quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Ontem, hoje e sempre na defesa da cidadania


INSTITUTO AME CIDADE, 10 de dezembro de 2009

Do que tem medo certos vereadores da Câmara Municipal de Cornélio Procópio? Anteontem houve uma participação da população na sessão plenária como poucas vezes ocorreu na história da cidade. Cerca de 50 pessoas estiveram presentes com faixas e cartazes expressando seu descontentamento com a agressão ao mandato da vereadora Aurora Fumie Doi (PMDB) e a possível conspiração que o Partido Progressista (PP), bastante conhecido por sua vinculação com o mensalão, vem fazendo contra a independência do Legislativo municipal. O que parece é que pretendem fazer da Câmara de Vereadores um mero departamento do Executivo Municipal e vêem a vereadora Aurora como um obstáculo.

As dezenas de procopenses compareceram à sessão de forma ordeira e o que fez a Mesa Diretora da Câmara? Chamaram a polícia.

A manifestação foi educada e silenciosa. Em nenhum momento foi chamada a atenção de qualquer vereador, mesmo dos implicados no caso das diárias, que o Instituto Ame Cidade levou ao Ministério Público com um pedido de investigação. No entanto, a Mesa Diretora chamou a polícia, que ficou em frente ao prédio da Câmara durante toda a reunião.

Isso lembra uma frase de Ulysses Guimarães (1916-1992), aliás uma das frases mais importantes da República, dita em maio de 1978, em Salvador, quando policiais bloquearam a sede do MDB com cachorros e fuzis com baionetas. Na época a resistência democrática concentrava-se no MDB. As lideranças do PP, partido envolvido no escândalo de corrupção do mensalão, estavam ao lado da Ditadura Militar.

Ulysses aproximou-se de um policial e disse enquanto empurrava sua arma: “Respeite o líder da oposição”. E então proferiu a frase que tornou-se uma emblema da luta pela democracia que estava nascendo com a derrota da Ditadura Militar: “Baioneta não é voto e cachorro não é urna”.

Simples, direta, a frase é decisiva para conceituar que, de fato e de direito, é do voto que emana o Poder. Da frase de Ulysses, que aliás é o fundador do partido da vereadora Aurora, também pode-se extrair outro fato que aprendemos na construção da democracia: é da divergência e do debate democrático que nasce a qualidade na administração pública.

Quando chama a polícia numa situação democrática em que as pessoas exercem sua cidadania comparecendo para se manifestar de forma ordeira naquela que deveria ser a Casa do Povo, os dirigentes da Câmara Municipal de Cornélio Procópio trazem a lembrança daqueles dias de trevas, quando democratas lutavam pela democracia.

As imagens acima, com Ulysses no passando enfrentando a tropa-de-choque da ditadura e os manifestantes de hoje pedindo respeito à democracia, tem entre si a relação de defesa do voto popular, agredido em Cornélio Procópio de uma forma que parece conspirativa.

Ao tentar cassar o mandato de Aurora, estão tentando atingir a própria democracia, numa trama que está revoltando os procopenses.

Se o Legislativo municipal tornar-se um mero apêndice do Executivo — que é o que parece que os pepistas e certos vereadores pretendem com esta agressão — tudo irá mal em Cornélio Procópio e este clima obscurantista pode atingir a própria sociedade civil, impedindo a população de se manifestar.

Polícia para quem precisa de polícia

Colocar a polícia na porta da Câmara quando acontece uma manifestação ordeira da população em seu interior parece provocação. Seria uma tentativa de acirrar os ânimos para criar uma situação de violência? Bem, se foi isso, felizmente como a população tem bom senso este foi mais um problema evitado.

Essa atitude de certos vereadores, de buscar criar um lima adverso onde existe apenas o debate democrático, vem se repetindo com frequência. A coisa chega a tal ponto em algumas sessões da Câmara, que excede até os limites da boa educação.

Vereadores da base aliada do prefeito se manifestam aos gritos e chegam até à ameaça de agressão física, como já ocorreu em uma das sessões. É óbvia a intenção de se criar um clima de atemorização, o que chegou ao ápice com o processo pepista contra Aurora. A vereadora Aurora, que tem uma personalidade calma , é vítima de constantes provocações. Até o presidente da Câmara já fez piadinhas tentando desconcertá-la, sem nenhum sucesso evidentemente, pois a boa educação da vereadora não permite nem o revide que seria compreensível numa tal situação.

A pressão contra ela chegou ao ponto de negarem uma simples licença quando a parlamentar, que é enfermeira sanitarista, precisava se afastar para cuidar de problemas de saúde na família e à necessidade de descanso, já que esteve intensamente atarefada com seu trabalho na Regional da Saúde, um setor que esteve atarefado em demasia devido à epidemia de gripe A.

No entanto, os vereadores da base aliada criaram uma barreira contra este simples pedido, que atenderia à um direito básico de todo parlamentar. Até hoje a licença está negada.

A falta de bom senso de certos vereadores, que acabam alterando a voz com os outros e apelando para o sarcasmo quando deveriam esclarecer a população sobre suspeitas de irregularidades, pode ser percebido também na ação do PP. São estilos parecidos.

O documento, que deveria conter o necessário equilíbrio jurídico, tenta na verdade impor a denúncia sem se ater aos fatos, mas apelando para o que pode ser chamado de gritos, em cada frase. É um apelo cheio de adjetivos e nenhuma substância. Pelo tom, dificilmente tal peça de acusação seria aceita numa Corte, pois em vez de trazer os fatos, tenta desqualificar com adjetivos e palavrório pesado. Pois os vereadores procopenses aceitaram por unanimidade e sem nenhuma discussão.

Na própria sessão em que foi apresentada a denúncia agressiva contra Aurora, a vereadora foi tomada de surpresa. Porém, os vereadores da base aliada já pareciam ter todo o conhecimento do documento, pois tinham falas preparadas. E muito agressivas. O tom geral também era de deboche com a transparência e a ética.

Nesta sessão, que deve ficar na história política da cidade por seu teor agressivo, de ataque à ética, à transparência e à independência do Legislativo, ficou marcada a frase da vereadora Aurora, que parece ecoar a fala de Ulysses Guimarães de décadas atrás e em plena ditadura: “"Eu sigo o Regimento, eu sigo a legislação, nada mais do que isso. Então não vem dizer que a gente está atrapalhando não: nós queremos a coisa certa. Queremos sim coisa certa, coisa dentro da legislação".

Lá e cá, o sentido é de defesa da democracia. A tarefa de zelar pela ética e de respeitar o voto popular é exatamente a mesma.

Agora parece que certos vereadores querem fazer da ética e da transparência um caso de polícia. De certo modo, até que estão certos, mas erraram de ocasião. Polícia não é para quando a população se manifesta e sim para botar na cadeia quem desvia recursos públicos para o próprio bolso.

É preciso respeitar a opinião pública e dar mais atenção aos deveres de fato de um vereador. Uma tarefa importante do Legislativo é ampliar cada vez mais a participação popular e fortalecer a transparência na administração pública. E não usar a polícia para atemorizar.

A sociedade civil tem um papel importante no controle da administração pública e não deve haver assunto algum na esfera pública que seja exclusivo dos políticos. Nada de coisas resolvidas em salas fechadas, em acertos obscuros. O termo “vida pública” é bem claro: tudo deve ser visto aos olhos da população. E cabe à Câmara de qualquer cidade estimular a participação dos cidadãos e expressar um apoio ao exercício da cidadania.

A polícia, repetimos, deve ser chamada para prender quem rouba os cofres públicos.