sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Corregedora nacional de Justiça não cede à pressões e alerta sobre corrupção no Judiciário: "estou vendo a serpente nascer"

INSTITUTO AME CIDADE, 13 de janeiro de 2012


Nesta semana a corregedora nacional da Justiça, Eliana Calmon, deu uma resposta aos que fazem pressão para diminuir o poder do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na fiscalização ao Judiciário brasileiro. A corregedora, que também é ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ), vem sendo alvo de seguidos ataques nos últimos meses, em razão de sua defesa firme da transparência na atividade dos juízes e de poder de fiscalização para O CNJ.

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, a corregedora sintetizou suas preocupações com uma frase que define muito bem o risco que pesa sobre a Justiça nesses tempos de avassalador domínio da corrupção sobre a vida pública: "Eu estou vendo a serpente nascer, não posso me calar".

O trabalho da corregedora vem sendo atacado de forma agressiva, desde que a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) entrou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro de 2010 para limitar os poderes do conselho. O julgamento está previsto para breve. E existe o risco de que o STF atenda ao pedido da AMB.

No final do ano, conforme noticiamos aqui no blog do Instituto Ame Cidade, o ministro Marco Aurélio Mello, do concedeu uma liminar à AMB limitando os poderes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para investigar e punir juízes acusados de irregularidades. Foi o último ato do STF no ano, feito pelo ministro com uma pressa suspeita.

A ação da AMB é vista por muitos como uma tentativa corporativista de evitar a transparência pretendida pelo CNJ. O jurista André Fígaro acha que deve haver reversão da decisão do STF no caso da liminar ou ficará a impressão de que "Judiciário é uma caixa preta que não aceita o controle externo".

Existem especialistas que defendem que houve desvio funcional do ministro ao conceder a liminar. Como anteriormente a ação da AMB foi retirada de pauta no STF, isso demonstraria a falta da urgência que daria sentido à liminar. Mello tem conhecida posição contrária ao poder de fiscalização do CNJ. Aproveitando o tema, na terça-feira passada ele lançou pesados ataques ao CNJ em entrevista ao Roda-Viva, programa da TV Cultura que teve grande repercussão.

Mello atuou de forma sensacionalista na entrevista, conforme costuma fazer com assuntos do seu interesse político. Alegou que o CNJ “não é um super-homem” e que “o que está em jogo, a esta altura é o justiçamento”. Palavras fortes, às quais acrescentou ironia, algo que também é de seu estilo, apesar disso ser um traço muito estranho em um ministro da mais alta corte do país.

Quando foi questionado sobre a autonomia jurídica que a corregedora do CNJ tem para as decisões que toma, ele respondeu com ironia: “Ela tem autonomia? Quem sabe ela venha a substituir até o Supremo”.

Na entrevista ao Estadão, a pedido do repórter, Eliana Calmon comentou uma das afirmações de Mello, quando ele disse no Roda-Viva que ela violou preceitos constitucionais ao afastar o sigilo de 206 mil investigados de uma só vez e comparou-a a um xerife.

“Nunca houve isso, nunca houve essa história. Absolutamente impossível eu pedir uma quebra de sigilo de 206 mil pessoas. Ninguém pode achar na sua sã consciência que isso fosse possível. É até uma insanidade dizer isso”, ela disse.

A corregedora tem se queixado em outras reportagens feitas com ela sobre desinformações desse tipo que têm sido espalhadas com a aparente intenção de embaralhar o debate que se formou em torno da sua atuação no CNJ e caracterizá-la de forma negativa.

"Eles não vão conseguir me desmoralizar, isso não vão conseguir", ela falou na mesma entrevista em que alertou sobre a “serpente” que está vendo nascer com a corrupção que põe em risco a atividade do Judiciário, um problema sobre o qual ela vem alertando não é de hoje.

Em setembro de 2010, uma reportagem da revista Veja já trazia informações suas sobre a forma que se processa a corrupção entre os juízes que, segundo suas palavras, começa embaixo, e está determinando até as promoções dentro do Judiciário.

“Não é incomum um desembargador corrupto usar o juiz de primeira instância como escudo para suas ações. Ele telefona para o juiz e lhe pede uma liminar, um habeas corpus ou uma sentença. Os juízes que se sujeitam a isso são candidatos naturais a futuras promoções. Os que se negam a fazer esse tipo de coisa, os corretos, ficam onde estão”, ela disse.

Nesta reportagem da Veja, a corregedora afirmou também que na atualidade existe uma subserviência do Judiciário aos políticos. Segundo ela “para ascender na carreira, o juiz precisa dos políticos. Nos tribunais superiores, o critério é única e exclusivamente político”.

Apesar do cerrado ataque sobre ela e o CNJ, a corregedora prometeu que manterá o trabalho por um Judiciário transparente. “Eles não vão conseguir me desmoralizar, isso não vão conseguir”, ela garantiu na entrevista ao Estadão. Aos seus detratores, a ministra avisa que no Judiciário eles terão de agüentá-la ainda por alguns anos. “Eu já fui tudo o que eu tinha de ser no Poder Judiciário, cheguei ao topo da minha carreira. Eu tenho 67 anos e restam 3 anos para me aposentar”.