FANTÁSTICO, REDE GLOBO, 8 de agosto de 2010
Vereadores se inscrevem em cursos, mas fazem passeios turísticos. Fantástico esteve em sete estados para mostrar como funcionam os cursos. Equipe conseguiu comprar até diploma em nome de vereador que já morreu.
Paisagens espetaculares, praias de águas cristalinas, compras e mais compras, diversão até a noite. Os passeios têm tudo o que um bom roteiro de férias precisa ter, mas esses turistas não deveriam estar lá. Para entender, a equipe do Fantástico embarcou numa viagem por sete estados em busca de uma resposta: como funciona a indústria de cursos para vereadores.
Em todo o Brasil, existem empresas especializadas em cursos de qualificação para funcionários de prefeituras e câmaras municipais. Por ano, são pelo menos 150 seminários que recebem também secretários municipais, funcionários públicos e até prefeitos. A pedido do Fantástico, um ex-assessor que já frequentou diversos cursos se inscreveu em alguns deles para gravar os bastidores.
Durante o período da reportagem, a equipe do Fantástico acompanhou que enquanto os cursos ficavam praticamente vazios, os passeios turísticos sempre tinham quórum dos vereadores. Diplomas falsos podem ser comprados, justificando a presença dos parlamentares em cursos que não foram frequentados. O Fantástico entregou os certificados comprados ao chefe da Polícia Civil do Rio Grande do Sul. O Ministério Público de contas do Rio Grande do Sul prometeu investigar.
“Eu reajo com indignação, um misto de tristeza e revolta, com o descaso com agentes públicos, com o erário, com o nosso dinheiro, o dinheiro do contribuinte, praticando fraudes, ofendendo o senso comum, ofendendo a nossa moralidade. Mas são fatos que certamente não ficarão impunes”, declarou o promotor Geraldo Da Camino.
O esquema - O ex-assessor que se inscreveu em um dos cursos para mostrar os bastidos explicou como vereadores aumentam o salário nessas viagens: a cada dia, os parlamentares têm direito a verbas de hospedagem e alimentação que podem passar de R$ 500.
"A maioria das câmaras vai mandando dois, três representantes em cada curso desses, aí sobra um bom valor para o vereador", explicou o ex-assessor. As imagens gravadas comprovam:
Assessora: A Câmara paga a inscrição do curso?
Inajara Costa: Tudo! Tudo, se for de avião, te dá a passagem de avião. O bom é que também sobra um dinheirinho.
Inajara Costa, assessora do presidente da Câmara Municipal de Estância Velha, no Rio grande do Sul, calcula o quanto vai lucrar com a participação num curso de cinco dias promovido pela empresa Gedam em São Carlos, Santa Catarina.
Assessora: Digamos que eu gaste, no máximo R$ 210, olha o que sobra.
Ex-assessor: Te sobra R$ 1,8 mil
Assessora: R$ 1,8 mil pra mim?
Inajara: E nós não precisamos apresentar nota, nem nada.
A equipe de reportagem do Fantástico foi à Estância Velha conversar com Inajara. Ela negou que tenha lucro com as diárias. “Se tem alguma coisa gravada, está editado. Porque ele que estava dizendo e me perguntado coisas”, afirmou.
Ela também afirma que sempre fica até o fim das aulas. Questionada sobre se alguma vez retornou mais cedo, antes de terminar o curso, ela negou:
“Não. Sempre ficamos até sábado, 12h”, disse.
Mas ainda em Santa Catarina, na primeira conversa gravada com câmera escondida, Inajara confessa que às vezes volta antes para casa, mas precisa ficar escondida para não devolver a diária.
“A gente chega em casa, esse é um compromisso que a gente tem com os vereadores ai não aparece antes lá, não sai de casa. A gente já chega depois das 10h, 11h”,diz.
Alunos que vão embora antes do término do curso ou nem aparecem na sala de aula são comuns e todos recebem certificados de conclusão. Isso acontece porque a lista de presença, que serviria para controlar a frequência, é preenchida de uma só vez, ou antes mesmo do curso começar.
A equipe do Fantástico foi a Belo Horizonte para um seminário promovido pelo Instituto Nacional Municipalista (INM). A recepcionista pediu para o produtor assinar a chamada no momento da inscrição: “Se quiser já rubrica tudo para mim. Pode deixar tudo preenchido para mim, não tem problema, não”, disse.
A orientação foi a mesma no Recife, em outro seminário promovido pelo INM. Na chegada, o repórter Giovani Grizotti, inscrito como assessor parlamentar, foi instruído a assinar presença pelos cinco dias de curso.
“Aqui, no caso, é a lista, a presença de até segunda”, disse um responsável.
Com o registro antecipado das presenças, os participantes podem sair à vontade. Foi o que fez o vereador Geraldo Pereira, do PMDB de Tubarão, Santa Catarina. Ele aproveitou o curso no Recife para ir à praia.
“Eu não vou vir de lá para vir aqui fazer um curso de vereador. Eu vim passear. Vou ali, dar uma chegada e cair fora”, disse o vereador.
No dia 4 de julho, pela manhã, enquanto as aulas aconteciam no hotel, o vereador embarcou com a mulher, a filha e a assessora Cinara Guimarães Antunes, rumo a Porto de Galinhas, um dos destinos turísticos mais procurados do país, a 70 quilômetros da capital pernambucana. O parlamentar aproveitou o dia para comer e beber. A assessora, que também deveria estar no curso, divertiu-se no mar. O Fantástico ouviu o vereador e ele negou qualquer irregularidade.
“O curso começa às 8h e vai até as 12h, à tarde. Você está vago durante o dia. Então você não pode ficar no hotel parado”, disse o parlamentar.
Às 9h55, o vereador estava chegando a Porto de Galinhas, onde ficou pelo menos três horas. Apesar da programação do curso também prever aulas à tarde.
Belo Horizonte - A equipe do Fantástico viajou também para Belo Horizonte. Lá, foi o próprio dono do Instituto INM, Clésio Drummond, quem deu dicas de passeios turísticos aos vereadores. No caso, um conhecido ponto de prostituição da capital mineira.
“Um hotel igual a esse, igualzinho. Apartamento, tudo direitinho. Só que as mulheres ficam dentro dos apartamentos, de porta aberta. Deve ter umas 2 mil mulheres, de tudo quanto é tipo que você quiser: branca, preta, velha, roxa, nova, 80 anos, com dente, sem dente, de tudo quanto é jeito. Tem menina que você olha e fala assim: ‘Essa eu vou casar’, de tão linda”, disse o dono do instituto.
Tempo para passeios não falta. Na recepção do curso, o repórter cinematográfico Giancarlo Barzi descobriu que as aulas que deveriam começar na quinta-feira e terminar na segunda, serão bem mais curtas. Questionada sobre se o curso iria começar no sábado mesmo, a recepcionista responde: “Sábado, 10h”. De acordo com ela, os inscritos não costumam ficar até segunda-feira, quando deveria acabar o curso.
“Não, não fica. A gente termina no domingo. Mas geralmente uns vão embora no sábado, outros no domingo. É sempre assim”, afirma.
Na hora da inscrição, uma aula prática de como desviar dinheiro público. Numa cena gravada em um curso realizado pelo INM em Gramado, na Serra Gaúcha, a recepcionista aceita dar um recibo superfaturado. Ao invés de uma valor de R$ 350, a equipe pede um recibo de R$ 450.
“Eu faço para vocês de R$ 450”, diz.
Até o final do ano, o Instituto Nacional Municipalista planeja realizar 38 cursos, a maioria em cidades turísticas. Uma forma de atrair participantes é prestar homenagens durante as aulas.
Ministério Público
Em 2008, o dono do INM, Clesio Drummond, e seus sócios foram denunciados pelo Ministério Público mineiro, por fraudes em cursos para vereadores. Até agora, ninguém foi punido. Em Fortaleza, a equipe procurou Clesio Drummond, que dava palestras em mais um seminário. Ele se defendeu das acusações e afirmou que a frequência dos alunos é controlada. “A cada dia que alguém chega, ele assina uma ficha na hora, e cada vez que ele entra e sai, ele assina a ficha”, afirmou.
Os cursos oferecem até diplomas frios. O documento é usado por quem quer justificar uma viagem que nunca fez e ainda embolsar diárias. Em Belo Horizonte, informamos que o aluno que queremos inscrever não iria ao curso. A recepcionista aceitou a inscrição mesmo assim e ainda pediu para o produtor preencher a ficha.
“Isso aqui você deixa. Porque se algum dia for questionado, o Ministério Público pedir e tudo, aí a gente a manda a ficha pelo correio, ele assina, entendeu? Porque a rubrica, se você faz uma rubrica que, vai que bate, não é a dele, é mais complicado, entendeu? Mas isso é se algum dia!”.
Diplomas falsos - O Fantástico conseguiu comprar diplomas falsos de duas empresas que organizam cursos, a Lunar e o Sibram. O certificado saiu em nome do vereador Antônio Ferreira Alves. O documento mostra que ele esteve na cidade Iraí (RS) de 21 a 24 de julho deste ano. Entre os temas que estudou, estão comunicação na tribuna, gramática e gestão fiscal. Ocorre que desde 1995, o vereador Antônio Ferreira Alves está em um cemitério da Grande Porto Alegre. Virou até nome de rua na cidade de Canoas.
Quem concedeu o certificado foi a vereadora do Partido Progressista de Humaitá (RS) Mabília Rhoden. Ela é responsável pelos cursos da empresa Lunar.
Em troca de R$ 350, Mabília entregou o diploma que encomendamos em nome do falecido. De volta a Humaitá, ela se diz surpresa: negou a venda do certificado falso.
“Não tenho conhecimento disso”, disse Mabília.
Questionada pelo repórter se sabia que o que estava fazendo era crime, ela respondeu “com certeza”. A vereadoria ainda disse que não tinha “nada a dizer” a quem vende um diploma em nome de alguém que sequer está vivo
Na farra dos cursos para vereadores, até craque de futebol vira parlamentar. Roque Santa Cruz, artilheiro da seleção paraguaia e jogador do Manchester City da Inglaterra, e agora também aluno do curso de elaboração e gestão de projetos, da empresa Sibram. O Fantástico comprou o diploma por R$ 300 de Ivo Rêrs, o dono da empresa Sibram.
Roteiro de compras - O Sibram foi responsável pelo curso realizado entre os dias 27 e 31 de julho em Foz do Iguaçu, no Paraná. Terra das cataratas, vizinha de Cidade do Leste, conhecido ponto de compras no Paraguai. O curso, na verdade, ficou só no papel. Na sala de aula, cadeiras vazias e luzes apagadas. E não poderia ser diferente: mal o dia começa, alunos e até o professor já não estão mais no hotel.
O roteiro é de compras. Nas lojas do Paraguai, os alunos gazeteiros gastam dinheiro. Entre uma loja e outra, o presidente da Câmara de Dom Pedro de Alcântara (RS), Gilmar Evald (DEM) diz que apenas três diárias equivalem ao salário de um mês. Quanto recebem por mês?
“R$ 900,00 Tem que ‘carcar’ um pouco nas diárias mesmo”, diz o vereador.
O grupo visita também o zoológico de Foz e as Cataratas do Iguaçu. Eles apreciam a paisagem e tiram fotos. Diversão bancada com dinheiro público.
De Triunfo, saiu o maior número de alunos. Entre eles, o presidente da Câmara, Fábio Wrasse (PDT). Ele viajou acompanhado de assessores, mulher, sogra e filhos. Apenas as crianças não estavam inscritas no curso. Flagrada pela equipe do Fantástico, a sogra do presidente Fábio, Dalva Maria Ferreira, se confundiu na hora de dar explicações. Ela afirmou que não era sogra do vereador, nem assessora.
Repórter: Ontem a senhora também foi vista no Paraguai, como é que a senhora explica isso?
Dalva: Eu não fui no Paraguai.
Repórter: E anteontem a senhora foi também.
Dalva: Não. Eu fui de noite, nós saímos de noite num passeio, só.
Repórter: Nas Cataratas, a senhora não foi?
Dalva: Não.
Já em Foz do Iguaçu, tentamos falar novamente com a sogra do vereador. “Por favor, parou! Agora, parou, chegou”, disse ela.
Repórter: A senhora é funcionária administrativa.
Dalva: Eu sou funcionária administrativa e tenho o direito de fazer o que eu quiser.
Custos - Em 2009, a Câmara da cidade de Triunfo gastou mais de R$ 1,1 milhão em diárias de viagem, segundo o Tribunal de Contas do Estado. O maior gasto deste tipo no Rio Grande do Sul. O dono do curso Sibram afirma que tem um acordo com a Câmara e a prefeitura de Triunfo.
“Todas as semanas eles mandam. Só que aí tem aquele acerto com o presidente, e não é com esse, isso já vem desde antes. E com o atual prefeito lá, que se reelegeu, o Chico. Então, manda, tem um percentual, paga o deles lá. No fim até compensa, quer dizer, não é que até compensa, no fim compensa. Porque você pode ir porque sabe que pelo menos cinco já estão garantido”.
Chico é o prefeito Pedro Francisco Tavares (PDT). Ano passado, ele chegou a ser cassado por compra de votos nas eleições de 2008. Nossa equipe procurou o prefeito e o presidente da Câmara de Triunfo, mas eles não nos atenderam.
De volta ao hotel em Foz, nossa equipe encontrou dois dos vereadores vistos no Paraguai e nas Cataratas se preparando para ir embora, um dia antes de terminar o curso. O presidente da Câmara de Dom Pedro de Alcântara nega que seja vereador.
Repórter: Qual a sua profissão?
Gilmar Evald: Eu sou comerciante.
Repórter: Comerciante? Não é vereador?
Gilmar Evald: Não.
Repórter: Não veio aqui pra participar do curso?
Gilmar Evald: Sim.
Repórter: Mas o senhor disse que não é vereador
Gilmar Evald: Deixa assim.
Tentamos conversar mais uma vez com o presidente da Câmara de Triunfo. Fábio Wrasse (PDT), só apareceu na sala de aula depois de flagrado no Paraguai pela equipe do Fantástico.
A chegada de nossa equipe de jornalismo ao curso deixou os vereadores nervosos. O assessor que está colaborando com a nossa reportagem grava a reação do professor. Ele revela o que vai dizer caso alguém pergunte sobre a ausência dos participantes nas aulas.
“Nós flexibilizamos o horário de curso. Manhã das 8h às 9. De tarde, das 14h às 18h”, disse.
Ele também pediu de volta o diploma falso que vendeu em nome do jogador da seleção paraguaia. “Eu gostaria que você entendesse. Este certificado, depois a gente faz um outro negócio, esse aí eu preciso de volta”, disse.
No mesmo dia, devolvemos o certificado para Ivo Rêrs. O repórter do Fantástico apareceu de surpresa.
Repórter: O senhor emitiu um certificado no nome de um atacante desta seleção aqui, a seleção paraguaia de futebol.
Rêrs: Eu posso te levar lá no carro e te mostrar o cancelamento disso aqui?
Repórter: Por que o senhor vendeu este diploma?
Rêrs: Eu não vendi rapaz. Eu não, eu não vendi. Está ali o cancelamento do diploma.
Repórter: O senhor entrega o diploma em troca de R$ 300.
Rêrs: Não é verdade e não edita esta matéria.
Repórter: O senhor nega isso?
Rêrs: Eu nego.
Repórter: O senhor não entregou o diploma em troca de R$ 300?
Rêrs: Não senhor, não senhor.
Repórter: O senhor pode deixar este certificado com a gente?
Rêrs: Não posso.
Repórter: Não, a gente quer ficar com este certificado.
Rêrs: Não.
Repórter: O senhor pegou da nossa mão. Esta aqui é a nossa equipe.
Rêrs: Não vou deixar com vocês.
A equipe do Fantástico devolveu apenas a cópia do diploma. O original, junto com o outro certificado comprado em Iraí, foram entregues ao chefe da Polícia Civil do Rio Grande do Sul. O assessor convidado pelo Fantástico para gravar os bastidores dos cursos resumiu o que viu durante as viagens.
“Falcatrua, desvio de dinheiro público, passeio, turismo e como lesar a população dos nossos municípios brasileiros”.
Veja o site do Fantástico
Vereadores se inscrevem em cursos, mas fazem passeios turísticos. Fantástico esteve em sete estados para mostrar como funcionam os cursos. Equipe conseguiu comprar até diploma em nome de vereador que já morreu.
Paisagens espetaculares, praias de águas cristalinas, compras e mais compras, diversão até a noite. Os passeios têm tudo o que um bom roteiro de férias precisa ter, mas esses turistas não deveriam estar lá. Para entender, a equipe do Fantástico embarcou numa viagem por sete estados em busca de uma resposta: como funciona a indústria de cursos para vereadores.
Em todo o Brasil, existem empresas especializadas em cursos de qualificação para funcionários de prefeituras e câmaras municipais. Por ano, são pelo menos 150 seminários que recebem também secretários municipais, funcionários públicos e até prefeitos. A pedido do Fantástico, um ex-assessor que já frequentou diversos cursos se inscreveu em alguns deles para gravar os bastidores.
Durante o período da reportagem, a equipe do Fantástico acompanhou que enquanto os cursos ficavam praticamente vazios, os passeios turísticos sempre tinham quórum dos vereadores. Diplomas falsos podem ser comprados, justificando a presença dos parlamentares em cursos que não foram frequentados. O Fantástico entregou os certificados comprados ao chefe da Polícia Civil do Rio Grande do Sul. O Ministério Público de contas do Rio Grande do Sul prometeu investigar.
“Eu reajo com indignação, um misto de tristeza e revolta, com o descaso com agentes públicos, com o erário, com o nosso dinheiro, o dinheiro do contribuinte, praticando fraudes, ofendendo o senso comum, ofendendo a nossa moralidade. Mas são fatos que certamente não ficarão impunes”, declarou o promotor Geraldo Da Camino.
O esquema - O ex-assessor que se inscreveu em um dos cursos para mostrar os bastidos explicou como vereadores aumentam o salário nessas viagens: a cada dia, os parlamentares têm direito a verbas de hospedagem e alimentação que podem passar de R$ 500.
"A maioria das câmaras vai mandando dois, três representantes em cada curso desses, aí sobra um bom valor para o vereador", explicou o ex-assessor. As imagens gravadas comprovam:
Assessora: A Câmara paga a inscrição do curso?
Inajara Costa: Tudo! Tudo, se for de avião, te dá a passagem de avião. O bom é que também sobra um dinheirinho.
Inajara Costa, assessora do presidente da Câmara Municipal de Estância Velha, no Rio grande do Sul, calcula o quanto vai lucrar com a participação num curso de cinco dias promovido pela empresa Gedam em São Carlos, Santa Catarina.
Assessora: Digamos que eu gaste, no máximo R$ 210, olha o que sobra.
Ex-assessor: Te sobra R$ 1,8 mil
Assessora: R$ 1,8 mil pra mim?
Inajara: E nós não precisamos apresentar nota, nem nada.
A equipe de reportagem do Fantástico foi à Estância Velha conversar com Inajara. Ela negou que tenha lucro com as diárias. “Se tem alguma coisa gravada, está editado. Porque ele que estava dizendo e me perguntado coisas”, afirmou.
Ela também afirma que sempre fica até o fim das aulas. Questionada sobre se alguma vez retornou mais cedo, antes de terminar o curso, ela negou:
“Não. Sempre ficamos até sábado, 12h”, disse.
Mas ainda em Santa Catarina, na primeira conversa gravada com câmera escondida, Inajara confessa que às vezes volta antes para casa, mas precisa ficar escondida para não devolver a diária.
“A gente chega em casa, esse é um compromisso que a gente tem com os vereadores ai não aparece antes lá, não sai de casa. A gente já chega depois das 10h, 11h”,diz.
Alunos que vão embora antes do término do curso ou nem aparecem na sala de aula são comuns e todos recebem certificados de conclusão. Isso acontece porque a lista de presença, que serviria para controlar a frequência, é preenchida de uma só vez, ou antes mesmo do curso começar.
A equipe do Fantástico foi a Belo Horizonte para um seminário promovido pelo Instituto Nacional Municipalista (INM). A recepcionista pediu para o produtor assinar a chamada no momento da inscrição: “Se quiser já rubrica tudo para mim. Pode deixar tudo preenchido para mim, não tem problema, não”, disse.
A orientação foi a mesma no Recife, em outro seminário promovido pelo INM. Na chegada, o repórter Giovani Grizotti, inscrito como assessor parlamentar, foi instruído a assinar presença pelos cinco dias de curso.
“Aqui, no caso, é a lista, a presença de até segunda”, disse um responsável.
Com o registro antecipado das presenças, os participantes podem sair à vontade. Foi o que fez o vereador Geraldo Pereira, do PMDB de Tubarão, Santa Catarina. Ele aproveitou o curso no Recife para ir à praia.
“Eu não vou vir de lá para vir aqui fazer um curso de vereador. Eu vim passear. Vou ali, dar uma chegada e cair fora”, disse o vereador.
No dia 4 de julho, pela manhã, enquanto as aulas aconteciam no hotel, o vereador embarcou com a mulher, a filha e a assessora Cinara Guimarães Antunes, rumo a Porto de Galinhas, um dos destinos turísticos mais procurados do país, a 70 quilômetros da capital pernambucana. O parlamentar aproveitou o dia para comer e beber. A assessora, que também deveria estar no curso, divertiu-se no mar. O Fantástico ouviu o vereador e ele negou qualquer irregularidade.
“O curso começa às 8h e vai até as 12h, à tarde. Você está vago durante o dia. Então você não pode ficar no hotel parado”, disse o parlamentar.
Às 9h55, o vereador estava chegando a Porto de Galinhas, onde ficou pelo menos três horas. Apesar da programação do curso também prever aulas à tarde.
Belo Horizonte - A equipe do Fantástico viajou também para Belo Horizonte. Lá, foi o próprio dono do Instituto INM, Clésio Drummond, quem deu dicas de passeios turísticos aos vereadores. No caso, um conhecido ponto de prostituição da capital mineira.
“Um hotel igual a esse, igualzinho. Apartamento, tudo direitinho. Só que as mulheres ficam dentro dos apartamentos, de porta aberta. Deve ter umas 2 mil mulheres, de tudo quanto é tipo que você quiser: branca, preta, velha, roxa, nova, 80 anos, com dente, sem dente, de tudo quanto é jeito. Tem menina que você olha e fala assim: ‘Essa eu vou casar’, de tão linda”, disse o dono do instituto.
Tempo para passeios não falta. Na recepção do curso, o repórter cinematográfico Giancarlo Barzi descobriu que as aulas que deveriam começar na quinta-feira e terminar na segunda, serão bem mais curtas. Questionada sobre se o curso iria começar no sábado mesmo, a recepcionista responde: “Sábado, 10h”. De acordo com ela, os inscritos não costumam ficar até segunda-feira, quando deveria acabar o curso.
“Não, não fica. A gente termina no domingo. Mas geralmente uns vão embora no sábado, outros no domingo. É sempre assim”, afirma.
Na hora da inscrição, uma aula prática de como desviar dinheiro público. Numa cena gravada em um curso realizado pelo INM em Gramado, na Serra Gaúcha, a recepcionista aceita dar um recibo superfaturado. Ao invés de uma valor de R$ 350, a equipe pede um recibo de R$ 450.
“Eu faço para vocês de R$ 450”, diz.
Até o final do ano, o Instituto Nacional Municipalista planeja realizar 38 cursos, a maioria em cidades turísticas. Uma forma de atrair participantes é prestar homenagens durante as aulas.
Ministério Público
Em 2008, o dono do INM, Clesio Drummond, e seus sócios foram denunciados pelo Ministério Público mineiro, por fraudes em cursos para vereadores. Até agora, ninguém foi punido. Em Fortaleza, a equipe procurou Clesio Drummond, que dava palestras em mais um seminário. Ele se defendeu das acusações e afirmou que a frequência dos alunos é controlada. “A cada dia que alguém chega, ele assina uma ficha na hora, e cada vez que ele entra e sai, ele assina a ficha”, afirmou.
Os cursos oferecem até diplomas frios. O documento é usado por quem quer justificar uma viagem que nunca fez e ainda embolsar diárias. Em Belo Horizonte, informamos que o aluno que queremos inscrever não iria ao curso. A recepcionista aceitou a inscrição mesmo assim e ainda pediu para o produtor preencher a ficha.
“Isso aqui você deixa. Porque se algum dia for questionado, o Ministério Público pedir e tudo, aí a gente a manda a ficha pelo correio, ele assina, entendeu? Porque a rubrica, se você faz uma rubrica que, vai que bate, não é a dele, é mais complicado, entendeu? Mas isso é se algum dia!”.
Diplomas falsos - O Fantástico conseguiu comprar diplomas falsos de duas empresas que organizam cursos, a Lunar e o Sibram. O certificado saiu em nome do vereador Antônio Ferreira Alves. O documento mostra que ele esteve na cidade Iraí (RS) de 21 a 24 de julho deste ano. Entre os temas que estudou, estão comunicação na tribuna, gramática e gestão fiscal. Ocorre que desde 1995, o vereador Antônio Ferreira Alves está em um cemitério da Grande Porto Alegre. Virou até nome de rua na cidade de Canoas.
Quem concedeu o certificado foi a vereadora do Partido Progressista de Humaitá (RS) Mabília Rhoden. Ela é responsável pelos cursos da empresa Lunar.
Em troca de R$ 350, Mabília entregou o diploma que encomendamos em nome do falecido. De volta a Humaitá, ela se diz surpresa: negou a venda do certificado falso.
“Não tenho conhecimento disso”, disse Mabília.
Questionada pelo repórter se sabia que o que estava fazendo era crime, ela respondeu “com certeza”. A vereadoria ainda disse que não tinha “nada a dizer” a quem vende um diploma em nome de alguém que sequer está vivo
Na farra dos cursos para vereadores, até craque de futebol vira parlamentar. Roque Santa Cruz, artilheiro da seleção paraguaia e jogador do Manchester City da Inglaterra, e agora também aluno do curso de elaboração e gestão de projetos, da empresa Sibram. O Fantástico comprou o diploma por R$ 300 de Ivo Rêrs, o dono da empresa Sibram.
Roteiro de compras - O Sibram foi responsável pelo curso realizado entre os dias 27 e 31 de julho em Foz do Iguaçu, no Paraná. Terra das cataratas, vizinha de Cidade do Leste, conhecido ponto de compras no Paraguai. O curso, na verdade, ficou só no papel. Na sala de aula, cadeiras vazias e luzes apagadas. E não poderia ser diferente: mal o dia começa, alunos e até o professor já não estão mais no hotel.
O roteiro é de compras. Nas lojas do Paraguai, os alunos gazeteiros gastam dinheiro. Entre uma loja e outra, o presidente da Câmara de Dom Pedro de Alcântara (RS), Gilmar Evald (DEM) diz que apenas três diárias equivalem ao salário de um mês. Quanto recebem por mês?
“R$ 900,00 Tem que ‘carcar’ um pouco nas diárias mesmo”, diz o vereador.
O grupo visita também o zoológico de Foz e as Cataratas do Iguaçu. Eles apreciam a paisagem e tiram fotos. Diversão bancada com dinheiro público.
De Triunfo, saiu o maior número de alunos. Entre eles, o presidente da Câmara, Fábio Wrasse (PDT). Ele viajou acompanhado de assessores, mulher, sogra e filhos. Apenas as crianças não estavam inscritas no curso. Flagrada pela equipe do Fantástico, a sogra do presidente Fábio, Dalva Maria Ferreira, se confundiu na hora de dar explicações. Ela afirmou que não era sogra do vereador, nem assessora.
Repórter: Ontem a senhora também foi vista no Paraguai, como é que a senhora explica isso?
Dalva: Eu não fui no Paraguai.
Repórter: E anteontem a senhora foi também.
Dalva: Não. Eu fui de noite, nós saímos de noite num passeio, só.
Repórter: Nas Cataratas, a senhora não foi?
Dalva: Não.
Já em Foz do Iguaçu, tentamos falar novamente com a sogra do vereador. “Por favor, parou! Agora, parou, chegou”, disse ela.
Repórter: A senhora é funcionária administrativa.
Dalva: Eu sou funcionária administrativa e tenho o direito de fazer o que eu quiser.
Custos - Em 2009, a Câmara da cidade de Triunfo gastou mais de R$ 1,1 milhão em diárias de viagem, segundo o Tribunal de Contas do Estado. O maior gasto deste tipo no Rio Grande do Sul. O dono do curso Sibram afirma que tem um acordo com a Câmara e a prefeitura de Triunfo.
“Todas as semanas eles mandam. Só que aí tem aquele acerto com o presidente, e não é com esse, isso já vem desde antes. E com o atual prefeito lá, que se reelegeu, o Chico. Então, manda, tem um percentual, paga o deles lá. No fim até compensa, quer dizer, não é que até compensa, no fim compensa. Porque você pode ir porque sabe que pelo menos cinco já estão garantido”.
Chico é o prefeito Pedro Francisco Tavares (PDT). Ano passado, ele chegou a ser cassado por compra de votos nas eleições de 2008. Nossa equipe procurou o prefeito e o presidente da Câmara de Triunfo, mas eles não nos atenderam.
De volta ao hotel em Foz, nossa equipe encontrou dois dos vereadores vistos no Paraguai e nas Cataratas se preparando para ir embora, um dia antes de terminar o curso. O presidente da Câmara de Dom Pedro de Alcântara nega que seja vereador.
Repórter: Qual a sua profissão?
Gilmar Evald: Eu sou comerciante.
Repórter: Comerciante? Não é vereador?
Gilmar Evald: Não.
Repórter: Não veio aqui pra participar do curso?
Gilmar Evald: Sim.
Repórter: Mas o senhor disse que não é vereador
Gilmar Evald: Deixa assim.
Tentamos conversar mais uma vez com o presidente da Câmara de Triunfo. Fábio Wrasse (PDT), só apareceu na sala de aula depois de flagrado no Paraguai pela equipe do Fantástico.
A chegada de nossa equipe de jornalismo ao curso deixou os vereadores nervosos. O assessor que está colaborando com a nossa reportagem grava a reação do professor. Ele revela o que vai dizer caso alguém pergunte sobre a ausência dos participantes nas aulas.
“Nós flexibilizamos o horário de curso. Manhã das 8h às 9. De tarde, das 14h às 18h”, disse.
Ele também pediu de volta o diploma falso que vendeu em nome do jogador da seleção paraguaia. “Eu gostaria que você entendesse. Este certificado, depois a gente faz um outro negócio, esse aí eu preciso de volta”, disse.
No mesmo dia, devolvemos o certificado para Ivo Rêrs. O repórter do Fantástico apareceu de surpresa.
Repórter: O senhor emitiu um certificado no nome de um atacante desta seleção aqui, a seleção paraguaia de futebol.
Rêrs: Eu posso te levar lá no carro e te mostrar o cancelamento disso aqui?
Repórter: Por que o senhor vendeu este diploma?
Rêrs: Eu não vendi rapaz. Eu não, eu não vendi. Está ali o cancelamento do diploma.
Repórter: O senhor entrega o diploma em troca de R$ 300.
Rêrs: Não é verdade e não edita esta matéria.
Repórter: O senhor nega isso?
Rêrs: Eu nego.
Repórter: O senhor não entregou o diploma em troca de R$ 300?
Rêrs: Não senhor, não senhor.
Repórter: O senhor pode deixar este certificado com a gente?
Rêrs: Não posso.
Repórter: Não, a gente quer ficar com este certificado.
Rêrs: Não.
Repórter: O senhor pegou da nossa mão. Esta aqui é a nossa equipe.
Rêrs: Não vou deixar com vocês.
A equipe do Fantástico devolveu apenas a cópia do diploma. O original, junto com o outro certificado comprado em Iraí, foram entregues ao chefe da Polícia Civil do Rio Grande do Sul. O assessor convidado pelo Fantástico para gravar os bastidores dos cursos resumiu o que viu durante as viagens.
“Falcatrua, desvio de dinheiro público, passeio, turismo e como lesar a população dos nossos municípios brasileiros”.
Veja o site do Fantástico