segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Que o Haiti não seja aqui

INSTITUTO AME CIDADE, 18 de janeiro de 2010


A devastação causada pelo terremoto no Haiti mostrou ao mundo cenas de um país em colapso. O Haiti é o país mais pobre do mundo. Em qualquer índice social ou econômico está sempre em último lugar. Atingido por um desastre natural, o país não tem capacidade alguma de reação porque antes desta tragédia provocada pela natureza vem sofrendo por muitos anos de outras violências, como a falta de democracia e a corrupção, de responsabilidade de seus governantes e de países estrangeiros que tomaram as riquezas haitianas até o esgotamento.

Mais da metade da população vive com apenas 1 dólar por dia. Evidentemente este é um número estatístico, pois a maioria dos haitianos não deve por a mão em dinheiro algum, vivendo de trocas, ganhando alimentos ou bens materais por pequenos trabalhos. Ou fazendo coisas piores.

Já faltava tudo no Haiti antes deste terremoto. Saneamento, água potável, comida, casa, luz elétrica, telefone, hospitais, segurança, educação, qualquer traço do que pode se chamar de conforto urbano sempre foi um luxo para os haitianos. As dificuldades enfrentadas após o terremoto vêm desta situação anterior, pois se antes já não havia acesso algum a qualquer tratamento de saúde, com a destruição trazida pela natureza as coisas pioraram ainda mais.

A origem do problema haitiano vem de uma questão que hoje em dia causa preocupação até entre nós: a corrupção. O Haiti é um país destruído pela corrupção. Para a organização Transparência Internacional é o país mais corrupto do mundo. As instituições de Estado foram destruídas ou impedidas de florescer por governos sucessivos que oprimem o povo haitiano desde a década de 1940.

Governos centralizadores, falta total de transparência e convívio democrático, na origem do drama haitiano está a destruição de qualquer manifestação da sociedade civil. Ditaduras sanguinárias, como a de Papa Doc, dominaram o país durante toda a segunda metade do século 20, impedindo o estabelecimento de qualquer tecnologia ou serviço.

No Haiti, a exemplo do que certos governantes fazem em municípios brasileiros, a política de governo foi a de impedir a transparência e destruir qualquer manifestação da opinião pública. Com isso e a instalação da corrupção, o país perdeu todo vigor social.

A corrupção instalada no poder levou o Haiti a uma situação que deve ser objeto de muita reflexão de nós, brasileiros, que vemos o mesmo problema ocorrendo atualmente na administração pública. Nosso país ainda tem um suporte econômico e social considerável, mas aqui também já há algum tempo a corrupção vem minando nossas instituições e desviando recursos públicos que começam a fazer falta para a população carente de serviços de saúde, educação, moradia e outros direitos.

Se este procedimento prevalecer no Brasil, a situação pode ficar parecida com a famosa canção: aí então, o Haiti será aqui. Vários municípios paranaenses estão em situação de miséria em boa parte porque instalou-se de tal forma a corrupção que até a verba do Fundo de Participação dos Municípios acaba indo para o bolso de particulares. Isso quando não é usada para manter oligarquias eternas no poder.

O problema é que a corrupção faz bem mais do que transferir o dinheiro público para o bolso de governantes corruptos. A falta de ética vai criando uma cultura que no médio prazo pode arruinar todos os serviços de qualquer município e também acaba impedindo que o orçamento da prefeitura reverta em aumento de qualidade tecnológica no setor privado, aprimoramento profissional e a instalação de uma cultura administrativa que amplie a qualidade em todas as áreas.

Onde falta a ética também desaparece a qualidade política e técnica

INSTITUTO AME CIDADE, 18 de janeiro de 2010

A corrupção acaba sendo determinante em nossos municípios no pior sentido. Cada vez mais se sente que a queda de qualidade dos serviços públicos aproxima-se de um abismo que faz das cidades brasileiras lugares cada vez mais difíceis de se morar.

É que o orçamento de uma prefeitura tem sempre um grande peso na economia local. Quando falta a ética, instala-se a cultura da corrupção. Com a cultura da corrupção vai-se direcionando o dinheiro público para o aumento de fortunas particulares e privilegiando empresas privadas montadas apenas para ganhar as licitações e se apossar das verbas. Fazer o serviço é sempre o de menos, mesmo porque este tipo de empresa não tem tal capacidade.

Instalada a cultura da corrupção fica impossível surgir nos municípios empresas prestadoras de serviços de qualidade. Como a administração pública passa a ser um jogo de cartas marcadas em que se ganha não pelo serviço em si, mas pelo que se pode oferecer de facilidade para o roubo dos cofres públicos, os empresários honestos e competentes são imediatamente eliminados do processo. Empresas de qualidade também evitam se instalar nestas cidades.

Dessa forma, do mesmo modo que a corrupção afasta da política as pessoas de bem deixando espaço para construção das carreiras de políticos medíocres, também empresários e profissionais de qualidade deixam de prestar serviços para a administração pública.

A corrupção não deixa espaço para a iniciativa privada de qualidade. Por isso o empresário honesto deixa de participar do setor de serviços públicos. E nossa administração pública vai gradativamente perdendo qualidade e sendo ocupada por empresas que na verdade não tem capacidade tecnológica alguma para prestar os serviços contratados.

Baixa qualidade é sentida quando mais se precisa do Estado

INSTITUTO AME CIDADE, 18 de janeiro de 2010

Em tragédias naturais de peso bem menor que o terremoto haitiano os municípios brasileiros vem mostrando uma dificuldade imensa de reação. Os recentes deslizamentos de terra no Rio de Janeiro mostram isso de forma comprovada até pelo fato de as dezenas mortes trazerem a revelação de que municípios e o governo do Estado já vinham facilitando a ocupação de áreas perigosas.

Em Santa Catarina, por exemplo, donativos enviados para vítima de enchentes no ano passado foram desviados para pessoas que deles não tinham necessidade ou acabaram sofrendo deterioração. Toneladas deles se perderam. Isso é fruto da falta de ética, já que princípios básicos como o respeito ao próximo e o trabalho bem feito acabam sendo abandonados.

A verdade é que também no Brasil a corrupção já começa a criar na administração pública uma incapacidade de zelar até para a manutenção de serviços básicos e dos bens públicos. A falta de ética acaba resultando em dificuldades administrativas graves. Basta sair para um passeio em várias cidades e ver o estado do asfalto nas áreas urbanas.

O total abandono de muitas áreas urbanas também pode ser visto como resultado dessas dificuldades que em parte é resultado direto do desvio de verbas, mas também pela instalação no poder de gente sem capacidade política e profissional para administrar qualquer coisa.

É claro que o nosso drama ainda está longe do vivido pelo Haiti, ainda mais que para felicidade dos brasileiros os terremotos passam longe daqui. Mas a tragédia haitiana é um bom momento para pensar sobre o problema da corrupção em nosso país, que vai minando gradativamente e em variadas escalas a qualidade da administração pública.