quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

O Brasil não é isso

INSTITUTO AME CIDADE, 24 de fevereiro de 2010


Brasília completa neste ano seu cinqüentenário. A inauguração da capital brasileira foi no dia 21 de abril de 1960 e representou à época uma esperança de avanço social para o País.

No entanto esta data redonda, tão ao gosto dos simbolismos oficiais e que deveria ser comemorada com grandes festividades, representa este ano a carga histórica de corrupção que tem minado os cofres públicos brasileiros e que faz o país patinar e muitas vezes andar para trás em áreas determinantes na construção de qualquer nação: vamos mal na saúde; nossa educação capenga em todos os níveis, do ensino básico às universidades; perdemos capacidade industrial e tecnológica, com efeitos negativos na capacitação profissional e na qualidade científica brasileira; o meio ambiente se degrada, com conseqüências destrutivas sobre grande porção da fauna e da flora brasileira e que que já começa a atingir a agricultura e a pecuária; a insegurança toma conta do país, com a ausência do Estado na proteção dos cidadãos e o domínio cada vez maior do crime organizado sobre a vida das pessoas.

Hoje Brasília não tem governante. O governador José Roberto Arruda (sem partido, ex-DEM) está preso. O vice Paulo Octávio (DEM) renunciou ao cargo ontem. Ambos são acusados de corrupção, sendo que além disso Arruda está preso por constranger testemunhas e atrapalhar investigações.

O esquema de corrupção descoberto no governo distrital de Brasília acabou sendo chamado de “Mensalão do DEM”, apelido que vem do Mensalão do governo Lula, ou “Mensalão do PT”, o esquema de suborno de parlamentares para facilitar votações governistas no Congresso Nacional. O mensalão do PT foi o maior escândalo ocorrido até hoje no País. E o fato de um partido oposicionista, o DEM, estar envolvido em outro escândalo que recebe apelido parecido serve muito bem para demonstrar que hoje a corrupção tem ramos espalhados por toda a sociedade brasileira, da oposição à situação e até em órgãos que têm o dever da vigilância e punição.

O escândalo que estragou a festa da nossa capital é apenas um elemento da enormidade de atos de corrupção que envolvem dirigentes políticos em todas as esferas públicas, afetando a economia de municípios, de estados e de todo o país e que engloba Câmaras Municipais, Prefeituras, Governos Estaduais, Assembléias Legislativas, Judiciário e o Governo Federal e o Congresso Nacional.

É lamentável que o cinqüentenário da cidade que surgiu para lançar o país em um espaço futuro de modernidade tecnológica e política tenha tal cenário. Mas também é um bom momento para que o país se aperceba que a corrupção já avançou além do suportável e começa a agredir a própria governabilidade em todas as instâncias políticas.

Esta falta de ética que enfrentamos por vezes chega a desanimar os brasileiros de bem, já que o imenso contágio da corrupção faz parecer que não há mais o que fazer quando tudo parece estar tomado pela roubalheira.

Dessa forma, até apelos contra a corrupção trazem argumentos mais pesarosos que incentivadores da consciência cívica e da honestidade. Sobre o assunto, corre sempre pela internet uma famosa frase de Rui Barbosa (1849-1923) que diz o seguinte: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.”

É uma daquelas constatações sábias de Rui Barbosa, intelectual e homem público que ocupa um espaço permanente na memória brasileira, mas não é com este pensamento que enfrentaremos a corrupção.

Todos que lemos a famosa máxima imediatamente nos identificamos com o sujeito da frase que se empenha em ser honesto, mesmo que aparentemente esta não seja exatamente a atitude mais elogiada no tempo de Rui Barbosa ou mesmo hoje em dia.

E não é à toa que acontece esta identificação. O corrupto não gosta do que vê no espelho todas as manhãs, pois a consciência coletiva jamais acolhe o mal como algo suportável. É o bem que alimenta positivamente nossa estrutura psicológica, sendo a corrupção o pior crime que pode ser cometido contra o próximo.

Nós ficamos com Rui Barbosa, mas não este Rui quase pessimista. O motivo que nos move é a consciência de que a maioria dos brasileiros trabalha com esforço e honestidade e que estes ladrões do dinheiro público são uma minoria e devem ser expelidos, condenados e presos.

O próprio Rui Barbosa dizia isto em um discurso feito no Senado Brasileiro no início do século passado e que localizamos recentemente. O discurso foi proferido em março de 1919, já no final da vida de Rui Barbosa e nele este grande homem público deixou este manifesto em prol da ética e que agora passamos para vocês.


“O Brasil não é isso! O Brasil não é sócio do clube de jogo e da pândega que se apoderaram de sua fortuna, e o querem tratar como a libertinagem trata as companheiras momentâneas de sua luxúria.

Não! O Brasil não é esse ajuntamento coletivo de criaturas taradas, sobre que possa correr, sem a menor impressão, e sopro das aspirações que nesta hora agitam a humanidade.

Não! O Brasil não é essa nacionalidade fria, deliqüescente, cadaverizada, que recebe na testa, sem estremecer, o carimbo de uma armadilha, como a messalina, recebe no braço a tatuagem do amante, como o calceta, no dorso, a flor-de-lis do verdugo.

O Brasil não aceita a cova que estão cavando os cavadores do Tesouro. Não são os comensais do erário, o Brasil. Não são os sanguessugas de riqueza pública, o Brasil; não são os compradores de jornais, o Brasil, não são os corruptores do sistema republicano, o Brasil. Não são os publicistas de aluguel. Não são os estadistas de impostura.”


Discurso de Rui Barbosa, em 20 de março de 1919