sábado, 9 de outubro de 2010

Brilho que esconde

MÍRIAM LEITÃO, 9 de outubro de 2010


As previsões econômicas de crescimento estão aumentando. Já se fala em 8%. Esse número exuberante esconde vários desajustes: as contas públicas estão desequilibradas, o déficit em conta corrente de US$ 50 bilhões pode chegar a US$ 100 bilhões no ano que vem. Só no setor automobilístico, o Brasil vai ter US$ 5,7 bilhões de déficit comercial. Os preços da cesta básica estão subindo.

O FMI alertou para o risco de que no Brasil esteja acontecendo um superaquecimento e há temores de que o mercado de crédito esteja começando a viver uma bolha. Quando se compara o nível de crédito/PIB do Brasil com o de outros países, parece não haver risco de bolha de crédito. O problema vem do ritmo acelerado demais de crescimento do endividamento das famílias. Os juros no Brasil são tão mais altos que em outros países, que é arriscado fazer apenas uma comparação estatística da relação do crédito com o PIB.

A maior fonte de preocupação é o gasto excessivo e nenhum horizonte de que isso será enfrentado. A candidata do governo, Dilma Rousseff, parece sequer ter entendido certos rudimentos da teoria econômica. Ela repete que o Brasil não precisa de ajuste fiscal e que não há relação entre gasto público e câmbio.

O Brasil é um país cujo governo tem déficit. Isso significa que ele gasta mais do que arrecada: não só não contribui com a formação da poupança, como despoupa. Para crescer, o Brasil precisará de uma taxa de investimento de 22%, pelo menos. Hoje, a taxa de poupança brasileira é de 18%. Isso faz com que o país tenha que absorver poupança externa. Essa entrada de dólares derruba a cotação da moeda americana e valoriza a moeda brasileira. Com um déficit nominal persistente, uma dívida interna de R$ 2 trilhões e nenhum sinal de ajuste fiscal no horizonte, os juros têm que permanecer altos. O que eleva ainda mais o custo da dívida e atrai ainda mais dólares, já que no mundo os juros estão próximos de zero. Quando o governo corta gastos, ajuda a reduzir a demanda, o que reduz pressão sobre a inflação. Em suma: com redução do gasto público haverá menos inflação, os juros podem cair mais rapidamente, sem o risco inflacionário, haverá menos entrada de dólares pelo diferencial de juros, e o país precisará de menos poupança externa para crescer.

O candidato de oposição José Serra não ajuda muito quando dá sinais de aumento de gastos com despesas permanentes, quando promete elevação de salário mínimo para R$ 600, aumento de 10% na aposentadoria e até, o que anda sendo cogitado na campanha, o fim do fator previdenciário. Só um número para se ter ideia: o fator inventado para contornar a derrota da reforma previdenciária no governo Fernando Henrique ajudou o país a poupar R$ 40 bilhões.

O governo Lula está no meio de uma contradição na economia. O Ministério da Fazenda tenta desesperadamente conter a queda do dólar, mas é exatamente ela que tem ajudado a criar a falsa impressão de que todos os bens antes inacessíveis agora podem ser comprados. O dólar baixo barateia viagens internacionais, produtos eletrônicos, bens de consumo duráveis. Quem se atrasou para reservar passagens para fora nesse feriadão, tem que se contentar em ficar em casa. Os vôos estavam todos lotados.

O Brasil em 2005 importou 100 mil carros. Este ano está importando 700 mil. Exportava 900 mil, e agora, 700 mil. Só que nós vendemos produtos mais baratos e importamos bens sofisticados e peças, e, por isso, o déficit do setor é de US$ 5,7 bilhões.

- Há luzamarela na balança comercial. Somos o quarto maior mercado consumidor e apenas o sexto maior produtor. Essa diferença está sendo suprida por importados, embora o setor ainda tenha uma ociosidade de produção de quase um milhão de veículos - diz o presidente da Fiat e da Anfavea, Cledorvino Bellini.

Segundo Bellini, há duas dificuldades para a retomada das exportações: o real valorizado e os gargalos na infraestrutura:

- É o tradicional dever de casa que precisa ser feito. O governo precisa reduzir os gastos para que os juros caiam e, ao mesmo tempo, melhorar a logística, investir em qualificação de mão de obra, diminuir impostos.

Sérgio Vale, da MB Associados, vê uma deterioração clara na política macroeconômica, com a introdução dos truques fiscais que conseguem mágicas como as de transformar dívidas em receitas para atingir o superávit primário. Isso, além do rombo nas contas externas. Na visão dele, os problemas estão se acumulando.

- Os desajustes tem se tornado evidentes e difíceis de contornar. O superávit primário não é mais os 4% de antes, está na casa dos 2%. O atual governo virou um apagador de incêndios, perdeu a capacidade de fazer política macroeconômica - diz Vale.

Por outros motivos - a seca, a sazonalidade, quebras de safras -, os preços dos alimentos estão subindo. Nos últimos índices, o que mais subiu foi o preço dos alimentos. A inflação de serviços está em 7%. Se não fosse o dólar baixo, a inflação estaria mais alta. Isso significa que o dólar baixo, que tanto preocupa a Fazenda, é o que tem segurado a inflação.

Fazer uma bolha de crescimento é fácil. Basta ampliar a oferta de crédito, aumentar gasto público, elevar o salário mínimo e negar a necessidade de ajuste fiscal. O problema não é fazer um crescimento de 8% num ano. É sustentar taxas fortes de crescimento por longo tempo e com equilíbrio. A desmoralização dos indicadores fiscais e a gastança vão cobrar sua conta num futuro próximo.

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