sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Herança do lernismo pauta o primeiro debate na televisão

GAZETA DO POVO, 13 de agosto de 2010

Osmar Dias e Beto Richa não tiveram a oportunidade de fazer perguntas um ao outro, mas trocaram indiretas envolvendo privatizações, MST e alianças incoerentes


A presença dos sete candidatos ao governo do Paraná no primeiro debate na televisão, transmitido ontem à noite pela Band TV, eliminou qualquer possibilidade de confronto direto entre os dois principais adversários na disputa pelo Palácio Iguaçu, Beto Richa (PSDB) e Osmar Dias (PDT). Com isso, o encontro dos candidatos acabou sendo morno.

Como não tiveram chance de fazer perguntas um ao outro durante as cerca de duas horas e meia de debate, o tucano e o pedetista trocaram farpas indiretamente. E foi o tema “privatização” e a herança deixada pelo ex-governador Jaime Lerner que tiveram papel central no debate. Osmar, por exemplo, usou esses argumentos para colocar Richa em situação desconfortável. Mesmo quase oito anos após o fim do governo Lerner, a venda do Banestado e a implantação dos pedágios no estado estiveram no centro das discussões.

O pedetista, por outro lado, teve de se explicar a respeito do fato de ser produtor rural e estar aliado ao PT, que é um partido que historicamente ligado ao MST (Movimento dos Trabalha dores Rurais Sem Terra).

A pressão maior sobre Richa – apesar de não ter sido contínua ao longo de todo o debate – foi impulsionada pelo discurso antiprivatização do candidato Avanílson Araújo (PSTU). Logo no início, ao explicar por que deseja ser governador, o candidato do PSTU questionou a venda do Banestado ao Itaú pelo ex-governador Jaime Lerner e defendeu a manutenção da Copel e da Sanepar como empresas públicas. No terceiro bloco, graças ao sorteio, Avanílson questionou o tucano sobre esses pontos e o acusou de ter votado a favor da privatização do Banestado quando era deputado estadual, no fim dos anos 90.

“Sempre agi com responsabilidade e consciência na vida pública. Jamais deixei aprovar leis que não estivesse convencido que fossem para o bem do Paraná. Votei sim pela venda do Banestado porque o banco estava prejudicando o Paraná”, disse Richa. Na réplica, acusado pelo candidato do PSTU de ser defensor da privatização e de ter apoiado a implantação dos pedágios, Richa argumentou que vai preservar o patrimônio público e lutar por tarifas de pedágio mais “justas e acessíveis”.

Aproveitando-se do tema, Osmar afirmou que sempre lutou para que o pedágio não fosse implantado e foi o primeiro a defender que a Copel não fosse privatizada. “Houve uma venda desastrosa do Banestado aprovada na Assembleia, com votos de deputados que hoje saem dizendo que vão defender a empresa pública”, declarou. “Por que não fizeram isso quando podiam? Não fez isso, não pode falar que vai fazer.”

Logo em seguida, porém, o pedetista foi questionado sobre o que faria em relação à reforma agrária e qual sua posição sobre o MST. Dizendo-se favorável à reforma agrária, Osmar afirmou que, por lei, o direito de propriedade deve ser respeitado. Mas, segundo ele, se as propriedades forem improdutivas, elas devem ser destinadas a famílias que saibam cultivar a terra. “Temos de verificar quais propriedades estão cumprindo os requisitos de responsabilidade social. Se cumprirem, não há porque desapropriá-las”, defendeu-se. “É uma brincadeira de quem não conhece o nosso estado querer colocar na minha testa aquilo que não sou [defensor do MST]”, rebateu Osmar. “Sou agricultor e produtor rural.”

Osmar também foi acusado de ter fechado uma coligação incoerente, reunindo na mesma chapa o PDT, o PT e o PMDB do seu adversário em 2006, o ex-governador e hoje candidato ao Senado Roberto Requião. “Fechamos uma coligação baseada em princípios e afinidades ideológicas, com partidos que impunham a mesma bandeira. Tenho orgulho de representar meus candidatos ao Senado e meu vice”, alfinetou Beto.

Alegando que é preciso manter a política social do governo Lula e de que recebeu um pedido do presidente para ser candidato, Osmar elogiou programas implantados por Requião e defendeu que os eleitores “não podem ficar sujeitos a escolher um programa que não seja de interesse do Paraná”.

Outro momento de acusações indiretas entre os dois ocorreu quando Osmar afirmou que irá implantar uma clínica da mulher em todos os municípios do estado para que as mães possam ter acompanhamento médico durante a gestação. “Vamos implantar o Mãe Paranaense, que o outro candidato não teve coragem de dizer que começou no meu governo em Curitiba, com o nome de Mãe Curitibana”, cutucou Richa.

Além de Richa, Osmar e Ava nílson Araújo, participaram do debate Paulo Salamuni (PV), Fe lipe Bergmann (PSol), Amadeu Felipe da Luz Ferreira (PCB) e Robinson de Paula (PRTB).

Jaime Lerner dá “atestado” a Osmar e a Richa

GAZETA DO POVO, 13 de agosto de 2010

Para “facilitar vida de marqueteiros”, ex-governador emite nota dizendo que nenhum dos dois é lernista


O ex-governador Jaime Lerner reagiu com humor às tentativas dos dois principais candidatos ao governo do Paraná, Beto Richa (PSDB) e Osmar Dias (PDT), de evitar qualquer ligação com seu nome. “Beto Richa, não precisa jurar que não é lernista; Osmar Dias, também não”, disse o ex-governador em uma nota. “Vou facilitar a vida de vocês e de seus marqueteiros. Estou emitindo atestados de ‘não lernistas’.”

As duas campanhas já tentaram colar no adversário a pecha de lernista. No caso de Richa, a ligação se dá pelo passado do candidato, que foi da base de Lerner na Assembleia e vice-prefeito na gestão de Cassio Taniguchi, ligado ao governador. Richa também foi candidato ao governo em 2002 com as bênçãos de Lerner. Confrontado com esses fatos, porém, o tucano tem repetido que não é lernista. Além disso, criticou duramente o ex-governador.

Como reação, a campanha de Richa acabou lembrando que várias pessoas ligadas ao governo Lerner fazem campanha para Osmar, que também recebeu o apoio do ex-governador na sua campanha de 2006. Osmar, porém, também rejeita a ligação com Lerner.

A preocupação dos candidatos é, sobretudo, em relação às privatizações promovidas durante o governo de Lerner. Eles temem que o eleitorado venha a acreditar que eles promoverão vendas de empresas públicas, como a Copel e a Sanepar. “Sempre que chega o período eleitoral, a ordem entre os candidatos é de se descolar de qualquer político ou coisa que seja polêmica ou que tenha reações contrárias, sem levar em conta todas as coisas positivas às quais esses políticos também se associaram”, reforçou Lerner.

Lerner aproveitou também para defender seu legado como prefeito de Curitiba e como governador. “Herdou-se uma cidade que é referência no mundo todo, apesar de todas as suas carências e mazelas”, disse na nota. “E ao Estado que se candidatam também creio ter dado alguma contribuição, como a onda de industrialização que multiplicou empregos e arrecadação.”

Afastado da política partidária e dedicando-se a viagens internacionais a serviço de seu escritório de arquitetura e urbanismo, Lerner destacou, na nota, esperar que o atestado de “não lernista” possa ajudar os “ilustres candidatos” a aproveitarem melhor a campanha, apresentando “mais propostas e menos sofismas”. “E que tenham a coerência de pedir aos lernistas que não votem neles”, afirmou.

Assembleia Legislativa renova licença remunerada de filha de Bibinho

GAZETA DO POVO, 13 de agosto de 2010

Isabel Miguel foi contratada pelo Legislativo aos 13 anos, contrariando a Constituição. Sindicância da Casa que apura o caso não foi concluída, dois meses depois da denúncia


A Assembleia Legislativa do Paraná renovou na semana passada a licença médica da funcionária Isabel Stein Miguel – filha do ex-diretor-geral da Casa Abib Miguel, o Bibinho, acusado de ser o mentor de um esquema que desviou pelo menos R$ 100 milhões dos cofres públicos por meio da contratação de servidores fantasmas e laranjas.

Isabel, que hoje tem 35 anos, foi contratada em junho de 1988, quando tinha apenas 13. Ela foi mantida no cargo mesmo após a promulgação da Constituição, em outubro de 1988. O texto constitucional proibiu menores de 18 anos de serem servidores públicos.

A sindicância interna da Assembleia que analisa a contratação da servidora – e que pode resultar na exoneração dela – ainda não foi concluída pela Casa, mais de dois meses após a denúncia ter vindo a público por meio de reportagens publicadas no início de junho pela série “Diários Secretos”, da Gazeta do Povo e da RPCTV.

Isabel, que já estava de licença de 60 dias, ficará sem trabalhar por mais dois meses. O término primeira licença, oficialmente, é 30 de agosto. Ela está fora do trabalho desde 3 de maio – recebendo normalmente o salário.

A prorrogação da licença de Isabel foi assinada pelo atual diretor-geral da Assembleia, Eron Abboud – que ocupa o cargo deixado por Bibinho em março deste ano. A Portaria n.º 558/10 consta do Diário Oficial do Le gislativo n.º 81, de 2 de agosto.

Isabel Stein Miguel, além de filha de Bibinho, também tem outras ligações com a cúpula da Assembleia. Ela foi sócia do presidente do Legislativo estadual, deputado Nelson Justus (DEM), numa rádio em Guaratuba – cidade litorânea que é o principal reduto eleitoral do parlamentar.

Inconstitucional - No início de junho, a Gazeta do Povo e a RPCTV mostraram que Isabel foi contratada pela As sembleia em 1.º de junho de 1988, quando tinha apenas 13 anos. A manutenção dela na Assembleia caracteriza inconstitucionalidade, pois o texto da Constituição, promulgado em outubro de 1988, proibiu menores de 18 anos de ocuparem cargos públicos.

Embora ela tenha sido contratada antes de a Constituição entrar em vigência, especialistas em Direito ouvidos pela reportagem dizem que ela deveria necessariamente ter sido demitida após a promulgação da Carta Magna – o que não ocorreu.

No entanto, hoje, no Supremo Tribunal Federal (STF), há entendimentos de manter servidores contratados de forma irregular em seus atuais cargos, desde que eles efetivamente tenham trabalhado.

Conclusão da sindicância - A assessoria de imprensa da Assembleia Legislativa informou que o caso envolvendo Isabel “está sendo analisado com a máxima transparência, seguindo todos os trâmites previstos no Estatuto dos Servidores Públicos do Estado do Paraná”. Segundo o Legislativo, a sindicância aberta para apurar a situação da servidora deve ser concluída nos próximos meses.

Sobre a renovação da licença, a assessoria informou que há um parecer de uma junta médica que justifica a licença e que, pelo Estatuto dos Servidores, os laudos e atestados médicos devem estar sob sigilo.

Além da sindicância interna, a contratação de Isabel também é alvo de uma investigação do Ministério Público Estadual (MP).

A volta de Gulbino - O mesmo diário oficial que traz a prorrogação da licença da filha de Bibinho revela a recontratação do ex-diretor de pessoal da Assembleia Antônio Carlos Gulbino. A volta de Gulbino para o quadro de pessoal da Assembleia foi mostrada ontem pela Gazeta do Povo.

Ele havia sido afastado do cargo em maio por recomendação do MP. Os promotores entenderam que Gulbino tentou impedir os promotores que investigavam as denúncias contra a Assembleia de ter acesso a dados de funcionários da Casa.

Mudou o jornalismo,não o Semi-Árido

O ESTADO DE S. PAULO, Washington Novaes, 13 de agosto de 2010


A primeira manchete de jornal escrita pelo autor destas linhas na então Folha da Manhã, nos idos de 1958, dizia: Assume proporções de catástrofe na Paraíba a seca que assola todo o Nordeste. Mudou o estilo, passou-se mais de meio século, não mudou a realidade. Na próxima segunda-feira, em Fortaleza, a Organização das Nações Unidas lançará a Década da ONU sobre Desertos e de Combate à Desertificação, com o propósito de enfrentar o drama em mais de cem países e lançar um alerta sobre as "dimensões alarmantes" da questão

De fato, segundo a ONU, um terço da superfície do planeta, onde vivem 2,6 bilhões de pessoas, enfrenta o problema, em algum grau. Na região subsaariana, por exemplo, a degradação nos vários países varia de 20% a 50% do território e atinge 200 milhões de pessoas. Na Ásia e na América Latina, são 357 milhões de hectares afetados, 2,7 bilhões de toneladas de solo perdidas a cada ano. No Brasil, mais de 1 milhão de quilômetros quadrados, do Nordeste a Minas Gerais e Espírito Santo, 15 milhões de pessoas já atingidas diretamente, perdas de US$ 5 bilhões por ano. Se a temperatura da Terra subir mais que 2 graus, alerta a ONU, pode pôr em risco um terço da economia.

Em artigo recente neste espaço (22/1), já foram analisados muitos ângulos da parte que cabe ao Brasil no drama, com áreas em torno de 1 milhão de quilômetros quadrados suscetíveis de desertificação (quase 100 mil km2 já em processo), 1.482 municípios, 15 milhões de pessoas. Algumas dessas áreas - Gilbués (PI), Irauçuba (CE), Cabrobó (PE) e Seridó (RN) - "já podem ser consideradas desertos", segundo o meteorologista Humberto Barbosa (Portal do Meio Ambiente, 9/8); "e, pior, estão se expandindo". A Bahia tem em áreas problemáticas 289 municípios, 86,8% do território do Estado, onde vivem 3,7 milhões de pessoas. E nem é só no Semi-Árido. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, 40% das áreas suscetíveis estão no Cerrado (entre elas, o paradisíaco Jalapão) e na fronteira gaúcha, na região de Alegrete. Até a região das nascentes do Rio Araguaia está ameaçada, com mais de 20 voçorocas de quilômetros de extensão.

Segundo a Fundação Oswaldo Cruz e a Universidade Federal de Minas Gerais, 1% do Nordeste, pelo menos, está sob risco alto de desertificação, por causa de mudanças climáticas. Já o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e o Laboratório de Meteorologia de Pernambuco dizem que as temperaturas médias fora do litoral nordestino estão aumentando rapidamente, com estiagens mais longas, chuvas mais intensas e mais rápidas, ar mais seco. Em Vitória de Santo Antão, por exemplo, em 40 anos a média das máximas subiu 3,5 graus (para 35°), enquanto a média mundial aumentava 0,4 grau. Por isso tudo, o Ministério do Meio Ambiente e o Inpe assinaram esta semana acordo para a elaboração do Sistema de Alerta Precoce de Secas e Desertificação, que pode antecipar situações problemáticas e providências cabíveis, partindo de dados meteorológicos e imagens de satélites. O diretor do Inpe, Gilberto Câmara, afirmou na ocasião que "o mundo vive uma tragédia anunciada". Na seca, 60% das chuvas na região caem em um mês; 30% em um dia.

A Caatinga já perdeu a vegetação em quase 50% de sua área total. Entre 2002 e 2008 foram 16.576 quilômetros quadrados, mais de 2,7 mil por ano. E só tem 7% do território em áreas protegidas, das quais apenas 2% com proteção integral. Por isso, muito terá de ser feito para tentar reverter o quadro. Influir no modelo energético, por exemplo, já que a lenha ainda responde por 40% da energia, somados o consumo no polo gesseiro de Araripe (1 milhão de metros cúbicos anuais de lenha, para fabricar 1,3 milhão de toneladas de produtos) e o consumo nas residências. Além do desmatamento, contribuem para a desertificação as queimadas, o "extrativismo desenfreado", o uso intensivo do solo.

Até aqui, muitas das propostas de "solução" se têm mostrado ineficazes ou até contraproducentes, embora mobilizando recursos públicos consideráveis. Nos açudes nordestinos, por exemplo, acumulam-se 37 bilhões de metros cúbicos de água, equivalentes a um terço do que o Rio São Francisco despeja no mar por ano - e com alto nível de evaporação. Mas não há uma rede de distribuição. Perímetros irrigados são outro exemplo de ineficácia. Segundo o Instituto Nacional do Semi-Árido, só 2% das terras, ali, podem receber sistemas de irrigação. Ainda assim, mais de metade da água transposta do Rio São Francisco se destina a projetos de irrigação (embora o próprio Ibama, que licenciou a obra, tenha advertido que a maior parte da água irá para terras já em processo de erosão ou desertificação).

Como já se escreveu aqui tantas vezes, o pensamento moderno e realista sugere que se mudem as estratégias, que se parta para a "convivência com o Semi-Árido", em lugar de tentar modificá-lo, tarefa impossível. Que se adotem soluções como as mais de 300 mil cisternas de placa já instaladas pela Articulação do Semi-Árido e outras instituições, que recolhem água da chuva e abastecem as famílias durante a estiagem. Como as mais de 4 mil cisternas de produção, como as barragens subterrâneas. A Embrapa sugere ênfase na pecuária leiteira, na vinicultura, na oleicultura, na fruticultura irrigada.

É preciso ter urgência. Este ano, a estiagem já levou à perda de 70% da safra em Picos (PI). Entre janeiro e maio, as chuvas no Ceará estiveram 53% abaixo da média. A "seca" verde atingiu 63 municípios cearenses.

O Ministério do Meio Ambiente espera ver criado por decreto federal o Fundo da Caatinga, a ser administrado pelo Banco do Nordeste. O Senado aprovou a inclusão da Caatinga (e do Cerrado) entre os patrimônios nacionais definidos pelo artigo 225, parágrafo 4.º, da Constituição. Ainda falta a aprovação da Câmara dos Deputados para a proposta, que tramita há mais de 20 anos. É preciso correr.

Pior que as "doações ocultas"

VALOR ECONÔMICO, Renata Rizzi, 13 de agosto de 2010

As doações ocultas são apenas uma migalha do que realmente há de perverso em nossa estrutura de financiamento de campanhas.


Assistimos, há alguns meses, à movimentação dos partidos contra a resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que pretende impedir as chamadas "doações ocultas" no futuro (feitas ao partido mas "carimbadas" pelo doador com o nome de determinado candidato). A reação por parte dos partidos era previsível - tão natural quanto a união de empresas que competem em um dado setor para se proteger de mudanças regulatórias que afetem negativamente seus interesses comuns. Em seu relatório de prestação de contas de 2008, o DEM declara uma receita anual de R$ 50,8 milhões, sendo 62,4% desse total relativos a doações de pessoas jurídicas. O PSDB informa ter obtido R$ 62,3 milhões, dos quais 56,0% correspondem a pessoas jurídicas. E o PT registra ter recebido R$ 93,1 milhões, sendo 64,8% deles doados por pessoas jurídicas. Os números (e esses aí nem incluem caixas dois) deixam claro o peso das doações de empresas nas contas das três agremiações. Daí a insistência dos diretórios nacionais em manter as regras como estão.

Grande parte do dinheiro recebido pelos partidos é repassado aos candidatos. Do total de doações corporativas, a fração destinada às rubricas "transferências a candidatos" e "transferências a comitês" em 2008 foi de 49% para o PSDB, 68% para o PT e 82,6% para o DEM (esses números são subestimados devido à possibilidade de o dinheiro seguir o percurso empresa, diretório nacional, direção estadual, candidato).

Por outro lado, as contribuições de pessoas jurídicas a partidos em 2007 (ano não eleitoral) foram ínfimas quando comparadas às de 2008 (o PT arrecadou

R$ 8,7 milhões, o PSDB menos de R$ 3 milhões e o DEM declara não ter obtido doações de empresas). Parece razoável concluir que boa parte do dinheiro que os partidos recebem de empresas tem como destino almejado os candidatos. Ainda assim, não há como quantificar as doações ocultas formalmente. A informação que falta diz respeito à alocação desses recursos: é uma decisão do partido ou dos doadores?

Dirigentes partidários alegam que a prática das doações ocultas resguarda as empresas da associação de seus nomes aos de candidatos específicos. De fato, feita a triangulação com os partidos, o diretório nacional (e não o nome da empresa) é que aparece no relatório de prestação de contas dos candidatos. A análise dos relatórios de partidos e candidatos revela, no entanto, que grande parte das empresas que contribuem para partidos doa também para candidatos específicos. Ora, deve então haver um receio "localizado" com relação a determinados candidatos. Ou, ainda, o desejo de doar valores elevados (bem acima da média observada) para alguns candidatos sem se destacar na prestação de contas. Seja como for, o TSE acerta em coibir as doações ocultas. A rastreabilidade é condição necessária para que se possa provar culpa em casos de corrupção e favorecimento.

A noção de vinculação de contribuições de campanha ao recebimento de favores políticos (referentes a licitações, licenças ambientais, regulação setorial, processos antitruste, financiamentos etc) é intuitiva e bastante disseminada no Brasil. Na literatura acadêmica de economia política, há uma corrente que trata as doações de campanha por empresas como investimentos contingentes, cujo retorno consiste em favores políticos e é condicionado à vitória do candidato. Se o político ganha, as empresas que financiaram sua campanha são recompensadas com favores políticos durante o mandato. Caso contrário, perdem seu dinheiro. Há algumas implicações diretas dessa teoria que podem ser testadas. Ela prevê, por exemplo, que as maiores doadoras serão as empresas com expectativas de favores mais elevadas. E que os candidatos que mais receberão contribuições serão aqueles com melhores chances de vencer. E é precisamente isso que se vê nos dados brasileiros.

Só quem tem reais chances de ganhar e/ou concorre por partidos com forte presença no Congresso é contemplado. Além disso, as doações são extremamente concentradas em termos setoriais, com absoluta predominância do ramo da construção civil, do setor financeiro e da indústria pesada.

Um estudo do professor David Samuels (Universidade de Minnesota) atesta que mais de 90% das contribuições para campanhas presidenciais no Brasil vêm de pessoas jurídicas, sendo que 75% desse dinheiro são doados por participantes dos três setores mencionados (com base em dados do TSE de 1998).

Em termos de doações a partidos, os dados de 2008 mostram que, do total de contribuições corporativas aos diretórios nacionais, a fração correspondente ao setor da construção civil foi de 52,5%, 54,2% e 68,8% para DEM, PT e PSDB, respectivamente (enquanto a participação da indústria no PIB do país não chega a 6%). No mesmo ano, o governo federal gastou quase R$ 3 bilhões na construção de rodovias e ferrovias, tendo contratado 211 firmas para a execução das obras. As quinze empresas contratadas que mais receberam embolsaram, juntas, mais de um R$ 1,5 bilhão. Treze dessas quinze são expressivas doadoras de campanha (segundo dados oficiais).

Cruzando informações do Portal da Transparência e do TSE, constata-se que a maioria das empresas que contribuem para partidos e campanhas presidenciais constam também como pessoas jurídicas favorecidas por gastos diretos do governo federal. As empresas que mais doam no Brasil são aquelas interessadas em obter e/ou manter contratos com o poder público (o tradicional "pay to play"). A maioria delas doa, simultaneamente, para todos os partidos fortes, de modo que seu retorno deixa de ser contingente.

Cabe notar que essa prática não implica, necessariamente, em que essas empresas sejam corruptas e desonestas em sua totalidade. Muitas vezes, diante do assédio intimidador dos políticos, a colaboração com as campanhas se torna uma questão de sobrevivência em ambiente pouco competitivo, prejudicado por barreiras de entrada políticas informais. Nos Estados Unidos, "public contractors" não podem fazer contribuições. Aqui isso é legal... As doações ocultas são apenas uma migalha do que realmente há de perverso em nossa estrutura de financiamento de campanhas. Esse deve ser o foco do nosso debate.

Em 3 anos, PAC só conclui 13% das obras

O GLOBO, 13 de agosto de 2010

Vitrine da campanha de Dilma à Presidência, o PAC ainda não conseguiu tirar do papel 52,8% dos seus 13.958 empreendimentos. Segundo levantamento da ONG Contas Abertas, na fase de obras estão 4.775, o equivalente a 34,2% do total. Nos três anos do PAC, só 13% foram concluídas.


Principal vitrine da campanha da petista Dilma Rousseff à Presidência da República, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ainda não conseguiu tirar do papel mais da metade das suas obras. Incluindo intervenções espalhadas por vários municípios e cujos valores oscilam de poucos milhões até bilhões de reais, 52,8% dos 13.958 empreendimentos do PAC ainda estão em estágio inicial, ou seja, nas fases de contratação, ação preparatória ou licitação. Já os empreendimentos na fase de obras somam 4.775, o equivalente a 34,2% do total. Nos três anos do PAC, só 13% são consideradas concluídas.

O levantamento foi feito pela ONG Contas Abertas, com base nos cadernos estaduais do programa, relativos ao 10obalanço quadrimestral de abril, mas divulgados em junho pela Casa Civil da Presidência da República.

Para o coordenador da ONG, economista Gil Castelo Branco, se mantiver o ritmo dos últimos meses, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá encerrar seu governo com pelo menos 40% do programa ainda longe dos canteiros de obras.

De acordo com o balanço fechado em dezembro, 54,8% das obras estavam no papel. Em quatro meses, esse percentual caiu para 52%. O governo terá de acelerar muito seu ritmo para alcançar 40% em oito meses avalia.

Os números mostram que a quantidade de obras com a chancela do PAC vem aumentando continuamente. Em agosto de 2009 eram 12.520 empreendimentos 62% das ações não tinham virado obras , passando para 13.330 em dezembro passado. Em abril o número saltou para para as atuais 13.958 obras. Nesse intervalo de tempo, o percentual de obras concluídas também cresceu, mas num ritmo mais lento: era 9,8% em agosto, passou para 11,1% em dezembro e está em 13%.

O balanço oficial do PAC faz a avaliação por valores das obras e não abre pelos estados. Por isso, os percentuais são divergentes em relação ao do Contas Abertas. De acordo com a Casa Civil, em abril já haviam sido executados 70,7% dos R$ 656,5 bilhões do PAC e foram concluídos 46,1% das ações, o equivalente a R$ 302,5 bilhões. Por isso, a Casa Civil contesta a ONG. Segundo o órgão, o critério correto de avaliação do programa é o do valor do investimento.

Gargalo da Copa, aeroportos têm 19% das obras entregues Por uma razão muito simples: uma obra como a usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, cujo investimento estimado é de R$ 19 bilhões, não tem e não poderia ter o mesmo peso, por exemplo, de uma obra de saneamento em área indígena no município de Santa Maria das Barreiras (PA), com valor de R$ 2,2 mil, afirmou a assessoria da Casa Civil, por meio de nota.

Eles também não consideram correto somar ações do PAC que se encontram em diferentes estágios de execução e agrupá-las sob a classificação genérica de ainda estão no papel. (Os empreendimentos) estão sendo executados conforme seus cronogramas. Isto é muito diferente de estar no papel, diz a nota.

Ainda assim, os números de execução das obras de saneamento mostram que dificilmente o governo conseguirá entregá-las até dezembro. Do total de 8.509 empreendimentos, 56,7% estão nas etapas iniciais, 30% estão em execução e apenas 12,4% foram concluídas até agora.

Das 4.146 obras de habitação, 56% ainda estão no papel, 1.582 estão sendo executadas e só 227 (5%) estão prontas. Nos aeroportos, um dos mais sérios gargalos para a Copa do Mundo de 2014, o quadro é semelhante: 52,1% das obras ainda não começaram e apenas 19% foram entregues. Uma parcela importante das obras ficará para o próximo governo concluir. Na prática, a administração atual vai escolher as obras que o sucessor terá de pagar e encerrar diz Gil Castelo Branco.

Para Ralph Lima Terra, vicepresidente da Associação Brasileira da Indústria de Base (Abdib), a lenta execução dos projetos deve ser creditada à baixa capacidade de gestão e de execução na ponta do gasto, ou seja, em estados e municípios que são responsáveis por elaborar estudos e projetos para que os recursos federais possam ser empenhados: Muitos prazos para a apresentação de projetos precisam ser postergados porque os gestores municipais estão sem estrutura para isso e acabam se atrasando. Desde que o PAC foi lançado, esse problema tem sido recorrente, principalmente nas áreas de saneamento básico e urbanização.

No Rio, 49,6% não chegaram ao canteiro de obras Outro fator apontado pela Abdib são as obstruções que surgem nas diversas etapas dos empreendimentos. Segundo Terra, em muitos casos são necessárias desapropriações ou licenças de órgãos ambientais ou de defesa do patrimônio público. No Estado do Rio, há 485 obras previstas, e o quadro é semelhante ao nacional. Do total, só 9,7% (47) foram concluídas e 40,6% (197) estão em execução. Ao todo, 49,6% não partiram ainda para o canteiro de obras. Quanto ao volume de recursos, pelo Rio passam R$ 118,2 bilhões dos R$ 656,5 bilhões do PAC, o equivalente a 18% do total.

O fraco desempenho do PAC também se espelha na dificuldade do governo para desembolsar os recursos orçamentários do programa. Entre 2007 e 2010 (até julho), foram autorizados gastos de R$ 95,7 bilhões, mas só 49,2% (R$ 47,1 bilhões) foram efetivamente pagos.

Mudou o jornalismo,não o Semi-Árido

O ESTADO DE S. PAULO, Washington Novaes, 13 de agosto de 2010


A primeira manchete de jornal escrita pelo autor destas linhas na então Folha da Manhã, nos idos de 1958, dizia: Assume proporções de catástrofe na Paraíba a seca que assola todo o Nordeste. Mudou o estilo, passou-se mais de meio século, não mudou a realidade. Na próxima segunda-feira, em Fortaleza, a Organização das Nações Unidas lançará a Década da ONU sobre Desertos e de Combate à Desertificação, com o propósito de enfrentar o drama em mais de cem países e lançar um alerta sobre as "dimensões alarmantes" da questão

De fato, segundo a ONU, um terço da superfície do planeta, onde vivem 2,6 bilhões de pessoas, enfrenta o problema, em algum grau. Na região subsaariana, por exemplo, a degradação nos vários países varia de 20% a 50% do território e atinge 200 milhões de pessoas. Na Ásia e na América Latina, são 357 milhões de hectares afetados, 2,7 bilhões de toneladas de solo perdidas a cada ano. No Brasil, mais de 1 milhão de quilômetros quadrados, do Nordeste a Minas Gerais e Espírito Santo, 15 milhões de pessoas já atingidas diretamente, perdas de US$ 5 bilhões por ano. Se a temperatura da Terra subir mais que 2 graus, alerta a ONU, pode pôr em risco um terço da economia.

Em artigo recente neste espaço (22/1), já foram analisados muitos ângulos da parte que cabe ao Brasil no drama, com áreas em torno de 1 milhão de quilômetros quadrados suscetíveis de desertificação (quase 100 mil km2 já em processo), 1.482 municípios, 15 milhões de pessoas. Algumas dessas áreas - Gilbués (PI), Irauçuba (CE), Cabrobó (PE) e Seridó (RN) - "já podem ser consideradas desertos", segundo o meteorologista Humberto Barbosa (Portal do Meio Ambiente, 9/8); "e, pior, estão se expandindo". A Bahia tem em áreas problemáticas 289 municípios, 86,8% do território do Estado, onde vivem 3,7 milhões de pessoas. E nem é só no Semi-Árido. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, 40% das áreas suscetíveis estão no Cerrado (entre elas, o paradisíaco Jalapão) e na fronteira gaúcha, na região de Alegrete. Até a região das nascentes do Rio Araguaia está ameaçada, com mais de 20 voçorocas de quilômetros de extensão.

Segundo a Fundação Oswaldo Cruz e a Universidade Federal de Minas Gerais, 1% do Nordeste, pelo menos, está sob risco alto de desertificação, por causa de mudanças climáticas. Já o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e o Laboratório de Meteorologia de Pernambuco dizem que as temperaturas médias fora do litoral nordestino estão aumentando rapidamente, com estiagens mais longas, chuvas mais intensas e mais rápidas, ar mais seco. Em Vitória de Santo Antão, por exemplo, em 40 anos a média das máximas subiu 3,5 graus (para 35°), enquanto a média mundial aumentava 0,4 grau. Por isso tudo, o Ministério do Meio Ambiente e o Inpe assinaram esta semana acordo para a elaboração do Sistema de Alerta Precoce de Secas e Desertificação, que pode antecipar situações problemáticas e providências cabíveis, partindo de dados meteorológicos e imagens de satélites. O diretor do Inpe, Gilberto Câmara, afirmou na ocasião que "o mundo vive uma tragédia anunciada". Na seca, 60% das chuvas na região caem em um mês; 30% em um dia.

A Caatinga já perdeu a vegetação em quase 50% de sua área total. Entre 2002 e 2008 foram 16.576 quilômetros quadrados, mais de 2,7 mil por ano. E só tem 7% do território em áreas protegidas, das quais apenas 2% com proteção integral. Por isso, muito terá de ser feito para tentar reverter o quadro. Influir no modelo energético, por exemplo, já que a lenha ainda responde por 40% da energia, somados o consumo no polo gesseiro de Araripe (1 milhão de metros cúbicos anuais de lenha, para fabricar 1,3 milhão de toneladas de produtos) e o consumo nas residências. Além do desmatamento, contribuem para a desertificação as queimadas, o "extrativismo desenfreado", o uso intensivo do solo.

Até aqui, muitas das propostas de "solução" se têm mostrado ineficazes ou até contraproducentes, embora mobilizando recursos públicos consideráveis. Nos açudes nordestinos, por exemplo, acumulam-se 37 bilhões de metros cúbicos de água, equivalentes a um terço do que o Rio São Francisco despeja no mar por ano - e com alto nível de evaporação. Mas não há uma rede de distribuição. Perímetros irrigados são outro exemplo de ineficácia. Segundo o Instituto Nacional do Semi-Árido, só 2% das terras, ali, podem receber sistemas de irrigação. Ainda assim, mais de metade da água transposta do Rio São Francisco se destina a projetos de irrigação (embora o próprio Ibama, que licenciou a obra, tenha advertido que a maior parte da água irá para terras já em processo de erosão ou desertificação).

Como já se escreveu aqui tantas vezes, o pensamento moderno e realista sugere que se mudem as estratégias, que se parta para a "convivência com o Semi-Árido", em lugar de tentar modificá-lo, tarefa impossível. Que se adotem soluções como as mais de 300 mil cisternas de placa já instaladas pela Articulação do Semi-Árido e outras instituições, que recolhem água da chuva e abastecem as famílias durante a estiagem. Como as mais de 4 mil cisternas de produção, como as barragens subterrâneas. A Embrapa sugere ênfase na pecuária leiteira, na vinicultura, na oleicultura, na fruticultura irrigada.

É preciso ter urgência. Este ano, a estiagem já levou à perda de 70% da safra em Picos (PI). Entre janeiro e maio, as chuvas no Ceará estiveram 53% abaixo da média. A "seca" verde atingiu 63 municípios cearenses.

O Ministério do Meio Ambiente espera ver criado por decreto federal o Fundo da Caatinga, a ser administrado pelo Banco do Nordeste. O Senado aprovou a inclusão da Caatinga (e do Cerrado) entre os patrimônios nacionais definidos pelo artigo 225, parágrafo 4.º, da Constituição. Ainda falta a aprovação da Câmara dos Deputados para a proposta, que tramita há mais de 20 anos. É preciso correr.