segunda-feira, 11 de outubro de 2010

“Creio que podemos enxugar a máquina”, diz Beto Richa

GAZETA DO POVO, 11 de outubro de 2010


Com a posse de Beto Richa (PSDB) em 1.º de janeiro, a máquina pú­­­blica estadual vai passar por uma grande reformulação. Essa é a intenção do tucano que, em entrevista à Gazeta do Povo, diz que gostaria de contar com os serviços da consultoria INDG, uma das responsáveis pelo choque de gestão implantado pelo ex-governador Aécio Neves (PSDB) em Minas Gerais. A empresa é especializada em planejamento fiscal – entre outras coisas, identifica e sugere maneiras de tapar os “ralos” por onde escoa o dinheiro público –, um serviço cada vez mais procurado por órgãos públicos.

As modificações na gestão também ocorrerão em função do estilo pessoal. Richa afirma que é radicalmente diferente do ex-governador Roberto Requião (PMDB). Mesmo assim, o tucano espera con­­­tar com o apoio dele, eleito senador, e com os outros dois representantes do Paraná no Senado – Gleisi Hoffmann (PT) e Alvaro Dias (PSDB).



Como será a gestão de pessoal no seu governo? De acordo com o Tesouro Nacional, o Paraná gasta 45,11% da receita corrente líquida com pagamento de funcionários, e o limite prudencial é de 46,55%. O senhor pretende aumentar ou diminuir esse porcentual? Pensa na possibilidade de um Plano de Demissão Voluntária (PDV), de reduzir os quadros do governo?
Quero o estado do tamanho suficiente para as transformações que queremos fazer. Acredito que há áreas que podem ser reduzidas; creio que podemos enxugar a máquina, priorizando [diminuir] os cargos em comissão. Acho que não irá precisar de um PDV. Os dados mais precisos para traçar uma estratégia serão tirados a partir do trabalho dessa equipe de transição [a primeira reunião será na próxima quarta-feira]. Com todos os dados em mão poderemos saber o que é necessário fazer. Não dá para antecipar nada agora.

Seguindo o mesmo raciocínio, não dá para saber se será possível conceder reajustes logo no 1.º ano de governo. O senhor tem ao menos uma previsão de quando isso pode acontecer? Há alguma categoria que terá prioridade?
Não, por enquanto não. Assumi­­­mos o compromisso da equiparação salarial com os professores, uma coisa justa. E a ideia é fazer [dar o aumento] o mais rápido possível. Mas tudo passa por esse diagnóstico. Sei que a situação financeira do estado não é boa. É o 18.º em volume de recursos para investimento [os dados do Tesouro Nacional são diferentes: o Paraná ficou em 12.º lugar em volume de investimento em 2009]. A ideia é dar um choque de gestão, melhorar o gasto público, eliminar os desperdícios. Fazer como o Aécio Neves [ex-governador e senador eleito por Minas Gerais]. Contratar o Instituto INDG para fazer esse trabalho. Eles já atuam em vários estados e municípios. Por onde passaram conseguiram aumentar a arrecadação de forma inimaginável, fazendo um pente-fino na administração. No volume geral, sobra um orçamento inteiro para investimento. Em alguns estados conseguiram até dois orçamentos.

Qual o trâmite necessário para contratar o instituto? Precisa de licitação?
Não sei como é. Não estou dizendo que vou contratá-los, apenas que é uma possibilidade. O trabalho deles é muito bom.

O senhor cita o governo Aécio e Minas Gerais como exemplo. O estado reduziu o déficit, mas ainda tem um endividamento muito alto e os gastos com folha de pagamento são maiores do que no Paraná, chegando a 46,16%, o que mostra um inchaço no governo. O senhor também vai se espelhar nas gestões tucanas para saber o que não fazer?
Vou citar um exemplo prático: Minas foi dos poucos ou o único estado que adotou o contrato de gestão. Nós usamos aqui [na prefeitura de Curitiba] o acompanhamento do mesmo avaliador, Caio Marini [professor da Fundação Dom Cabral e consultor em Gestão Pública]. Vimos o que eles fizeram e aprimoramos ainda mais. O próprio Marini disse que o contrato de gestão implantado na prefeitura é muito melhor do que o Aécio fez em Minas. Podemos aproveitar o que temos de bom e também aprimorar. O Aécio tem boas receitas de uma gestão pública eficiente. Pegamos essa receita e avançamos.

O senhor prometeu cumprir seu plano de governo, registrado em cartório. Mas, ao longo da campanha, fez promessas pontuais que não constam do documento, como aumentar a abrangência do Luz Fraterna para um consumo de até 120 kW, ou garantir o reajuste de 26% para professores. Cumprirá também com o que propôs durante a campanha ou seguirá estritamente o plano de governo?
Tudo, tudo. A ideia do Luz Fraterna, por exemplo, surgiu depois, com o decorrer da campanha, conforme as pessoas solicitaram e a nossa equipe técnica detectou ser viável. Vai incluir mais 30 mil famílias; não é nada penoso para o estado. Ao longo do mandato muitas coisas vão aparecer que não estavam incluídas no plano de governo – e nós vamos fazer.

O pedido para impugnar as pesquisas durante a campanha foi uma decisão do seu partido, mas repercutiu mal na sua imagem...
[Richa interrompe a pergunta]. No início. Hoje repercute muito bem porque viram que eu tinha razão.

Mas isso levantou uma série de questionamentos sobre o seu papel de liderança e expoente político na imprensa nacional. Pessoalmente, o senhor teria feito o mesmo?
Teria. Veja bem, não sou contra pesquisas. Nunca fui censor. Atuo sempre com democracia, transparência. Mas todo cidadão, quando se sente prejudicado, tem o direito de recorrer à Justiça. E não fui eu quem proibi a divulgação de pesquisas; não tenho esse poder. Quem tem é a Justiça Eleitoral. E no Tribunal Regional Eleitoral impediram [a publicação delas] por 7 votos a 0. O único instituto [Ibope] que conseguiu [a liberação da pesquisa], via liminar concedida pelo STF, mostrou um dia antes da eleição – e a pesquisa de boca de urna insistiu – que a eleição seria rigorosamente empatada. Erraram além da margem de erro, que era de 2 pontos. A minha diferença para o Osmar Dias chegou quase a 7. Erraram três vezes. Será que eu estou errado? Erraram em relação ao Gustavo Fruet [candidato ao Senado pelo PSDB]. Deram a ele 20 pontos a menos, e ele perdeu por apenas 1. Sou a favor das pesquisas, mas tem que repensar a metodologia. O que ajuda na democracia? Ajudou ao Gustavo Fruet mostrar que ele estava 20 pontos atrás?

Será que influencia tanto assim? Em São Paulo, o candidato ao Senado pelo PSDB, Aloysio Nunes, aparecia em 3.º nas pesquisas, mas acabou sendo eleito em 1.º.
A pesquisa estava errada. Te devolvo a pergunta: o que ajuda uma pesquisa errada? Graças a Deus que não influencia o eleitor. Mas eu me senti prejudicado. Com uma pesquisa que começa a apontar o outro candidato na frente, você perde apoio de prefeitos, de lideranças do interior. Alguns querem estar ao lado de quem vai ganhar. Não sei se a pesquisa não mudou o resultado da eleição passada estadual. O Requião aparecia bem na frente, mas só venceu [Osmar] por 0,1% [cerca de 10 mil votos]. Dois prefeitos que mudaram de posição por causa da pesquisa, mudou o resultado. Eu sei como funciona isso.

Mas, em relação aos dados mais sensíveis da administração pública, como as estatísticas sobre a violência, o senhor pretende torná-las pública ou vai depender do resultado que elas mostrarem?
Transparência total, em todo o governo, em todos os setores. Se o número é bom ou ruim, tudo será mostrado. Não tenho nada a esconder. É um dever do gestor público prestar contas dos seus atos.

E como será o seu relacionamento com a imprensa?
Uma relação boa, respeitosa, aberta. Sou um político democrático, atendi a todos, todos os veículos de comunicação. Quero mudar o comportamento, o estilo, a forma da TV Educativa. Não vai servir para divulgar as ações pessoais do governador e muito menos as opiniões ideológicas ou políticas do governador. Vai ser uma tevê para divulgar cultura, informação de qualidade. Para educar a população, não ser instrumento para atacar adversários.

Uma mudança radical, então.
Radical. A diferença entre mim e o Requião é radical.

Onde o senhor se vê daqui a quatro anos?
Não tenho esse poder. Pretendo fazer um bom governo, que seja bem avaliado como foi na prefeitura. Uma gestão que atenda aos interesses dos paranaenses, que seja reconhecida por essa razão.

E daqui a oito anos? Onde estará?
Aí eu não sei. Talvez em casa.

Mas o senhor é bastante novo, pode ter uma trajetória longa na política.
No dia da eleição perguntaram da minha ansiedade. Eu fui para casa descansar, não acompanhei a apuração. Fui para o quarto descansar. É lógico que um pouquinho se ansiedade existia – afinal lutei igual a um doido. Garanto que não teve um candidato que cumpriu um terço da agenda que eu cumpri. Dediquei-me muito para vencer a eleição. Tinha a proposta de ajudar os paranaenses. Se essa oportunidade fosse negada, eu iria para casa. Tenho muito o que fazer fora a política. Cuidar dos meus filhos, o tempo que perdi de convívio com eles, com a minha mulher, os negócios da família. Minha vida não acaba se eu perder a eleição.

Mas a eleição nacional continua e o PSDB, pelo contrário, não está nada tranquilo, e quer eleger o José Serra presidente da República. O senhor se vê como uma figura importante dentro da estratégia do partido de voltar ao Palácio do Planalto?
Sou um soldado do partido. Não escolho posto ou hierarquia. Estou aqui para ajudar. Mas, pela minha lealdade [ao PSDB], sempre sou consultado. Vou entrar de corpo e alma nessa campanha. E pode escrever aí: fatalmente a vantagem do Serra vai aumentar no Paraná. Agora é dedicação exclusiva.

O senhor se arrepende de não ter utilizado mais o Serra durante o horário eleitoral, visto que ele foi bem votado no estado?
Foi o que deu para fazer. Foi uma estratégia de marketing, de comunicação. Garanto que entre os candidatos em todo o Brasil talvez quem mais mostrou o Serra fui eu. Quando não tinha depoimento, ele aparecia em imagens comigo; apareceu várias vezes no Paraná. E ele sempre saiu daqui agradecendo. Temos uma relação de amizade. Ele declarou que o Geraldo Alckmin [governador eleito de São Paulo] e eu fomos os mais leais. O porcentual dele aqui foi maior do que em São Paulo [43,94% a 40,66%], o estado dele, com o governo na mão.

Como o senhor pretende se relacionar com o governo federal em caso de vitória do PT?
Como sempre tive, uma boa relação. Trouxe muito mais recursos federais per capita do que o Requião, amigo íntimo do Lula. Não basta ser amigo, tem de ter competência, projeto. Curitiba estabeleceu a maior parceria com a Caixa Econômica. Fiz na cidade uma revolução habitacional. Vou fazer no estado também. O governo anterior prometeu 200 mil casas, mas não fez 30 mil.

O mesmo vale para o Senado, que será composto pelo Alvaro Dias – que apesar de ser do seu partido declarou apoio ao irmão Osmar Dias durante a campanha –, pelo Requião e pela Gleisi, os dois últimos de oposição?
Estou muito tranquilo. Falei com a Gleisi [na última terça-feira]. Tranquila, ela quer ajudar o Paraná. O Requião talvez queira. Mas, se não quiser, não tem problema nenhum. Tenho uma grande amizade com muitos senadores que estão lá, até do PT como o Delcídio Amaral (MS). Isso não me assusta. Mas é claro que prioritariamente eu conto com os do Paraná, até porque é obrigação deles ajudar o estado.

No primeiro debate do segundo turno, Dilma e Serra fazem duelo aberto

ESTADÃO ONLINE, 11 de outubro de 2010


No primeiro debate direto do segundo turno, promovido pela TV Bandeirantes, os candidatos Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) partiram para o confronto aberto. Antes do debate, esperava-se que os candidatos adotassem uma postura “paz e amor”. Mas a candidata petista sepultou essa possibilidade já no primeiro bloco, partindo para o ataque e abordando de imediato o tema que vem sendo apontado como responsável por a campanha ter ido ao segundo turno, a polêmica sobre o aborto.

Em suas primeiras falas, Dilma afirmou que foi Serra quem regulamentou a prática do aborto em casos específicos quando era ministro da Saúde. Disse ainda que concorda com a regulamentação, porque “não pode deixar de atender a mulher” que aborta. E reclamou também de declarações da mulher de José Serra, Monica Serra, que declarou ainda no primeiro turno, que Dilma era a favor de “matar criancinhas”. Serra rebateu dizendo nunca ter defendido a legalização do aborto. “Você defendeu e de repente passa e dizer outra coisa”, acusou.

A petista ainda acusou o tucano de realizar sua campanha fazendo calúnias contra Dilma. “Essa forma de fazer campanha, que usa o submundo, é correta?” Serra respondeu que se solidariza com quem recebe ataques pessoais. “Eu tenho recebido muitos ataques por toda a campanha, como nos blogs que levam o seu nome. Nós somos responsáveis por aquilo que pensamos. A população quer saber o que a pessoa fez na vida pública. Vocês confundem matérias de jornais com ataques”, declarou, citando o escândalo da Casa Civil e a polêmica sobre o aborto.

A troca de acusações permeou todo o debate. Enquanto Serra acusava Dilma de ser “duas caras”, a petista respondia afirmando que o tucano “realmente não é o cara, é o mil caras”.

A segurança foi outro tema bastante abordado no debate. Serra exibiu números de redução de homicídios, prometeu criar o Ministério da Segurança e acusou o governo federal de se omitir na questão. Já Dilma respondeu citando a criação da Força Nacional de Segurança Pública e o aumento da integração entre as polícias que, segundo ela, o governo vem promovendo.

O tema das privatizações também voltou ao centro do debate, com Dilma tentando repetir tática que deu certo no segundo turno eleição de 2006, quando o então candidato à reeleição Luiz Inácio Lula da Silva passou a acusar o tucano Geraldo Alckmin, seu oponente, de planejar retomar as privatizações. A petista citou um assessor de Serra que, de acordo com ela, defendeu a privatização do pré-sal. O tucano rebateu afirmando que a acusação de privatizante aparece sempre no período eleitoral mas, segundo ele, o PT também fez privatizações. Ele diz ainda que vai “reestatizar” empresas públicas loteadas politicamente.


Debate Band marca 4 pontos de audiência
O primeiro debate do segundo turno da eleição presidencial fez a Band marcar 4 pontos na noite do domingo (10). Cada ponto equivale a 65 mil residências na Grande São Paulo.

A média é considerada ótima para emissora neste horário. O debate anterior da emissora marcou 2 pontos. O confronto entre José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) se estendeu até depois da meia-noite.

O último debate antes do primeiro turno, na Globo, registrou 23 pontos. O debate aconteceu em 30 de setembro e reuniu Dilma Rousseff (PT), José Serra (PSDB), Marina Silva (PV) e Plínio de Arruda Sampaio (PSOL). Esse debate da Globo teve o maior ibope desta eleição até agora.

Debate na televisão renasceu neste domingo

VEJA ONLINE, 11 de outubro de 2010


Com apenas dois candidatos no palco, o debate presidencial na televisão renasceu neste domingo. José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) se confrontaram de fato na Bandeirantes – com ideias e projetos, mas também procurando, cada um deles, minar a credibilidade do adversário.

Dilma entrou no segundo turno com um flanco aberto. No passado, manifestou-se claramente em defesa da descriminalização do aborto, em diversas ocasiões. Ao constatar que isso lhe tirou os votos de um bom número de católicos e evangélicos, ela inverteu o seu discurso sobre o tama. No debate, Dilma retomou esse tipo de declaração, mas pautou-se, sobretudo, pela máxima de que o ataque é a melhor defesa. Sua estratégia para livrar-se da polêmica foi dizer-se vítima de “calúnia e difamação”, ao mesmo tempo em que adotava um tom mais agressivo em sua fala. Difícil saber qual será o efeito dessa tática que mistura agressividade e vitimização. Além disso, quem assistiu ao debate procurando esclarecer de uma vez por todas qual a opinião de Dilma sobre o aborto provavelmente encerrou a noite como havia começado – sem uma resposta clara.

A candidata petista também partiu para o ataque ao retomar uma estratégia que o PT usou com sucesso nas eleições de 2006, quando Lula disputou o segundo turno com o tucano Geraldo Alckmin. Dilma insistiu na tese de que o PSDB é o partido das privatizações e pretenderia entregar à iniciativa privada um patrimônio que é da população. Disse que num governo tucano as riquezas do pré-sal poderiam ser entregues a empresas estrangeiras.

Serra enfrentou bem as duas investidas – e soube contra-atacar. No tema do aborto, destacou a incongruência das declarações de Dilma no passado e agora. No tema das privatizações, não hesitou. Lembrou que sem a privatização do setor de telefonia, no governo Fernando Henrique Cardoso, os celulares não seriam um item de uso universal com o são hoje no Brasil: “O PT não queria essa privatização. O Brasil do PT falaria de orelhão”.

O tucano aproveitou a deixa para falar dos escândalos de corrupção em torno de Erenice Guerra, braço-direito de Dilma Rousseff quando ela ocupava o Ministério da Casa Civil, e sua sucessora na pasta. Esses escândalos, segundo Serra, mostram qual o tipo de privatização que precisa, de fato, ser combatido: aquele em que os interesses do grupo político que ocupa o poder se sobrepõem ao interesse público. “Eu vou reestatizar empresas como a Petrobras e o Banco do Brasil, porque vou acabar com o seu loteamento político”, disse ele. É improvável que o tema da privatização tenha sobre a candidatura de Serra o mesmo efeito demolidor que teve sobre a de Alckmin, em 2006.

Aborto e privatização foram os temas dominantes da noite. Mas os candidatos também falaram sobre saúde, segurança e infraestrutura de maneira mais profunda e proveitosa do que em qualquer dos debates do primeiro turno. Resta saber qual o impacto do debate sobre a massa dos eleitores – uma vez que o público do programa na TV tende a ser limitado. Para quem viu, não houve tédio desta vez.

Especialistas aprovam tom mais incisivo dos dois no debate, mas têm dúvidas se isso renderá votos

O GLOBO, 11 de outubro de 2010


Especialistas ouvidos pelo GLOBO viram no debate de domingo um corte em relação à campanha do primeiro turno, em que a candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, e o candidato do PSDB, José Serra, evitavam o confronto direto. Para eles, houve uma atmosfera de ataque e de contra-ataques, em que temas polêmicos antes evitados - como o escândalo envolvendo a ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra, ex-braço-direito de Dilma - foram abordados. Mas, mesmo tornando o debate mais emocionante, esse clima de confronto pode não se traduzir em votos para nenhum dos dois candidatos, opinam.

Além disso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi o grande ausente no debate de ontem, na análise dos especialistas ouvidos pelo GLOBO. Se nos enfrentamentos anteriores ele era citado tanto pela candidata do PT quanto pelo do PSDB, desta vez as menções ao seu nome foram poucas de lado a lado.
Dilma já demonstra mais experiência

Para Eurico Figueiredo, professor do curso de pós-graduação de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense, o debate de ontem foi mais emocional que os anteriores, e o candidato do PSDB, José Serra, mostrou-se mais agressivo do que vinha sendo.

- Serra fez duas coisas que lhe cobravam muito: mostrar sua trajetória como político profissional e tocar em pontos polêmicos, como o caso Erenice. Ele se mostrou mais agressivo e isso lhe dá uma vantagem, ao meu ver - disse Figueiredo.

Para Figueiredo, Dilma foi assertiva, mas teve menos fluência do que Serra.

O professor de História Contemporânea Daniel Aarão Reis, por sua vez, acha que Dilma parecia insegura a princípio, "atingida pelos ataques que vem sofrendo, e exprimiu isso com franqueza e sinceridade". No segundo bloco, no entanto, ela recuperou o autocontrole e mostrou conhecimento dos temas discutidos. Sobre Serra, Reis destaca que, embora atacado no debate sobre privatizações, teve como ponto forte a articulação e o autocontrole.

O debate mostrou também uma Dilma Rousseff já um pouco mais habituada à política. Se não respondeu a todas as perguntas, na opinião de Figueiredo, ela demonstrou certa sagacidade política ao trazer temas que não dominava para áreas que conhecia melhor.

- Foi o primeiro debate frente a frente dela, e ela já se mostrou mais experiente. Também foi autêntica, o que permitiu conhecê-la um pouco melhor - disse Figueiredo. - Serra também foi ele mesmo. Nesse sentido, o debate foi bom. Acho que ela foi bem, mas ele foi melhor.
"Lula não se materializou no debate"

Sobre uma certa ausência do presidente Lula no debate, Figueiredo acredita que isso foi uma decisão acertada do lado de Serra, que desta vez se mostrou mais como um opositor, mas errada do lado de Dilma, que tem no presidente seu principal aliado.

- Desta vez, Lula foi praticamente um fantasma, não se materializou no debate.

Reis, por seu lado, destaca que o clima de ataques e contra-ataques pode não contribuir "para a elucidação das propostas dos candidatos".

- Talvez eu esteja exagerando, mas acho que os dois candidatos estão perdendo. Talvez Serra esteja perdendo menos, pela sua maior capacidade de articulação e por aparentar maior autocontrole - disse Reis, para quem Serra se saiu melhor ao discutir a segurança e a saúde; enquanto Dilma foi melhor na discussão sobre privatizações.

Figueiredo também concorda com os resultados dúbios dos ataques de ontem:

- Isso pode levar a um resultado negativo para os dois - afirmou.

Na TV, Serra busca votos de Marina; Dilma exibe ataques feitos em debate

FOLHA DE S. PAULO, 11 de outubro de 2010


O programa eleitoral de TV do presidenciável José Serra (PSDB) pediu declaradamente o apoio de Marina Silva (PV) e ressaltou o ensino técnico, enquanto Dilma Rousseff (PT) usou inserções do debate realizado ontem na Band para atacar o adversário.

De olho no eleitorado de Marina, que conquistou quase 20% dos votos válidos no primeiro turno e ajudou a empurrar a corrida presidencial para um segundo turno, Serra falou sobre consciência ecológica e disse que a luta pelo pelo meio ambiente agora é do Partido Verde e da Marina, pedindo o apoio da candidata ao afirmar que é preciso união acima dos partidos.

Sem mencionar Fernando Henrique Cardoso, Serra exalta a criação do Plano Real como um mérito seu.

O candidato ainda defende o ensino técnico como a melhor forma de educar, prometendo implementar o Protec --que seria o Prouni do ensino técnico.

O discurso do tucano fala diretamente de manter os "valores da família" e do "nascimento do Brasil".

A propaganda do candidato finaliza com o depoimento de uma mulher criticando Dilma e dizendo que a petista fez um "papelão" no primeiro turno, ironizando a sua estratégia de pedir votos para o eleitorado feminino ao afirmar que "qualquer coisinha" Dilma chamava um homem --o presidente Lula. Como programa de Serra já levantou dúvidas sobre a religiosidade e a capacidade de gestora da petista, o depoimento finaliza com ironia.

"Se o seu governo arrumou alguma coisa, não fez mais que o dever, pensa nisso e fica com deus, tá?"

Debate - A propaganda de Dilma mudou de tom e dedicou cinco minutos --metade do programa-- para mostrar inserções da petista no debate realizado ontem na Band onde ela critica José Serra.

O programa inicia sustentando que Serra tem a intenção de privatizar o pré-sal e a Petrobras.

Além de outras acusações, a petista afirma que a esposa do adversário, Mônica Serra, teria dito que Dilma é "a favor da morte de criancinhas" --na saída do debate o candidato respondeu que não sabia do que a candidata estava falando.

Nos cinco minutos finais, Dilma reafirma propostas já citadas como redução de impostos e ampliação da Samu 192, dos programas Saúde da Família, Brasil Sorridente e farmácias populares.

A propaganda da petista continua a exibir depoimentos de governadores eleitos da base aliada que tiveram votações expressivas no dia 4 de outubro, como Eduardo Campos (PE), Jaques Wagner (BA), Sérgio Cabral (RJ) e Tarso Genro (RS).

Serra reclama de ataques de Dilma à sua família

FOLHA DE S. PAULO, 11 de outubro de 2010


O candidato José Serra (PSDB) reclamou nesta segunda-feira dos ataques da adversária Dilma Roussef (PT) à sua família no debate da Band, realizado ontem.

Em entrevista após uma carreata em Goiânia, o candidato afirmou que ficou surpreso com a atitude agressiva de sua adversária no encontro e lamentou os ataques à sua esposa, Monica Serra.

"É uma estratégia dela [ser agressiva] que foi uma surpresa para mim. Ataque à família não é bom na campanha. Campanha é para discutir propostas, comparar candidatos, o que eles fizeram, o que vão fazer", afirmou Serra.

No debate, Dilma citou a mulher do tucano que, segundo a candidata, teria dito que a petista "era a favor de matar criancinha".

"Acho gravíssima a fala da sua senhora", disse Dilma. Serra não respondeu no debate e ontem não falou se sua mulher de fato disse a frase.

O candidato usou fortemente de palavras e símbolos religiosos durante sua caminhada pela capital de Goiás. Serra caminhou por cerca de 15 minutos. Mas o tumulto era grande e, tenso, preferiu subir num carro de som.

Serra foi acompanhado o tempo todo pelo padre Genésio Ramos, da Paróquia de São Francisco de Goiás, em Anápolis. O padre afirmou que tem feito campanha entre os fiéis para que votem consciente e não votem pela ideologia, mas sim pela consciência. Ao receber um terço, o candidato beijou-o na frente da multidão.

"Nós estamos movidos pela fé. A fé de dentro da gente, a fé que vai construir o Brasil", afirmou o candidato durante seu discurso para as cerca de 5.000 pessoas que, segundo a PM goiana, acompanharam a carreata que durou cerca de uma hora.

Acompanhado do candidato à governador pelo PSDB no Estado, Marconi Perillo, Serra fez promessas como a construção de um aeroporto, metrô e anel viário em Goiânia, a duplicação da BR-060 (que liga o Estado ao Mato Grosso) e a extensão da ferrovia Norte-Sul até São Paulo.

O candidato também voltou a falar sobre privatizações. Afirmou que as perguntas sobre o pré-sal feitas pela adversária no debate eram ininteligíveis e que vai reforçar as estatais como Correios, Petrobras, Caixa, Banco do Brasil e BNDES acabando com o que ele chama de privatização partidária das empresas:

"Vou fortalecer as estatais que estão consumidas pela corrupção e o empreguismo. Estatizar porque hoje elas funcionam como se fossem de donos privados", afirmou Serra.

Dilma dá a entender que câncer a reaproximou de Deus

FOLHA DE S. PAULO, 11 de outubro de 2010


Em visita hoje ao Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, em Aparecida (SP), a candidata à Presidência Dilma Rousseff (PT) deu a entender que a doença que enfrentou no ano passado foi o fator que a reaproximou de Deus.

Dilma tem sofrido ataques por ter mudado suas posições religiosas desde que se tornou candidata. Em sabatina à Folha, em 2007, quando era ministra da Casa Civil, afirmou que se "equilibrava nesta questão [existência ou não em Deus]".

"Eu tive um processo recente e este processo me fez retomar várias coisas que estavam já dentro de mim. Essas questões dizem respeito a mim e eu não autorizo, não legitimo ninguém a julgar minha crença. Acho que isso é o cúmulo do preconceito", afirmou.

Sobre as insinuações de que não é cristã, afirmou: "ninguém tem o direito de dizer qual é a minha crença, ninguém tem direito de fazer isso. Quem pode julgar sobre crença religiosa é Deus".

Dilma participou da missa das 9h, mas não comungou. Mais tarde explicou que prefere uma posição "mais recatada". "A minha religião diz respeito à minha convicção, é uma questão muito pessoal".

Esta foi a primeira visita de Dilma ao Santuário. Depois da missa, ela deu entrevista à TV Aparecida. Prometeu levar o trem-bala para a região, para que mais romeiros possam ir ao santuário.

Sobre os motivos para ir ao local, Dilma afirmou que desenvolveu "devoção especial por Nossa Senhora Aparecida, por circunstâncias recentes em minha vida".

Perguntada se tinha sido o câncer linfático que enfrentou no ano passado, ela afirmou que "preferia não falar sobre isso, é uma questão pessoal, privada".

Ela voltou a falar sobre os rumores de que tem sido vítima e citou diretamente a mulher de seu adversário, José Serra, Mônica Serra, e o vice de Serra, Índio da Costa. "Eu passei muito tempo calada sobre essas acusações. Quando eu vi o tamanho que tinha tomado essa central organizada de boatos, eu resolvi tornar isso algo público e compartilhar com a população", disse.

Ela atacou Serra falando da Guerra do Vietnã. "Havia uma subestimação total da capacidade do Vietnã reagir à maior potência. Da parte do meu adversário, não sei porque ele tem a mania de subestimar as pessoas e se achar superior a elas".

Durante a visita, Dilma foi muito aplaudida, mas foi também criticada por fiéis que disseram que a visita dela era uma tentativa de "transformar o santuário em palanque".

Ela defendeu ainda um retorno aos "valores éticos e morais", falou da família e disse que pretende estimular adoções de crianças no país, caso eleita.

Ex-corregedor vê corrupção no Judiciário

O GLOBO, 11 de outubro de 2010

Ao encerrar seu período à frente da Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça, o ministro Gilson Dipp se mostra surpreso com o grau de corrupção que descobriu em alguns setores do Judiciário. Os casos não são tão pontuais quanto eu imaginava, disse, revelando ter afastado inúmeros juizes por irregularidades. Dipp ressalva, no entanto, que a corrupção não é generalizada.


Um dos juízes mais experientes do país, o ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), surpreendeuse com o grau de corrupção que descobriu em alguns setores do Judiciário no período em que esteve à frente da Corregedoria Nacional de Justiça, entre setembro de 2008 e setembro deste ano. Durante a gestão de Dipp, até um colega do STJ, o ministro Paulo Medina, foi condenado a se aposentar depois de ser acusado de venda de decisão judicial.

Para Gilson Dipp, da mesma forma que ocorre com profissionais de outras áreas, juízes cometem desvios por causa da sensação de impunidade.

Um dos magistrados pioneiros da criação das varas especializadas no combate à lavagem de dinheiro, Dipp afirma ainda que, mesmo com a melhora da performance dos órgãos de controle, a corrupção está aumentando no país. A percepção do ministro pode ter reflexo na política nacional.

Há duas semanas, Dipp assumiu uma vaga de suplente no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A seguir, os principais trechos da entrevista concedida pelo ministro ao GLOBO, em Brasília.

Leia abaixo a entrevista.

A partir da sua experiência na Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pela quantidade de casos de corrupção investigados, o senhor diria que é muito elevado o grau de corrupção no Judiciário brasileiro?

No universo de 16 mil juízes, os casos efetivamente são pontuais. Mas não são tão pontuais quanto eu imaginava. A Corregedoria Nacional de Justiça começou a funcionar até pela omissão das corregedorias locais. Posso dizer, com tranquilidade, que as corregedorias dos Tribunais de Justiça dos estados e algumas corregedorias dos Tribunais Regionais Federais não atuavam condignamente. Se atuassem, seria muito menor a intervenção da Corregedoria Nacional nesse setor disciplinar.

Essa sua visão dá para ser traduzida em números? O Conselho Nacional de Justiça tem estatísticas sobre juízes que foram processados e estão sendo julgados?

Nós, da Corregedoria e do Conselho, afastamos inúmeros juízes em sindicância. Afastamos definitivamente em processos disciplinares, inclusive um ministro do Superior Tribunal de Justiça (Paulo Medina) num processo em que fui relator. Todo processo contra juiz é um processo demorado, permite a ampla defesa. Começa com uma sindicância. Nessa sindicância são ouvidas testemunhas, feitas perícias, tem que fazer reconstrução de toda a carreira do juiz, das decisões do juiz que geraram desconforto administrativo para as partes, para só depois chegar a uma conclusão com fatos concretos. Vários foram afastados, vários foram punidos e tantos outros estão em tramitação no Conselho Nacional e na Corregedoria e, certamente, gerarão sindicâncias e processos disciplinares.

O senhor poderia nos dizer quais os casos que considerou mais graves neste período?

Tivemos casos emblemáticos. Um deles foi o julgamento de uma reclamação disciplinar contra um ministro do STJ.

Paulo Medina?

Paulo Medina, que foi afastado. Foi punido com aposentadoria compulsória, que é a punição mais grave na Lei Orgânica na Magistratura. Afastamos ainda em fase de sindicância o corregedor geral de Justiça do Rio de Janeiro. Afastamos o corregedor em exercício do Tribunal de Justiça do Amazonas. Afastamos em processo administrativos disciplinares sete dos nove juízes que atuam nas varas cíveis de São Luís do Maranhão. Todos eles com antecipações de tutela, ou medidas cautelares, ou liminares, liberando altas somas que se originaram de pequenas ações de indenização por dano moral e que passavam de R$ 5 mil a R$ 15 milhões. Nós tivemos a extinção do Ipraj em Salvador, aquela autarquia que administrava financeiramente o Judiciário da Bahia.

A sociedade tem uma expectativa muito grande sobre o juiz. O juiz projeta uma imagem de quase santo. Por que um juiz se corrompe?

Eu disse uma cer ta vez, numa entrevista, que o Judiciário, a exemplo de outros poderes, não está blindado contra a corrupção. O que ocorre no Judiciário, esses casos pontuais, é o que ocorre em outros poderes. É a sensação de impunidade, a onipotência e a tentativa de obter proveito daquilo que é mais sagrado, a prestação jurisdicional. Ou seja, o juiz deve ter uma conduta muito mais austera do que qualquer outro cidadão. Porque ele, em suma, julga questões relativas à vida, à liberdade e ao patrimônio das pessoas. Mas essa não é uma corrupção generalizada. É uma corrupção localizada.

Alguns dizem que a corrupção aparece mais no Executivo e no Legislativo porque são mais transparentes. E aparece menos no Judiciário porque é um poder menos transparente. O senhor acha que o grau de corrupção no Judiciário está no mesmo nível dos outros poderes?

Se formos comparar com os outros poderes, a corrupção no Judiciário é muito menor, muito mais localizada. Agora, a transparência do Judiciário hoje está se dando pela atuação firme no CNJ e, em especial, da Corregedoria. Hoje nós temos os portais do Siafi do Judiciário, onde estão todos os casos, os cargos de confiança, os salários pagos, o número de processos por juízes, as decisões que são feitas.

Nos últimos anos, surgiram vários casos de corrupção em todas as esferas de poder. O que está acontecendo: a corrupção aumentou ou as instituições estão funcionando melhor?

Acho que são os dois fatores. Primeiro houve maior transparência na investigação, no processamento e na punição dessas pessoas que praticaram atos de corrupção. Isso é um fator determinante de maior visibilidade, de maior consciência da população e de maior divulgação pela própria imprensa. Agora, eu também acho que, ao lado disso, faticamente aumentou a corrupção pela terrível sensação de impunidade das pessoas que praticam esses atos.

TCU vai investigar contrato superfaturado nos Correios

O ESTADO DE S. PAULO, 11 de outubro de 2010


O contrato superfaturado pelos Correios em R$ 2,8 milhões para favorecer a Total Linhas Aéreas, revelado ontem pelo Estado, será investigado pelo Tribunal de Contas da União. O procurador Marinus Marsico, representante do Ministério Público no tribunal, defendeu a anulação dessa licitação, formalizada em setembro mesmo depois que o vencedor apresentou proposta acima do preço máximo previsto. O processo foi aprovado pelo presidente da estatal, David José de Matos, nomeado pela então ministra Erenice Guerra (Casa Civil). Matos negou haver irregularidade e disse que variações no preço máximo são comuns. Para o procurador, porém, o valor acima do estimado deveria resultar no fracasso da licitação, e não na contratação.

Acordo firmado por diretoria nomeada por ex-ministra da Casa Civil será investigado pelo TCU

O contrato superfaturado pelos Correios em R$ 2,8 milhões para favorecer a Total Linhas Aéreas será investigado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). O procurador Marinus Marsico, representante do Ministério Público no tribunal, defendeu no domingo, 10, a anulação dessa licitação, aprovada em setembro pelo presidente da estatal, David José de Matos, e sua diretoria.

"O valor acima do estimado deveria resultar no fracasso da licitação, e não na contratação", afirmou. O procurador anunciou que pedirá toda documentação do processo de contratação da empresa. "Vamos requerer mais essa documentação, juntá-la às que já recebemos dos Correios sobre outras contratações recentes e investigar todas em conjunto da maneira mais aprofundada possível", disse.

O Estado revelou no domingo detalhes da operação que levou à contratação direcionada da Total por R$ 44,3 milhões, um preço R$ 2,8 milhões acima do estipulado pelos próprios Correios em junho. Documentos obtidos pela reportagem mostram que a nova direção da estatal, nomeada pela então ministra-chefe da Casa Civil, Erenice Guerra, manobrou para ressuscitar, em agosto, uma licitação que havia sido cancelada três meses antes pelo comando demitido do órgão. Somente a Total participou da concorrência. "O fato mais sério desses eventos é a aparente restrição à competição. Será que no Brasil só existe a empresa contratada interessada no serviço?", questionou o procurador do TCU.

O presidente Davi de Matos e seus diretores aprovaram no dia 15 de setembro, um dia antes da demissão de Erenice, a contratação da Total. O contrato foi publicado no Diário Oficial da União de 4 de outubro, um dia depois do primeiro turno eleitoral. A Total vai transportar cargas no trecho Fortaleza-Salvador-São Paulo-Belo Horizonte.

O procurador do TCU ainda questionou a eliminação da Rio Linhas Aéreas do pregão realizado em 19 de agosto. A empresa chegou a fazer uma proposta inicial, mas foi excluída da disputa após uma "pane" no sistema eletrônico da concorrência. "Qual a razão de não insistir também com a outra empresa que, declaradamente, não participou do certame por motivos meramente circunstanciais?", rebateu Marinus.

Processo - Tudo começou no dia 2 de junho, quando um pregão foi feito pelo preço limite de R$ 41,5 milhões. A Total entrou sozinha e ofereceu R$ 47 milhões. A proposta foi recusada pela antiga direção dos Correios. Para conseguir o contrato de R$ 44,3 milhões, na licitação de agosto, a Total contou com o apoio do coronel Eduardo Artur Rodrigues Silva, então nomeado diretor de Operações. O coronel foi procurado pelos donos da Total para tentar reverter juridicamente o pregão revogado em junho. O objetivo, naquele momento, era tentar transformar a Total e a MTA, empresas de carga aérea, no embrião da unidade de logística que o governo pretende criar em 2011 - uma sociedade mista entre governo e empresas privadas avaliada em US$ 400 milhões.

Uma nova licitação ocorreu no dia 19 de agosto. Dessa vez, os Correios subiram de R$ 41,5 milhões para R$ 42 milhões o preço máximo para contratação. Mais uma vez, só a Total participou dos lances. Deu o preço de R$ 44,3 milhões e avisou que não poderia mais reduzir o valor, apesar dos alertas do pregoeiro. O caso foi parar nas mãos do coronel Artur, que ordenou a contratação da Total "em decorrência da variação normal de mercado e desde que haja interesse público". O parecer do ex-diretor foi submetido em 15 de setembro ao comando dos Correios. O presidente David José de Matos dirigiu a reunião que aprovou a contratação da Total por R$ 44,3 milhões, vigorando por 12 meses.

No dia seguinte, Erenice Guerra pediria demissão da chefia da Casa Civil, em meio ao escândalo envolvendo assessores e parentes dentro do governo. O coronel Artur demitiu-se no dia 19 de setembro, depois de o Estado revelar que era testa de ferro de um empresário argentino na MTA, outra empresa contratada pelos Correios e personagem da queda de Erenice Guerra da Casa Civil. Um filho de Erenice, Israel, fez lobby e cobrou propina para ajudar a MTA.

Política e valores

O ESTADO DE S. PAULO, Denis Lerrer Rosenfield, 11 de outubro de 2010


Independentemente do resultado final das eleições, cabe destacar dois fatos da maior importância: a existência do segundo turno e a reconfiguração da relação entre política e valores encarnada na expressiva votação de Marina Silva.

Lula e o PT foram vítimas da soberba. Acreditaram, com orgulho desmedido, que poderiam vencer as eleições em primeiro turno por mero ato de uma vontade que não precisava reconhecer limites éticos nem mesmo institucionais. O presidente, em particular nas últimas semanas, lançou-se desenfreadamente numa tentativa de eleger a sua escolhida, com total menosprezo a qualquer valor. Só contava o seu poder. Assim, tivemos expressões do tipo "sou a opinião pública", num contexto de ataque à liberdade de imprensa e aos meios de comunicação. Foi o momento subsequente às quebras do sigilo fiscal na Receita Federal de personalidades tucanas e de familiares do candidato José Serra em meio às denúncias de tráfico de influência da ex-ministra Erenice Guerra e familiares. Este último episódio tinha - como se mostrou posteriormente - um potencial explosivo por envolver uma pessoa sem personalidade própria, sendo uma mera criatura de Dilma Rousseff.

Esses dois episódios expõem uma falta de adesão a valores do atual governo, no primeiro mostrando completo desprezo pelos direitos individuais mediante a invasão da privacidade de cidadãos, o segundo exibindo o total descaso com a moralidade pública. São episódios que apresentam uma forma crua de fazer política, como se só contasse a conquista do poder, não entrando em pauta nenhuma consideração de ordem ética. O que fez o presidente? Partiu para matar o mensageiro, ou seja, os órgãos de comunicação e de imprensa que revelaram o escândalo. A inversão foi total. O problema não residia na invasão da privacidade e na falta de moralidade pública, mas nas ações que o revelaram!

Marina foi a única entre os três candidatos que soube recolocar a questão nos seus verdadeiros termos. Enquanto seus adversários se contentavam em mostrar obras, disputando pela competência gerencial, a candidata verde adotou outra via, a de mostrar que política se faz com princípios e valores. Não pretendo entrar no mérito de quais são esses princípios e valores, que podem ser, evidentemente, objeto de disputa, mas mostrar o seu comprometimento com valores, quaisquer que sejam eles. Ou seja, ela colocou o dedo na ferida: política não é apenas administração de obras, mas comprometimento com valores, com discursos de esperança eticamente válidos.

Sua atuação se fez em torno de três grandes eixos valorativos: 1) a moralidade pública; 2) os valores morais, religiosos; e c) a defesa da natureza. Seu conceito-chave foi "conservação". Conservação da moralidade pública, conservação da vida e conservação da natureza. Sob essa ótica, pode-se dizer que ela é uma "conservadora", para além das contraposições entre "direita" e "esquerda", quaisquer que sejam os seus significados.

A moralidade pública foi claramente pisoteada nestes oito anos de governo Lula, permeado por uma série de escândalos, todos caracterizados pela impunidade. Até palavras carinhosas foram utilizadas para acobertar ações criminosas, como nomear os seus autores de "aloprados". Os "companheiros" envolvidos foram preservados, numa lei do silêncio que foi a regra, mostrando cumplicidade e conivência. A disparidade ético-política foi total, pois o governo petista se colocou em clara contradição com a bandeira-mor do PT oposicionista, a ética na política. O Erenicegate recolocou na ordem do dia a moralidade pública em função de todo esse histórico, atualizado numa pessoa de confiança de Dilma. Num dos debates, Marina enfrentou publicamente esse problema, enquanto Serra sobre ele fez silêncio na ocasião.

A questão do aborto, que tanto mobilizou os setores mais conservadores da Igreja Católica e das igrejas evangélicas, exibiu também o seu comprometimento com valores morais. Não podemos esquecer que a opinião pública não se faz somente pela televisão, pelo rádio, por jornais e revistas, mas também pelo que é transmitido dentro dos recintos e espaços religiosos, por padres e pastores. Numa vida pública que expõe a falta de valores e o pouco apreço pela vida privada e pela família, a candidata verde soube galvanizar em torno de si valores morais e religiosos. Pode-se discordar deles, porém não pôr em questão a sua autenticidade.

O PT, por sua vez, foi de uma superficialidade completa a esse respeito, pois em seu PNDH-3 defendeu claramente o aborto, como se fosse uma questão já resolvida, que careceria apenas de encaminhamento legislativo. Dilma foi na mesma linha, embora tenha, no último momento, recuado diante do prejuízo eleitoral. A questão dela foi eleitoral, e não moral, religiosa, o que Marina soube capitalizar.

Discorde-se ou não das posições de Marina Silva quanto ao que entende por defesa da natureza, forçoso é reconhecer que ela soube erguer essa bandeira e sustentá-la publicamente. Embora sua atuação ministerial se tenha pautado por tentativas de inviabilizar a pesquisa de transgênicos na CTNbio e de dificultar ao extremo a construção de hidrelétricas, num país ávido por valores e princípios, ela soube se forjar uma figura política, ética. Defensora da conservação de florestas, em particular da Amazônia, ela introduziu um lema que permeou a opinião pública urbana. Apresentou uma adesão a princípios que contrastou fortemente com seus opositores.

Sua agenda política destoou das demais, preenchendo um vácuo da vida pública nacional, em que os valores morais pareciam ter desertado por conveniências eleitorais. Recuperou uma dimensão recentemente esquecida da política entre nós.

Eis por que também dificilmente assumirá compromissos eleitorais com Serra ou Dilma, pois esse tipo de capital não pode ser transferido.

Tiririca, populismo e despolitização

O ESTADO DE S. PAULO, A. P. Quartim de Moraes, 11 de outubro de 2010


O desempenho eleitoral de Francisco Everardo Oliveira Silva, mais conhecido como o palhaço Tiririca, tem sido avaliado com certa indulgência por analistas e cientistas políticos. Seria apenas uma "manifestação de protesto" do eleitorado. Muitos desses analistas chegam a lembrar, numa comparação só aparentemente pertinente, que em São Paulo mesmo, nos anos 50, o rinoceronte Cacareco obteve votação maciça para vereador.

Manifestação de protesto, especialmente numa eleição, é ato eminentemente político. Pressupõe consciência da adequação do meio ao fim que se pretende alcançar. O que pode existir de político no ato de votar num candidato que assumidamente não tem a menor ideia do que sua investidura poderá significar? Numa pessoa visivelmente manipulada por dirigentes partidários espertalhões? Pode ser muito engraçado eleger um palhaço para esculhambar um Poder da República que cada vez menos se dá ele próprio ao respeito. Mas não é nada engraçado verificar que palhaçadas acabam resultando quase sempre em decisões parlamentares que pouco ou nada têm que ver com os verdadeiros interesses dos eleitores. Quando, nos anos 50, dezenas de milhares de votos foram dados ao Cacareco, o pior que aconteceu foi o desperdício desses votos, obviamente, anulados. Agora, a enorme votação do Tiririca acabou elegendo pelo menos mais três deputados da mesma coligação que por si sós não teriam chegado lá.

Não é impossível, claro, embora não pareça provável, que o futuro deputado em questão venha a revelar verdadeiro espírito público e se transformar em valoroso representante do povo. Mas o fato é que o voto em Tiririca nada teve que ver com protesto. De consciente pode ter tido, no máximo, a intenção do deboche. No resto, é pura despolitização, falta de informação, ignorância. É um tiro que o eleitor alienado deu no próprio pé.

Esse fenômeno é exemplar da grave despolitização que se alastra pelo País desde o advento do populismo lulista no poder. Como nosso presidente tem origem humilde e está blindado pela cultuada imagem de "homem do povo", torna-se quase impossível criticá-lo sem cometer grave ofensa ao povo. Convém começar, portanto, pelos elogios: o governo Lula, sem a menor sombra de dúvida, tem feito o País andar para a frente, tornar-se melhor, no sentido de mais próspero, durante os oito anos de seus dois mandatos. Para citar duas realizações mais relevantes, entre si fortemente relacionadas: a aceleração do desenvolvimento econômico, unanimemente confirmada por todos os indicadores disponíveis e, até mais importante, consequência da anterior, a incorporação de muitos milhões de brasileiros antes marginalizados ao mercado de consumo. Há, portanto, muito menos gente passando fome e muito mais desfrutando os benefícios do progresso no Brasil de hoje. É claro que isso tudo é o resultado de um trabalho que começou muito antes de Lula se tornar presidente - a tal "herança maldita" -, mas é inegável seu grande empenho e seu êxito na aceleração e no aprofundamento dessas realizações. Por esses feitos meritórios o Brasil e este escriba rendem justa homenagem à ilustre figura.

Mas o que não conseguem enxergar os adoradores de Lula encharcados do mais piedoso sentimento de amor aos pobres - com os cínicos e oportunistas nem adianta argumentar - é que indicadores econômicos positivos estão longe de ser suficientes para demonstrar desenvolvimento pleno, econômico e social. Tão importante quanto dar de comer a quem tem fome é criar condições para que o faminto tome consciência de que tem o direito não apenas de receber a benesse de um prato de comida, mas de obter o próximo prato por seus próprios meios, como exige sua dignidade de ser humano. Essa é a verdadeira conquista social, porque dela o homem é sujeito, não mero objeto, como não se cansava de repetir o mestre Franco Montoro. Esse é o verdadeiro progresso. O resto é assistencialismo inconsequente ou, pior, oportunista.

Consciência cívica se adquire não apenas pela educação - que mesmo no Brasil mais desenvolvido continua sendo um enorme problema -, mas também pelo exemplo que vem de cima. E é aí que a coisa pega. É aí que o governo Lula significa despolitização, retrocesso. Pois se o próprio presidente se acha no direito de desmoralizar as principais instituições republicanas ao tentar subjugar o Congresso Nacional e o Poder Judiciário, aparelhar partidariamente o Estado, ridicularizar a Justiça Eleitoral, tentar desmoralizar os tribunais de contas, ameaçar partidos oposicionistas de "dizimação", tratar com absoluta indulgência os companheiros notoriamente envolvidos em corrupção, atacar a imprensa porque denuncia essa corrupção, enfim, se o presidente pode - para usar um termo que ele aprecia - avacalhar tudo e todos os que o contrariam, por que não poderia o palhaço Tiririca avacalhar uma eleição se apresentando como "abestado" e fazendo piada com o exercício democrático do voto? Exemplos frutificam.

Civismo, princípios éticos, temperança, compostura por parte das autoridades - principalmente da mais alta de todas - não são "valores pequeno-burgueses" irrelevantes diante do enorme desafio de "governar para o povo". Governos não são abstrações, aparatos impessoais e ascéticos. Governos são os homens que o os dirigem. É a formação desses homens, seus valores, que qualifica os governos. Sem eles não existe verdadeiro desenvolvimento.

Certamente considerações dessa natureza, com todo o respeito humano que lhe é devido, são demais para a cabeça do campeão de votos Tiririca. Mas agora ele será governo, e também como tal deve ser respeitado. E os incomodados que afoguem o inevitável desalento no aforismo cínico de que cada povo tem o governo que merece.