domingo, 6 de setembro de 2009

Gripe A: o perigo do contágio transformando a vida nas cidades basileiras

Surgida há menos de seis meses no México, a Gripe A é hoje uma das maiores preocupações da saúde pública no Brasil, atualmente o país com o maior número de mortes no mundo.
A ameaça do contágio já mudou a vida nas cidades brasileiras


INSTITUTO AME CIDADE, 6 de setembro de 2009

A Secretaria de Estado da Saúde divulgará nesta segunda-feira mais um boletim epidemiológico sobre a Gripe A (H1N1), conhecida também como gripe suína. O último boletim, divulgado na sexta-feira passada,informou que o Paraná já teve 209 mortes provocadas pela doença.

As mortes ocorreram entre os dias 14 de julho e 02 de setembro. Dos óbitos, 55% eram mulheres e 45%, homens. Quanto à faixa etária, 63,2% das mortes ocorreram em pessoas que tinham entre 20 e 49 anos, e 19,6% entre 50 e 59 anos.

A Secretaria confirmou também a ocorrência de 6.511 casos da nova gripe no Estado, sendo 337gestantes. Outros 2.268 casos suspeitos foram negativos para influenza A (H1N1).

A gripe A provocou fortes mudanças de hábitos nas cidades brasileiras, visando evitar o contágio. Pessoas passaram a usar máscaras cirúrgicas nas ruas, bancos buscaram evitar aglomerações dentro das agências e até fechamento do comércio ocorreu em algumas cidades. Todas essas ações foram tomadas com o intuito de proteger a população de uma doença que causa muito medo. Muitas das medidas utilizadas, porém, foram feitas sem embasamento técnico.

O Jornal Gazeta do Povo publica em sua edição deste domingo uma reportagem sobre este alvoroço urbano e as disputas judiciais em torno de tais procedimentos. Leia abaixo.

Aproveite para ler também uma das primeiras reportagens publicadas no Brasil sobre a Gripe A, quando ela ainda não havia atingido o Brasil e era uma doença misteriosa que atingia mais os mexicanos, mas já começava a preocupar o mundo. Na época, o México ocupava o lugar em que hoje está o Brasil: o país com o maior número de mortos pela nova gripe. A reportagem foi enviada pela Agência Reuters e publicada em abril desse ano no site G1, da Rede Globo. Leia em nossos arquivos, clicando aqui.


Gripe A (H1N1), uma questão de Justiça

GAZETA DO POVO, 6 de setembro de 2009

Na tentativa de proteger a população, foram várias
as medidas judiciais. Nem todas com embasamento técnico


A gripe A (H1N1), que já matou 209 pessoas no Paraná, mobiliza não apenas a classe médica, mas também o Judiciário. Desde o início da pandemia no estado, em julho, foram várias as medidas, desde o fechamento do comércio até o uso de máscaras em estádio de futebol. Algumas decisões seguiram orientações técnicas, como o afastamento das gestantes do trabalho e a liberação do Tamiflu mediante prescrição médica. Outras, no entanto, colocaram promotores e juízes em lados opostos a médicos e gestores de saúde. Todas elas, porém, tiveram o intuito de proteger a população.

A cidade de Cascavel, no Oeste do Paraná, foi palco das decisões judiciais de maior repercussão. A primeira foi uma liminar que determinou a distribuição de cerca de 20 mil máscaras para os torcedores que foram assistir ao jogo entre Coritiba e Santos pelo Campeonato Brasileiro, no dia 5 de agosto. A liminar foi em resposta a uma ação do Ministério Público, que pretendia cancelar o jogo ou realizar a partida com portões fechados ao público. A Justiça determinou, então, que fossem distribuídas máscaras e os custos de R$ 6.533 ficaram para o Coritiba.

As imagens dos torcedores com máscaras foram divulgadas nacionalmente. O secretário de Estado da Saúde, Gilberto Martin, criticou a decisão e considerou a medida inócua. Martin afirmou que a decisão fez Cascavel virar “chacota nacional”.

O pneumologista Júlio César Mendes de Oliveira também considerou desnecessário o uso de máscara no estádio, mas acredita que foi algo que não fez mal a ninguém. “Eu mesmo fui ao estádio com a família, me deram uma máscara e eu usei”, conta. Ele diz que, mesmo sem embasamento técnico, a intenção da Justiça foi proteger a população. “Acho que houve um exagero, mas não trouxe nenhum fator negativo, nem mesmo gasto de dinheiro público.”

Outra decisão polêmica na cidade foi o fechamento de locais de aglomeração de pessoas. A medida afetou diretamente igrejas, shoppings, cinemas, bares e casas noturnas. Logo após o fechamento, a Justiça Federal anulou as ações do Comitê de Enfrentamento à Gripe A, formado por vários órgãos ligados ao setor de saúde e que havia decidido suspender as atividades. A Justiça também sentenciou que o vazio sanitário não cumpriria com as funções, já que a medida não atingia alguns locais considerados de aglomeração, como os ônibus.

Curitiba
Na capital, o Ministério Público do Trabalho também solicitou o fechamento de bancos, shoppings e supermercados por três dias. A Justiça do Trabalho, no entanto, não acatou os pedidos. Os juízes alegaram que a medida seria excessiva, conforme avaliação dos órgãos de Saúde competentes. No caso dos bancos, entretanto, ficou determinado que as agências limitassem o número de clientes no seu interior. Posteriormente, alguns bancos conseguiram decisão favorável para não seguir a determinação.

O médico José Luiz Andrade Neto, vice-presidente da Associação Paranaense de In­­fectologia, considerou que a decisão dos juízes foi correta. O infectologista explicou, na época, que o fechamento poderia ser necessário no futuro, dependendo de como a pandemia avançasse, mas não naquele momento.

As solicitações foram feitas pela procuradora Margareth Matos de Carvalho, sob a alegação de que os trabalhadores de bancos, supermercados e shoppings estavam mais expostos a aglomerações, o que aumentava os riscos de contágio. O pedido foi feito na véspera do Dia dos Pais. Segundo ela, nesse período havia maior fluxo de pessoas nos estabelecimentos. “O que a gente tentou fazer foi que diminuísse o número de casos da doença e tentar evitar mortes”, diz Margareth.

A procuradora afirma que o pedido de fechamento foi embasado em documentos do Ministério da Saúde, da Secretaria de Estado da Saúde, das comissões municipais de saúde e da Organização Mundial da Saúde. Segundo Margareth, como a nova gripe irá continuar atingindo a população nos próximos anos, os seus pedidos de que se evitem aglomerações serão retomados. “Não vou esperar chegar ano que vem.”

Para o infectologista Jaime Rocha, a Justiça participou ativamente das discussões sobre a nova gripe, o que, segundo ele, não acontece com outros assuntos, como drogas e violência. Ele aponta que o Judiciário tomava as decisões, os gestores da saúde “não diziam isso ou aquilo” e as decisões ficavam sem embasamento técnico. “A velocidade de resposta da Justiça foi mais rápida do que a resposta da medicina.”

Desconhecido
O procurador de Saúde Pública do Ministério Público do Paraná, Marco Antonio Teixeira, afirma que a gripe A é uma situação nova tanto para os médicos quanto para a Justiça. “A gente também está aprendendo a lidar com a situação da pandemia.” Teixeira explica que a doença não é um problema jurídico e que o primeiro enfrentamento é da área da saúde. Dessa forma, a Justiça ficaria na segunda linha, trabalhando com os subsídios técnicos. “Uma coisa importante é que tenhamos um discurso sanitário consistente no sentido de não deixar a população com dúvidas”, afirma.

Segundo o procurador, é desnecessário criar um processo de judicialização da gripe. De acordo com Teixeira, o Judiciário deve ser procurado quando a área da saúde não atuar de forma adequada.

Período integral na escola tira crianças da violência

REVISTA VEJA, Semana até 9 de setembro

Ao ampliar o turno de escolas encravadas em favelas cariocas,
programa da prefeitura dá nova perspectiva a crianças que
ficavam ociosas e expostas à criminalidade


Há tempos tornou-se um lugar-comum dizer que, na ausência do estado, o tráfico de drogas se transformou num poder paralelo nas favelas cariocas. Entre os muitos males dessa situação, talvez o mais terrível seja o contínuo aliciamento de crianças para o crime. Pois acaba de ser lançado pela prefeitura do Rio de Janeiro um programa que promete oferecer a essas mesmas crianças novas perspectivas de vida, afastando-as de um cotidiano violento. Nesse programa, a educação é o "poder paralelo". O Escolas do Amanhã abrange 73 favelas, 150 escolas, 108 000 alunos. Um de seus pilares é a adoção do turno integral, que mantém as crianças no colégio por sete horas e meia - quase o dobro do turno normal. Não se trata da primeira iniciativa que amplia a jornada de estudos em escolas brasileiras. Tampouco é a primeira vez que isso ocorre numa favela. Mas o Escolas do Amanhã também se destaca por sua ênfase na qualidade de ensino. Em outras palavras, sua filosofia é a de que não basta manter os alunos dentro dos muros do colégio - é preciso ensiná-los de maneira efetiva. Assim, cursos adicionais como xadrez, música, dança e mecânica serão ministrados nas horas extras - sempre que possível, estabelecendo ligações com o currículo regular. Mais importante, contudo, é o fato de que, no novo turno, os estudantes passarão a receber reforço escolar, emergencial num contexto em que muitos não sabem sequer ler. E ainda serão supervisionados, sempre que necessário, na lição de casa. "Num ambiente tão adverso, todo o esforço é para fazer com que as crianças gostem da escola e não abandonem os estudos - uma tentação permanente", diz a secretária de Educação, Claudia Costin.

Logo de saída, o programa promoveu avanços consideráveis na rotina de crianças como Lorrayne Pereira, 11 anos, e Jennifer Peixoto, 13, ambas moradoras da favela Cidade de Deus. O que elas costumavam fazer no tempo livre? "Via muita televisão", conta Lorrayne. "Ficava perambulando por aí. Quando ouvia barulho de tiro, voltava correndo para casa", completa Jennifer, que passou a preencher seu tempo de forma bem mais produtiva. Sem um adulto por perto, nenhum estímulo para os estudos e sob pressão para ganhar dinheiro, muitas dessas crianças ingressam precocemente no mercado de trabalho, quando não no tráfico de drogas da favela onde moram. Não dá para esperar que um programa desse tipo se encarregue de eliminar problemas tão enraizados na própria pobreza. A experiência mostra, porém, que sempre que se dão a essas crianças alternativas para que façam bom uso do tempo ocioso os índices de evasão escolar despencam. Avalia o economista Claudio de Moura Castro, articulista de VEJA e especialista em educação: "Projetos como esse, implantados em áreas de violência, ajudam a manter as crianças na sala de aula, o que já é um grande mérito".

Mais difícil é fazê-las aprender. Em muitas das escolas brasileiras que adotaram o período integral, o resultado foi pífio. Ocorreu, por exemplo, com os Cieps, espalhados no estado do Rio de Janeiro nas décadas de 80 e 90, e com outras escolas de princípio idêntico, só com nome diferente. Caso dos Ciacs, da era Collor, e dos Ceus, estes plantados mais recentemente em São Paulo pela ex-prefeita Marta Suplicy. Apesar do turno integral, nenhum deles brilhou no campo acadêmico. "Faltou um projeto pedagógico", diz a especialista Maria Helena Guimarães. "Só um bom colégio, afinal, consegue potencializar os efeitos do período integral." Ultraequipadas para absorver os alunos o dia inteiro, tais escolas são ainda difíceis de manter, já que seus custos fixos chegam a dez vezes os de um colégio comum. Por isso, a grande maioria dos Cieps retrocedeu ao velho modelo do ensino de um turno só, de modo a conseguir, pelo menos, receber mais estudantes. Nesse ponto, o atual programa do Rio leva vantagem. Ele não prevê prédios novos nem grandes instalações. Já está provado que nada disso tem impacto relevante no ensino.

A preocupação em estender o período de aulas, no entanto, deve ser mantida. No mundo inteiro, os brasileiros estão entre os que permanecem menos tempo na escola. Segundo dados da OCDE (organização que reúne os países mais ricos), eles têm cerca de metade das aulas de matemática de um aluno nos Estados Unidos ou na Coreia do Sul. Uma pesquisa do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas chama atenção para os benefícios que um eventual turno de cinco horas (no lugar do de quatro, como é mais comum no Brasil) traria para o ensino. Um exercício matemático com base na própria experiência brasileira mostra que isso, por si só, faria a média das escolas no Ideb - o indicador do Ministério da Educação - subir algo como 16%. É relevante. Qualquer pequeno acréscimo na nota (hoje em 4,2 numa escala de zero a 10) é dificílimo de ser alcançado. Parte-se do pressuposto de que, ao elevar o tempo na sala de aula, também estarão sendo proporcionadas aos estudantes novas oportunidades para que avancem. É o que já está acontecendo em escolas como a Professor Affonso Várzea, encravada no Complexo do Alemão, lugar dos mais violentos no Rio de Janeiro. Ali, numa aula de culinária, crianças de seus 10 anos aprendem a fazer conta multiplicando e reduzindo os ingredientes de uma receita de pizza. Diz Stefany Barreto, aluna da 3ª série do ensino fundamental: "Nunca tive tanta vontade de ir à escola". É um excelente começo.

Jogo embaralhado

OPINIÃO
JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI,
Folha de S. Paulo, 6 de setembro de 2009

Como Collor e Jânio Quadros, Marina Silva encarna figura salvadora em um cenário político degradado, mas sua "doce" presença terá efeitos mais promissores, defende José Arthur Giannotti


A senadora Marina Silva abandona o PT, inscreve-se no Partido Verde e se prepara para lançar-se como candidata à Presidência da República. De repente, todo o jogo político anterior, que tendia a se polarizar entre dois candidatos, se embaralha e se torna mais imprevisível. O que está acontecendo?

Antes explico meu vocabulário. Em geral não uso o conceito de sistema político porque me parece muito abstrato, pois capta antes de tudo a estrutura das regras de um processo mais rico. Prefiro aquele de jogo, não no sentido da teoria dos jogos porque, assim fazendo, cairia nas mesmas armadilhas armadas pelo conceito de sistema. Mas tomo "jogo" para descrever um processo real, como se fosse uma partida de futebol. O sistema demarca as regras; a partida, o curso das interações sociais; os times e partidos, os grupos socializados.

Posso então dizer que o jogo político brasileiro endoideceu, deixando de cumprir as tarefas que lhe correspondem em uma sociedade moderna: representar interesses dos vários grupos sociais, encená-los em um palco a ser visto e corrigido pela opinião pública, sempre com o intuito de reforçar e projetar um ideal de nação.

Note-se que a implosão do jogo pode muito bem não corresponder à destruição do sistema. Desse último ponto de vista, as regras da política democrática continuam sendo seguidas e os partidos têm mantido os desempenhos esperados. Mas cada partida é um desastre, os atores comem bola, revelam-se fantoches a mando de caciques debochados. Qual é a qualidade de nossa democracia?
Seria longo demais fazer a análise e a história desse derretimento. Mas me parece evidente que uma das causas foi a vinda do PT para o centro político e o pragmatismo cada vez mais descarado do lulo-petismo. De modo nenhum estou isentando as oposições da responsabilidade pelo desastre, apenas lembro que a ponta de lança da confusão se formou quando o PT de Lula, nas pistas do PSDB, aderiu a uma social-democracia de cunho "neoliberal", bebeu até a última gota do cálice das alianças envenenadas -se a política é essa sujeira, então não há como não aderir a ela, dizem eles- e se entregou a tal ponto às práticas tradicionais que ressuscita os velhos coronéis da política brasileira.

Luta política

É de esperar que, numa situação de anomia, surja uma força nova, capaz de refazer o sentido das jogadas. A disputa eleitoral já está nas ruas e caminhava para um duelo entre situação e oposição, cada parte fazendo todo o possível para aparentar o que de fato não é.

De repente surge "santa" Marina. O que isso significa? Costuma-se dizer que o poder corrompe. Isso tem muito de verdade, pois reside na essência da ação política. Se no início esta é quase sempre estimulada por ideais moralmente impecáveis, ela se degrada ao longo de seu exercício. Isso sobretudo porque se faz por meio de alianças que tanto aglutinam vários atores em vista de certos ideais como estabelecem uma divisão entre aliados e adversários.

Pouco importa se ambas as partes formulam esses ideais pelas mesmas palavras, as práticas emprestam a elas sentidos diferentes, à medida que ações, manipulando os fundos públicos e orientando o exercício da violência legítima, constroem forças coletivas que sempre encobrem uma diferença larvar.

Procurando conciliar, a ação política separa aliados e adversários. A decisão por maioria apenas posterga, ou transfere para outro plano, diferenças que se mantêm conforme vão sendo reformuladas. A luta pelo poder junta e divide.

Ora, nos últimos tempos, essa luta tanto se embaralhou que as ações e os próprios atores políticos estão progressivamente perdendo suas identidades. O termômetro é o presidente Lula, cujas falas e práticas contraditórias se espalham por todas as direções.

Renovação possível

Nessa situação de derretimento das ações instituintes, se espera que se levante um novo ideário. Já tenho idade para ter assistido a várias dessas irrupções salvadoras e moralizadoras: Jânio, Collor... Qual seria o conselheiro da vez? Temia um novo ator truculento, feroz demagogo querendo nos curar a ferro e a fogo.

Mas veio a doce Marina Silva. Sua presença já promete uma renovação possível, pode tornar mais higiênico nosso jogo político. Não me parece, até agora, que possa vencer a eleição para a Presidência, mas simplesmente sua atuação mobiliza novos atores, eleva o debate político, tende a reduzir os golpes baixos e a demarcar regras e personagens.

Se fizer uma campanha de alto nível e inovadora, coloca de vez a problemática do desenvolvimento sustentável na agenda de qualquer governo que resulte da próxima eleição.

E pode levantar a pergunta básica: que desenvolvimento queremos ter? Mas que ela não caia no abismo que a espreita: uma campanha altamente centrada nos problemas da moralidade pública desemboca, como já sabemos, na politicalha da sujeira.