falou o necessário. Questionado se está havendo campanha antecipada, o presidente do STF foi duro e fez uma crítica indireta a Lula, que reclamou das duas multas que levou da Justiça Eleitoral. "Diante de uma decisão da justiça eleitoral impondo uma sanção a certa autoridade, esta autoridade não pode fazer brincadeira, deboche. Essa autoridade, a despeito de sua eventual contrariedade com a decisão, tem o dever de lealdade constitucional."


O sr. falou demais na presidência?

Acho que falei o necessário. Ninguém discorda que o juiz deve falar nos autos, mas por se tratar de alguém com responsabilidade institucional de presidente do STF, do CNJ e da chefia do próprio Judiciário, existem a responsabilidades para além do que está sendo julgado.

É certo dizer que "nunca antes na história deste país" um presidente do STF falou tanto sobre tantos temas?
Não disponho de nenhum elemento de aferição. Depois vocês fazem as medidas pelo Google. O fato é que o papel do tribunal também mudou muito nos últimos anos. A reforma do Judiciário e o CNJ exigem uma postura diferenciada do presidente do STF como líder que deve ser do Judiciário. Se ouvirem o presidente Michel Temer e o presidente José Sarney, vocês não ouvirão dizer que houve exorbitância. E o próprio presidente Lula sabe do diálogo elevado que mantivemos nesse período.

Há antecipação de campanha?
Não vou falar sobre isso. Eu disse que, diante de uma decisão da Justiça Eleitoral impondo uma sanção a certa autoridade, esta autoridade não pode fazer brincadeira, deboche. Essa autoridade, a despeito de sua eventual contrariedade com a decisão, tem o dever de lealdade constitucional.

O que mais o surpreendeu ou o decepcionou?
Eu imaginava que talvez o Poder Judiciário fosse mais bem aparelhado. Em algumas unidades da Federação, o Judiciário tem uma estrutura bastante precária. Encontramos excesso de servidores à disposição dos tribunais e falta de servidores nas instâncias. Creio que todas as iniciativas contribuíram para mudar ou para dar início a um processo de mudança.

O Judiciário precisa de mais recursos ou de mais vontade para trabalhar?
Em alguns locais, de mais recursos. Não priorizamos o aumento de vagas nos tribunais, nem aumento de servidores no plano federal como também não avançamos na área de construções de novos prédios. Ao contrário, até impedimos a abertura de novas construções, megaprojetos de infraestrutura. Creio que temos dados que vão permitir a análise necessária da devida alocação de recursos, onde estão os estrangulamentos e o que é necessário fazer.

Há resistência ainda ao Conselho Nacional de Justiça?
Aqui ou acolá encontramos uma manifestação de resistência. Mas acredito que a maioria descobriu que o conselho não é inimigo do juiz, não é inimigo da magistratura. É, na verdade, um grande parceiro. Procuramos, inclusive, em toda gestão destacar que a função fundamental do CNJ é de coordenação dos trabalhos, de racionalização e de planejamento das atividades judiciais. Logo não é atividade de repressão e de caráter disciplinar.

O STF deixou de ser reativo para ter papel mais atuante?
O STF, enquanto órgão da cúpula do Judiciário, tem diferentes missões. Tem a missão judicial, mas também a político-institucional, que é importante para a conformação do Judiciário como Poder. Nessa função política ele tem de ter papel proativo.

O sr. foi apontado como líder da oposição no STF. Mas já disse que sua gestão foi boa para o governo Lula. Por quê?
Eu tenho a impressão de que o STF, nestes dois anos, contribuiu decisivamente para a consolidação do Estado de Direito. E muitas vezes acho que ajudou o governo a se aproximar mais de um modelo de Estado constitucional.

Que exemplos daria disso?
As ações abusivas que víamos na conduta de alguns segmentos da Polícia Federal. Gostem ou não, foi o STF que colocou essas ações nos trilhos. A questão das invasões de terra. Foram as advertências do STF, inclusive as minhas falas de que não houvesse subsídio estatal para essas entidades, que chamaram a atenção para a responsabilidade do Ministério Público e do governo para esse assunto. Questões ligadas à demarcação de terras indígenas: foi o STF que talvez tenha reorientado o governo nesse tipo de política, evitando redemarcação, incentivo a invasões, superdimensionamento das áreas demarcadas. Lamento o Judiciário não ter ajudado em uma coisa: a manter os cubanos no Brasil.

Mas não houve decisões do STF que avançaram sobre o Legislativo?
Ao STF cabe dar a última palavra sobre direitos fundamentais. E muitas vezes nós vemos que o tribunal arrosta desafios que só ele consegue enfrentar, como declarar a inconstitucionalidade da lei dos crimes hediondos num momento de grande criminalidade. Ou libertar alguém, que, para o juízo comum, é responsável por todos os crimes e mais pela derrubada das duas torres do World Trade Center. O tribunal tem a missão de proteção das minorias. As minorias sofrem derrotas acachapantes no Congresso com ofensa à Constituição e só resta a elas virem ao STF. Nesse perfil, o tribunal é um órgão contramajoritário.

Se o STF vigia quem governa, quem fiscaliza o STF?
Este é um controle multiplamente complexo. Ele é exercido pelo Congresso quando confirma ou não os nomes dos indicados para o Supremo, pelo poder político do presidente da República quando indica um nome para o STF, pela comunidade que discute as decisões do STF, pela comunidade especializada. Agora, o tribunal não está numa redoma de vidro revelando o Direito. O tribunal está fazendo construções até mesmo se permitindo um certo experimentalismo institucional.

No Judiciário exige-se prova para condenar alguém. Mas integrantes do governo foram demitidos sem nunca ter aparecido o grampo contra o sr. Por quê?
Aqui há uma diferença que precisa ser vista. Muitas vezes as pessoas são vítimas de um complô político e por isso perdem o cargo. É bastante elementar. A responsabilidade nesses casos é política. Quando um ministro não responde satisfatoriamente por uma área, ele pode ou deve ser exonerado. Outra coisa é condenar a pessoa num processo judicial. No caso específico, tínhamos um modelo em que se provou que 80 servidores da Abin se envolveram na chamada Operação Satiagraha, que havia um modelo de bicefalia no comando da Polícia Federal. Não estamos a falar de alguém que foi escolhido como bode expiatório.

E as provas do grampo?
Quanto às provas, não cabe a mim apresentá-las. O que disse é que havia uma conversa mantida com o senador Demóstenes Torres, que o diálogo existira tal como transcrito e apresentado pela revista (Veja). E depois as investigações provaram que havia várias conversas que não constavam da investigação e que estavam com o delegado (Protógenes Queiroz). A heterodoxia do procedimento está provada cabalmente. A participação de quase uma centena de agentes da Abin fala por si só.

Por que acha que foi grampeado?
O que observamos nestes anos de ação policial e política? Vimos cada vez mais um protagonismo muito forte da polícia, muitas vezes em combinação com o Ministério Público e com determinados juízes. Na assim chamada Operação Navalha, tão logo dei os primeiros habeas corpus, começaram os ataques. Ao ponto de divulgarem o nome de um Gilmar Mendes como se eu fosse o investigado. Era esse o tipo de método que se tinha desenvolvido. Isso é método democrático? Ou é método de amedrontamento do Poder Judiciário? Qual era o projeto que estava subjacente a essa orientação? Perguntem isso aos ministros da Justiça e chefes da Polícia Federal.

Como explica a decisão no caso Francenildo, quando o tribunal rejeitou a denúncia contra Palocci?
O tribunal recebeu a denúncia em relação a quem entendeu que tinha responsabilidade penal. De novo não estamos falando de responsabilidade política. O voto está aí com todas as discussões que foram travadas.

A súmula das algemas deu certo?
Deu. Aqui ou acolá chegam reclamações, mas o seu desiderato político foi totalmente alcançado. Não vimos mais aquele quadro de abuso televisado que se repetia semanalmente Brasil afora.

Diz-se muito que a súmula deu certo para o colarinho branco e não deu certo para a criminalidade comum.
O importante é que há a possibilidade de responsabilização e havendo denúncias poderá haver o devido enquadramento legal. No geral a súmula atendeu a seus objetivos e, sem dúvida, temos de insistir no aprimoramento. Mas isso depende de outros fatores, mau funcionamento da defesa, insuficiência da assistência judiciária para coibir os abusos quanto à população mais pobre.

O sr. já disse que deve deixar a corte em dois anos. Pensa em seguir a carreira política?
Eu agora vou cuidar de voltar para a bancada. Vou contribuir para os debates doutrinários em matéria de jurisdição constitucional. Vou prosseguir atuando, tanto quanto possível, no debate acadêmico sobre reforma do Judiciário, direitos humanos.

E carreira política?
Cada coisa no seu tempo.

O sr. se arrepende algo?
Estou como na canção de Piaf, Je Ne Regrette Rien: não me arrependo de nada. Estou em paz comigo mesmo, satisfeitíssimo de tudo o que fizemos e acredito que avançamos muito em termos de administração judiciária e de fortalecimento das instituições. O Judiciário sai mais forte hoje do que antes da minha gestão e não ao contrário.