sábado, 2 de outubro de 2010

TSE vai divulgar votos de candidatos barrados

VEJA ONLINE, 2 de outubro de 2010


O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vai divulgar os votos recebidos pelos candidatos que disputarem as eleições do próximo domingo com o registro de candidatura indeferido, mas que apresentaram recurso na justiça (sub judice). Contudo, essa divulgação terá que aguardar a totalização final dos votos. A decisão foi tomada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em sessão administrativa realizada no final da noite desta sexta-feira, dia 1º.

O Tribunal apoiou, por maioria, a proposta do ministro Ricardo Lewandowski para permitir a divulgação, mas por questões técnicas, apenas após o resultado da eleição. Nesse ponto, ficou vencido o ministro Marco Aurélio que defendia a divulgação imediata da votação desses candidatos.

O TSE acolheu um pedido do Partido Progressista (PP) para que fosse autorizada a divulgação dos votos dos candidatos sub judice. Ficou definido que a divulgação será feita na página do TSE na internet.

Impasse eleitoral – Lewandowski informou ao Plenário que os votos dos candidatos com registro indeferido continuarão sendo desconsiderados para efeito de totalização, até que a justiça tenha uma decisão final sobre a situação de cada candidato.

Isso significa que permanece o impasse eleitoral criado pela falta de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Depois de mais de 15 horas de julgamento e um inusitado racha de 5 a 5 sobre a constitucionalidade da lei, a Suprema Corte arquivou o processo do ex-candidato ao governo do Distrito Federal (DF) Joaquim Roriz sem decidir se a Ficha Limpa, afinal, deve ou não ser aplicada nas eleições de domingo.

Dinheiro inventado

O GLOBO, Míriam Leitão, 2 de outubro de 2010


O governo decidiu confundir a todos. Aproveita a pouca paciência que as pessoas têm em relação ao assunto "contas públicas" para criar um rolo compressor que está tornando os números vazios de significado. A conta baterá sobre nós contribuintes. As despesas aumentaram este ano 17,2%; a dívida emitida para capitalizar a Petrobras, por mágica, virará receita do governo.

Dívida é dívida; receita é receita. Toda pessoa sabe disso. Mas não as estatísticas do governo. Como uma sucessão de truques fiscais, o Ministério da Fazenda está tornando artificialmente superavitárias as contas públicas.

Como é possível a emissão de título que é dívida, vira capitalização do BNDES, aumento de capital da Petrobras e, no fim, entra no caixa do Tesouro como receita? Pois foi essa mágica que ele fez desta vez. Diariamente, sai um truque desses da cartola do Ministério da Fazenda. Todos eles juntos escondem que o governo está gastando demais. Além disso, o Brasil está perdendo um dos avanços das últimas décadas, que foi o aumento da transparência das contas públicas. Hoje, já é impossível seguir uma série histórica de superávit primário, porque ele mede coisas diferentes; não se confia mais na dívida líquida, porque ela virou biombo que esconde o aumento da dívida bruta.

Esse assunto nos diz respeito diretamente. Transparência em gasto público é democracia. Ajuste fiscal não é burrice, como diz Dilma Rousseff, é sensatez. Sem ele, o contribuinte será chamado a pagar mais ao governo.

O regime fiscal do país mudou neste final do governo Lula. O equilíbrio comemorado nos anos Palocci começou a mudar lentamente, mas o regime fiscal se transformou radicalmente durante a crise. O abalo externo foi usado como pretexto para uma licença para gastar e para maquiar números. Assim está sendo feito um superávit primário para inglês ver, mas que não pode enganar a nós mesmos que pagamos a conta.

Veja-se o que foi feito no caso da Petrobras. A União emitiu dívida de R$75 bilhões para capitalizar a Petrobras; R$30 bilhões foram entregues ao BNDES. O banco pegou esses papéis e pôs na Petrobras para acompanhar o aumento de capital. Os outros R$45 bilhões foram transferidos diretamente para a estatal como aumento de capital da União.

Primeira parte da mágica é dizer que essa emissão de título não entra na conta da dívida líquida. A mentira que pregam aqui é dizer que se trata de um empréstimo e que o BNDES, um dia, vai pagar. E se vai pagar, ficam elas por elas. O problema é que o governo se endivida a 10,75% por ano por um prazo curto, e o BNDES, se pagar, o fará nas calendas. Esses R$30 bilhões não são empréstimo, como não foram os R$180 bilhões que o governo já pôs no banco desde a crise.

A segunda parte da mágica é a seguinte: a União vendeu cinco bilhões de barris de petróleo para a estatal, que levará décadas para tirá-los do fundo do mar, e há poucas informações técnicas sobre a existência, possibilidade de exploração e custo real desses barris.

Na terceira parte, a Petrobras devolve os R$75 bilhões como pagamento ao Tesouro desses barris futuros. A diferença entre os R$45 bilhões que foram dados para a Petrobras e os R$30 bilhões que passaram pelo BNDES virarão receita em setembro. Essa é a melhor parte da mágica: um papel que saiu por uma porta e entrou por outra. Papel de mil e uma utilidades: era dívida, deixa de ser, aumenta o patrimônio do BNDES, aumenta a participação que a União tem na Petrobras e ainda vai virar milagrosamente receita em setembro.

Por que o governo faz essa circunavegação fiscal? Para esconder o fato de que está gastando de forma espantosa. Em 2009, era a tal política anticíclica. Gastar para evitar a crise. O ciclo mudou, a gastança continua. E não é verdade que está gastando para aumentar os investimentos. O setor público federal continua investindo em torno de 1% do PIB apenas.

O superávit conseguido em agosto, de R$4 bilhões, só é superávit, porque as estatais anteciparam dividendos no valor de quase R$7 bilhões. Um dos truques é assim: o governo vendeu ao BNDES dividendos da Eletrobras. Isso entrou como aumento de capital do banco para emprestar mais. O banco pagou esses dividendos ao Tesouro e - kabrum! - virou receita em agosto.

Esses contorcionismos fiscais são diários e vão transformando em circo a contabilidade oficial brasileira. Está ficando difícil entender. Esse caminho de esvaziar os indicadores de significados é o escolhido pela Argentina para a inflação. É um perigo. As verdades econômicas não desaparecem por causa das falsificações.

O economista Alexandre Marinis gosta de usar os dados da Receita Líquida total (receita, menos as transferências para estados e municípios). Ele derruba com dados a tese de que os gastos foram para aumentar investimentos.

Por essa medida, o superávit primário caiu de 15,8% da receita em outubro de 2008 para 6,7% em julho de 2010. Os investimentos cresceram apenas de 3,9% para 4,8%. "Os dados mostram que toda a economia gerada com a redução do superávit primário foi queimada com pessoal, previdência e custeio, ao invés de aplicada em investimentos num país com uma infraestrutura à beira do colapso", diz ele, num relatório. Em reais, a queda do superávit em 12 meses foi de R$91 bilhões para R$45 bilhões no período.

No mês que vem, o governo vai "bombar" o superávit primário com essa receita inventada, inexistente, fruto de ilusionismo fiscal. Na hora que a conta chegar ao nosso bolso, ela será real e concreta.

Pré-sal e gastança pública

VALOR ECONÔMICO, Yoshiaki Nakano, 2 de outubro de 2010

Segundo as manchetes da imprensa, o Secretário do Tesouro Nacional comemorou que a operação de capitalização da Petrobras resultará, em setembro, na entrada de caixa de R$ 30 bilhões, gerando o "maior superávit história". O presidente Lula festejou também a capitalização da Petrobras, como "a maior do mundo", que gerou a entrada de uma enxurrada de capitais do exterior aumentando mais de 1.100%, de setembro em relação a agosto, batendo recorde histórico. Os especuladores do mercado financeiro comemoram, na mesma proporção, a apreciação do real, que chegou a R$ 1,70 por dólar. Engordando seus polpudos ganhos acima da taxa de juros praticada no Brasil, que permanece a mais alta do mundo, quando o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos pratica taxa próxima a zero.

Essa enxurrada de entrada de capitais e a política de juros do Banco Central estão alimentando a expectativa de novas apreciações do real, que poderá se converter num processo de "profecia que se autorrealiza", porém desestabilizadora e catastrófica, no médio prazo. Veja o ritmo assustador de crescimento no déficit de transações correntes, que deverá superar US$ 50 bilhões neste ano. Tudo isto é exatamente o que a hipótese de "doença holandesa" prevê. Mais do que isso, o "boom" no setor de recursos naturais resultará num encolhimento do setor de "tradables" manufaturados, como vem acontecendo, e de forma cada vez mais acelerada no Brasil. Esse efeito destruidor do setor de manufaturados é tão maior quanto mais aberta for a conta de capitais, levando a uma especialização crescente do país em setores exploradores de recursos naturais e não "tradables". (Ver pesquisa cobrindo 90 países e 81 setores manufatureiros, Kareem Ismail, The Structural Manifestation of the "Dutch Disease": The Case of Oil Exporting Countries", IMF Working Paper, Abril de 2010).

Para aqueles que se preocupam com o desenvolvimento do país no longo prazo e com as futuras gerações, não há nada a comemorar com a descoberta do pré-sal e capitalização da Petrobras. Ao contrário, os fatos acima apontados confirmam que o Brasil não tem nem instituições, nem maturidade econômica para se beneficiar, a longo prazo da descoberta de grandes jazidas de petróleo, a exemplo de muitos outros países, como a Venezuela e México, para mencionar apenas os nossos parentes próximos. Não somos a Noruega, que institucionalizou os recursos efetivos vindos da exploração de petróleo, constituindo reserva para o futuro, ou seja, poupança para gerações futuras.

o caso brasileiro, estamos fazendo pior do que faz a Venezuela hoje ou outros países, apreciam a taxa de câmbio consumindo a receita efetiva de exportação de petróleo. O Brasil está apreciando a taxa de câmbio antecipadamente e consumindo uma receita de exportações, que poderá ou não, se materializar no futuro, provavelmente, muito depois da Olimpíada de 2014, ampliando o passivo externo e a gastança pública. É importante lembrar que a receita futura é ainda incerta e existem riscos e desafios tecnológicos não triviais para extrair petróleo em águas do pré-sal.

De janeiro a agosto deste ano, os gastos do governo federal e Banco Central aumentaram 17,2%, em relação, ao mesmo período do ano anterior. A rigor, o Tesouro Nacional está colocando, antecipadamente em caixa, R$ 30 bilhões, próximo de 1% do PIB, para pagar os aumentos galopantes de consumo do governo, particularmente aumento de salários do funcionalismo, dado desde 2008. Lembro que somente esses aumentos representam muito mais do que as receitas futuras agora antecipadas. Não estamos consumindo uma receita efetiva de exportações de petróleo, só isto seria desastroso para um país que poupa e investe apenas 19% do PIB. Estamos antecipando receita futura para pagar gastança passada!

Com a apreciação da taxa de câmbio, além de consumir uma receita futura incerta, estamos destruindo o setor manufatureiro brasileiro que foi construído por gerações passadas, no último século, com a entrada de importações, particularmente de países que mantêm a sua taxa de câmbio ultra-depreciada, como a China. Fábricas são fechadas para se transformarem em importadoras. Muitos setores industriais, num processo regressivo, são obrigados a se especializar em atividades exploradoras de recursos naturais. Veja o exemplo do setor de soja, cujas fábricas de óleo foram fechadas, tornando o Brasil exportador de grãos. Da mesma forma, o setor siderúrgico, que vinha alcançando notável renovação e avanço tecnológicos depois da privatização, está se tornando, cada vez mais, exportador de minério de ferro, e o Brasil de exportador, de repente, está importando em torno de 30% do aço consumido.

Quando analisamos para que setores da indústria os investimentos estão sendo canalizados, dados do IBGE mostram um quadro típico da "doença holandesa": aumentaram, de 1996 a 2008, nos setores baseados em recursos naturais e de petróleo, e diminuíram nos setores de maior valor agregado e intensivos em tecnologia. Não é a toa que o saldo comercial desses últimos setores, que em 2005 era de cerca de US$ 5 bilhões, tenha se transformado num déficit, que deverá atingir US$ 60 bilhões.

Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP.

Vejam que maravilha é o Fundo Soberano de um país que pensa no futuro: a Noruega

VEJA, setembro de 2010


VEJA mostrou recentemente alguns truques contábeis com que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, permite gastança ao governo enquanto, tecnicamente, mantém as contas públicas em ordem.

No meio dos coelhos retirados da cartola, figura o uso de 18 bilhões do chamado Fundo Soberano – uma massa de recursos teoricamente destinado a fazer investimentos no exterior para defender o país de futuras crises financeiras – para comprar ações de empresas estatais.

Agora, o governo decidiu realocar a dinheirama do Fundo Soberano para tentar conter a valorização do real, algo já comentado em outro post.

Ou seja, em vez de pensar no futuro, aqui no velho e bom Brasil pensamos em resolver o imediato, em fechar o caixa. Enquanto isso, um pequeno país de menos de 5 milhões de habitantes, como a Noruega, utiliza com sabedoria o mar de petróleo existente sob suas águas territoriais. Já juntou, desde os anos 90, um gigantesco Fundo Soberano de 464 bilhões de dólares – o segundo maior do mundo, logo após o de Abu Dhabi. O destino do dinheiro: as futuras gerações.

O Fundo Soberano norueguês tem dois objetivos fundamentais:

1) fortalecer a previdência social nas próximas décadas, para fazer frente ao progressivo envelhecimento da população e a diminuição da proporção entre pessoas ativas e aposentados;

2) Preparar o país para o declínio na produção de petróleo e, bem mais adiante, para o fim das reservas nas águas geladas do Mar do Norte.

Superávit e desenvolvimento humano – O que alimenta o fundo são os impostos pagos pelas petroleiras, o dinheiro embolsado pelo governo norueguês por concessões a empresas privadas para exploração de petróleo no Mar do Norte e os dividendos que recebe por sua participação acionária na estatal petrolífera StatoilHydro (que não detém monopólios).

Vamos aproveitar para lembrar que a Noruega ocupa o primeiro lugar no ranking mundial de Índice de Desenvolvimento Humano, elaborado pela ONU a partir dos dados sobre expectativa de vida, educação e renda per capita dos países.

E, além de seu belíssimo Fundo Soberano, em plena era de questionamento do modelo de estado de bem-estar social, o país se dá ao luxo de proporcionar a seus cidadãos benefícios como 10 meses de licença-maternidade com salário integral para mães com emprego.

Em contraste com quase todos os países ricos pesadamente endividados, a Noruega ostenta um orçamento superavitário e destina mais de 1% de seu PIB em ajuda a países pobres, enquanto a poderosa Alemanha, por exemplo, separa 0,4% para essa finalidade, e os Estados Unidos – mesmo depois de uma puxada para cima determinada pelo presidente Barack Obama – apenas 0,2%.