segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Leia na íntegra a reportagem da Veja que levou governador a mobilizar policiais armados para impedir a revista de circular no Tocantins



A edição de VEJA desta semana traz uma reportagem sobre a corrupção no Tocantins. O governador Carlos Gaguim mobilizou 30 policiais militares, armados com fuzis, para tentar impedir, na madrugada de sábado, a distribuição da revista no estado (veja ao lado foto do governador, que é apoiado por Lula).
A ordem era para apreender a revista no aeroporto.
Não havia decisão judicial nenhuma autorizando a operação.
Leia aqui, na íntegra, a reportagem que o
governador queria impedir que chegasse às bancas




O triângulo da corrupção

Investigações mostram as ligações dos governadores do Tocantins, do Amapá e de Mato Grosso do Sul com quadrilhas acusadas de desviar fortunas dos cofres públicos. Ainda assim, os três mantém suas candidaturas à reeleição

os anos 90, corria um boato — jamais provado — de que o entourage do então presidente Fernando Collor havia feito uma festa para comemorar o primeiro bilhão de dólares arrecadado pelos esquemas de corrupção de seu governo. Bilhão era, então, uma cifra factível apenas para peixes gordos, desses que habitam o 3º andar do Palácio do Planalto e adjacências. Vinte anos depois, bilhão virou meta de faturamento de chefetes de máfias regionais, como as que desfalcaram os cofres públicos nos estados mais novos da federação — Tocantins, Mato Grosso do Sul e Amapá. Nos três casos, as autoridades obtiveram provas de que a corrupa ocorria com a participação ou conivência dos respectivos governadores, todos candidatos à reeleição. “O governador (do Tocantins, Carlos Gaguim, do PMDB) disse que vamos fazer 1 bilhão de real”, relata o lobista Maurício Manduca, em conversa telefônica captada pela Polícia Federal. O português sofrível denota o nível do tal Manduca, que representava na Região Norte o empresário José Carlos Cepera. Proprietário de seis empresas de limpeza e segurança registradas em nome de laranjas, Cepera contava com a boa vontade de autoridades para vencer licitações superfaturadas no Tocantins — e também nas cidades paulistas de Campinas, Hortolândia, Mauá e Indaiatuba.

O Ministério Público paulista descobriu que o grupo operava o esquema desde 2004, pelo menos. Segundo os promotores, o bando amealhou contratos fraudulentos com órgãos públicos que somam, no total, 615 milhões de reais. Uma única licitação, lançada pela Secretaria de Educação do Tocantins, responde por mais da metade do total: 332 milhões de reais. Os indícios de superfaturamento eram tão gritantes que logo foi alvo de questionamentos do Tribunal de Contas do Tocantins. Nem por isso Manduca, Cepera e o governador Gaguim deixaram de festejar a bandalha. Em 13 de março último, Cepera pagou um fim de semana cinco-estrelas para a turma em São Paulo. O empresário gastou 19 800 reais para comprar um camarote para sua patota assistir à corrida da Fórmula Indy na capital paulista. Hospedou Gaguim no luxuoso Unique Hotel, ofereceu-lhe um churrasco e deixou um helicóptero à sua disposição. Preocupou-se até em evitar que Gaguim, que deve seu nome ao fato de tartamudear, padecesse da solidão do homem contemporâneo na metrópole fria e impessoal. Mandou-lhe uma moça que se apresenta como Delinda e que, pouco antes, tinha feito uma visitinha a Manduca — que, pelo jeito, provou, aprovou, antes de passar adiante. No dia seguinte, Cepera telefonou a Gaguim para saber se ele tinha gostado do fim de semana. “A carne que o Manduca ofereceu estava boa ou ‘meia’ dura?”, indagou Cepera. Gaguim não titubeou: “Show de bola!”.

O governador merecia tantos mimos porque, segundo o lobista Manduca, havia prometido difundir o esquema de corrupção de Cepera por Tocantins inteiro. Para isso, eles precisavam, no entanto, terceirizar os serviços públicos do estado, hoje executados por 22 000 funcionários admitidos sem concurso. A brecha que permitiria o golpe foi aberta inadvertidamente pelo tucano Siqueira Campos, com quem Gaguim disputa a eleição estadual. Ao suspeitar de que essa massa de servidores iria fazer campanha para Gaguim, o candidato do PSDB fez uma consulta ao Supremo Tribunal Federal sobre a legalidade da manutenção deles. Gaguim, na verdade, esperava que a corte determinasse a demissão de todos, o que levaria seu governo a terceirizar os serviços em regime de urgência. Os promotores paulistas que iniciaram a investigação, por causa de Cepera, descobriram que o plano fracassou porque a ministra Cármen Lúcia, relatora do caso no Supremo, decidiu dar uma chance aos servidores: no próximo ano, o estado realizará concursos para admiti-los.

A investigação dos promotores paulistas é apenas um dos problemas de Gaguim. O prefeito do município de Fortaleza do Tabocão, João Tabocão, diz que enviados do governador quiseram comprar seu apoio político por 300 000 reais. Em junho, Gaguim protagonizou, ainda, um episódio que configura compra de votos: distribuiu a eleitores 3 000 bicicletas. Todas são vermelhas, a cor da sua campanha e das camisas que ele usa. Há dois meses, antes de toda a avacalhação vir à tona, durante um encontro com fiéis evangélicos, o governador fez um mea-culpa que despertou curiosidade: “Sei o pecado que estou cometendo. Sou um desviado. Se o mundo acabasse hoje, eu iria para o inferno”. Resta saber se o governador será condenado nas urnas ou só no Juízo Final.

“Eu não consigo gastar 20 milhões de dólares” - Desbaratado pela Polícia Federal em 10 de setembro, o esquema de corrupção que tomou conta do Amapá foi inteiramente revelado na semana pas­sada. Um dos elementos centrais da quadrilha, o governador Pedro Paulo Dias (PP), foi movido pela ganância... e pelo amor, e pela luxúria. Dias, que é casado, nutre uma paixão clandestina de dimensões amazônicas pela loira (falsa, claro) Lívia Bruna Gato, sua secretária de 27 anos. Dos telefonemas trocados por Dias e sua amante, gravados pela Polícia Federal, sobressaem detalhes do esquema de corrupção que envolvia também seu antecessor Waldez Góes (PDT), a ex-primeira-dama Marília Góes, o presidente do Tribunal de Contas do Amapá, José Júlio de Miranda, e outras treze pessoas. Juntos, eles surrupiaram 300 milhões de reais dos cofres públicos. O esquema começou a ser desvendado em agosto de 2009. Então, a Polícia Federal se debruçou sobre uma licitação da Secretaria de Educação para contratar por emergência uma empresa de segurança chamada Amapá Vip. A Polícia Federal entrou no caso porque a Amapá Vip foi paga com recursos da União. Descobriu-se que o governador Waldez Góes, hoje candidato ao Senado, recebia 500 000 reais mensais do contratado para fornecer refeições aos presídios. Também aquinhoado, o presidente do Tribunal de Contas comprou um jatinho, uma Ferrari, uma Maserati e outros três carros de luxo.

O governador Pedro Paulo pretendia, ainda, cobrar 30 milhões de dólares de um grupo indonésio chamado Salim, interessado em investir no estado na agricultura. Em troca, concederia benefícios aos asiáticos. Em um telefonema concupiscente disparado de Jacarta, onde foi negociar a propina, o político apaixonado relata o caso a Lívia Bruna: “Amor, 30 milhões de dólares para esses caras é nada. Por mais que eu gaste uma fortuna, eu não consigo gastar 20 milhões de dólares. Tu tá entendendo?”. Depois, passa a tratar de assuntos mais relevantes. “Minha vida, sabe o que eu quero levar para ti, do fundo do meu coração? Um óculos. Agora eu queria comprar um para ti, um da Armani. Deixa eu comprar?”, derrama-se o governador. Sua amante, que também foi presa, tinha papel essencial no desvio de verbas públicas. Participava das fraudes e era responsável pelo recebimento de propina. É a paixão, é o amor, é a luxúria.

A Máfia de Paletó - Por último, Mato Grosso do Sul. No início do mês, a Polícia Federal desarmou um esquema de corrupção que envolvia praticamente todas as autoridades de Dourados, a segunda maior cidade do estado. No dia 1º, foram presos o prefeito Ari Artuzi, seu vice, Carlos Cantor, onze dos doze vereadores e outros cinquenta políticos, servidores públicos e empresários. Com o desenrolar das investigações, autoridades do governo estadual e da Assembleia Legislativa sul-mato-grossense foram pegas no escândalo. Na semana passada, o caso também engolfou o governador André Puccinelli (PMDB) e seu antecessor e adversário Zeca do PT, que disputam o governo estadual. Os nomes de Puccinelli e Zeca do PT apareceram em uma conversa do deputado estadual Ary Rigo (PSDB) com o principal denunciante da quadrilha, o ex-secretário de Governo de Dourados Eleandro Passaia. Na conversa, registrada em vídeo, Rigo conta que tanto Puccinelli quanto Zeca eram beneficiados por empreiteiras. Na gravação, Rigo diz ainda que Puccinelli se apropriou de 6 milhões de reais da Assembleia Legislativa. Segundo o deputado tucano, os desembargadores e promotores também recebiam propina. Os magistrados recebiam 900.000 reais, e os promotores, 300 000 reais. Rigo não esclarece a periodicidade dos pagamentos. Zeca do PT negou qualquer participação. Puccinelli veio a público para dizer que tudo era mentira, que a lei o amparava etc.

Eleandro Passaia decidiu implodir a quadrilha depois de ser abordado pela Polícia Federal. Para não ser preso e evitar responder a um processo criminal, ele fez um acordo de delação premiada com o Ministério Público estadual. Por quatro meses, não só coletou provas da corrupção na sua cidade e no estado como filmou os envolvidos no esquema com uma microcâmera fornecida pela Polícia Federal. Os documentos e as conversas registradas por Passaia mostram, por exemplo, que sua quadrilha abocanhava 10% de todos os contratos firmados pela prefeitura de Dourados, o que produzia uma receita mensal de 500.000 reais. O prefeito Artuzi ficava com a parte do leão e distribuía o restante entre os demais envolvidos. Uma vez fora do esquema, o delator Passaia arranjou outra forma de ganhar dinheiro: escreveu um livro relatando as podridões de seu bando, cujo título é A Máfia de Paletó. O amigo da onça descreve somente as fraudes cometidas na região do Pantanal.

Censura à imprensa é revogada após sessão extraordinária

VEJA ONLINE, 27 de setembro de 2010


Em sessão extraordinária realizada na tarde desta segunda-feira, o Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins (TRE-TO) revogou por completo a liminar que proibia 83 veículos de comunicação do estado de divulgar quaisquer informações a respeito da investigação do Ministério Público de São Paulo que cita o governador Carlos Amorim Gaguim (PMDB) como integrante de uma organização criminosa que fraudava licitações. A proibição havia sido estipulada na última sexta-feira, a pedido do próprio Gaguim.

A mordaça, em nove páginas, foi imposta pelo desembargador Liberato Póvoa, do Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins (TRE-TO), e acolhia pedido em ação de investigação judicial eleitoral da coligação Força do Povo, formada por 11 partidos, inclusive o PT, que apoia Gaguim. Na campanha pela reeleição, Gaguim tem recebido no palanque a companhia do presidente Lula e da candidata petista à Presidência, Dilma Rousseff.

Como mostra reportagem de VEJA desta semana, investigações mostram as ligações dos governadores do Tocantins, do Amapá e de Mato Grosso do Sul com quadrilhas acusadas de desviar fortunas dos cofres públicos. Na madrugada de sábado, Gaguim mobilizou 30 policiais militares, armados com fuzis, para tentar impedir a distribuição de VEJA no Tocantins. A ordem era para apreender a revista no aeroporto. Em momento algum, a Justiça autorizou a operação.

A coligação Tocantins Levado a Sério, do adversário de Gaguim, Siqueira Campos (PSDB) se reúne às 16 horas desta segunda-feira na Avenida Juscelino Kubitschek, em Palmas, na rotatória do Colégio São Francisco de Assis contra a corrupção e a favor da liberdade de imprensa no Tocantins. Os manifestantes seguirão em direção ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE), onde será entregue manifesto ao presidente daquela instituição, solicitando o restabelecimento da liberdade de imprensa e da livre expressão no Tocantins.

Ficha Limpa continua valendo, mas candidatos podem tirar vantagem de impasse no STF

ÚLTIMA INSTÂNCIA, 27 de setembro de 2010


Expedito Júnior (PSDB-RO), Ronaldo Lessa (PDT-AL) e Jackson Kepler Lago (PDT-MA) são exemplos de parlamentares candidatos a governador que tiveram, assim como Joaquim Roriz (PSC-DF), o registro de candidatura cassado pela Lei Ficha Limpa. Depois de um longo e acalorado debate de 11 horas no STF (Supremo Tribunal Federal), na última quinta-feira (23/9), os ministros adiaram a sessão diante de um empate, no qual cinco acreditam na validade da norma já para as eleições deste ano e cinco são contra a aplicabilidade imediata. Ainda sem uma decisão definitiva, a norma continua valendo – porém, com o impasse, candidatos impugnados, como os citados no início da reportagem, podem tirar proveito da situação.

A opinião é do constitucionalista Oscar Vilhena, que observa o estabelecimento de uma insegurança jurídica “desnecessária” neste cenário posterior ao julgamento. “Acredito que o Supremo precisava ter definido [a validade da lei], porque a desinformação decorrente disso vai ser grande”. Para o advogado, é possível que candidatos enquadrados na lei se intitulem “injustiçados, porque o STF ainda não terminou de julgar a Ficha Limpa”; não só aqueles que enfrentam a disputa para o cargo de governador do Estado, como também deputados e senadores.

No entendimento do professor de direito constitucional Pedro Serrano, apesar da situação de insegurança instaurada, cabe ao cidadão brasileiro votar de forma consciente. “O eleitor não deve votar em quem ele acha que não possui condições éticas mínimas de exercer o mandato”, ressalta.

Com um ministro a menos na Suprema Corte, vaga deixada com a aposentadoria de Eros Grau em agosto deste ano, o especialista acredita que a decisão de aguardar a nomeação do presidente Lula “era a única possível. Cabe esperar a nomeação para que se adote uma decisão final. Mas também é melhor para o país que a escolha seja boa, do que seja ultra apressada, sem a ponderação devida”, avalia. Para Serrano, é preciso encarar o fato como algo indesejável, no entanto, “uma contingência normal de nosso sistema”.

Em contrapartida, Vilhena acredita que a questão deveria ter sido resolvida no dia do julgamento, pois a sociedade, a uma semana das eleições, precisava de uma resposta concreta. Segundo ele, a ausência de um ministro não pode ser utilizada como motivo para que um julgamento não termine. “Evidente que é ruim o tribunal não estar com sua composição plena, mas isso eventualmente ocorre. É normal”, afirma.

“É importante dizer que, até o término do julgamento”, enfatiza o advogado, “a lei é válida, tem presunção de constitucionalidade e quanto a isso não cabe nenhuma reclamação. A meu ver, o que deve prevalecer é o entendimento do TSE (Tribunal Superior Eleitoral)”.

Elemento surpresa - Horas depois do término do julgamento, na madrugada de sexta-feira (24/9), o candidato ao governo do Distrito Federal Joaquim Roriz decidiu renunciar à candidatura e colocou sua mulher, Weslian Roriz, para concorrer em seu lugar. No mesmo dia, os advogados de defesa entraram com um pedido no STF para o arquivamento do recurso extraordinário – isso significa que o julgamento perde o objeto da ação que estava sendo analisada.

No entanto, por ter sido reconhecida a repercussão geral da matéria, os ministros deverão votar para decidir se “a desistência prejudica o julgado ou não”, explica Pedro Serrano. Ainda que os ministros tenham demonstrado duas correntes claras de posicionamento, o constitucionalista avalia que essas correntes são “ocasionais”, diferente dos Estados Unidos, onde os tribunais possuem definidamente “os liberais e os conservadores”, como exemplificou. “Assim, conforme o caso, creio que esta configuração dual mudará, de forma, a priori, imprevisível”.

Votaram a favor da aplicabilidade imediata da lei, acompanhando o relator, ministro Carlos Ayres Britto, os ministros Ellen Gracie, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Cármen Lúcia. Já o presidente da Corte, Cezar Peluso, Celso de Mello, Marco Aurélio de Mello, Gilmar Mendes e Dias Toffoli votaram contra e acreditam que a norma só pode ser aplicada nas próximas eleições, em 2012, quando já estará há mais de um ano em vigor.

Punir corruptos depende de novas leis

GAZETA DO POVO, 27 de setembro de 2010

Para ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), sociedade precisa "pressionar mais o Congresso" para modificar o Processo Penal


A sucessão de escândalos estaduais envolvendo políticos e autoridades com desvio de recursos públicos fez o ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Jorge Hage, cobrar fortemente mudanças na legislação do país. Responsável pelo comando do principal órgão de controle do governo federal, o ministro defende que a “sociedade pressione mais o Congresso” para modificar o Processo Penal brasileiro. Na prática, ele quer garantir que os tribunais ganhem agilidade para punir acusados da prática do chamado crime do colarinho branco.

“Muitos corruptos ainda insistem em praticar as mesmas condutas por acharem que o risco de serem presos ainda é baixo”, diz Jorge Hage. “Talvez porque não acreditem na condenação definitiva, pois em nosso país, infelizmente, as leis e a jurisprudência dominante permitem a eternização dos processos, e o Supremo Tribunal Federal só admite a prisão após o trânsito em julgado. Vale dizer, nunca”, lamenta o ministro.

Por conta do aumento de casos, a CGU vai assinar amanhã um protocolo de cooperação técnica com o Ministério Público Federal (MPF) para ampliar suas ações de combate a crimes de corrupção envolvendo recursos federais. Com isso, passará a haver cruzamentos entre todas as bases de dados que as duas instituições possuem.

Nas últimas semanas, denúncias de corrupção explodiram em vários estados. No Amapá, durante a Operação Mãos Limpas da Polícia Federal, foram presos o governador Pedro Paulo Dias (PP) e o ex-governador Waldez Góes (PDT), além de outras 16 pessoas. No Tocantins, o Ministério Público investiga a suposta participação do governador Carlos Gaguim (PMDB) num esquema de fraudes em licitações.

Outros escândalos desse tipo também estão sendo investigados no Mato Grosso do Sul e Alagoas. Em Roraima, a compra de votos de eleitores se tornou tão comum que a Justiça Eleitoral local proibiu saques acima de R$ 10 mil para evitar a prática. Além disso, em março, o então governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, renunciou ao cargo depois de ser preso por conta do envolvimento no chamado mensalão do DEM, com pagamento de propinas para deputados distritais e desvio de verbas públicas.

Juiz do Tocantins censura imprensa caso de corrupção que cita governador

O ESTADO DE S. PAULO, 27 de setembro de 2010

Decisão proíbe divulgação no jornal O Estado de S. Paulo e em outros 83 veículos de qualquer dado sobre investigação a respeito de participação de Carlos Gaguim em grupo criminoso


O desembargador Liberato Póvoa, do Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins (TRE-TO), decretou censura ao Estado e a outros 83 veículos de imprensa, proibindo-os liminarmente de divulgar qualquer informação a respeito de investigação do Ministério Público de São Paulo que cita o governador Carlos Gaguim (PMDB) como integrante de organização criminosa para fraudes em licitações.

A mordaça, em 9 páginas, foi imposta sexta-feira e acolhe pedido em ação de investigação judicial eleitoral da coligação Força do Povo, formada por 11 partidos, inclusive o PT, que apoia Gaguim. Na campanha pela reeleição, Gaguim tem recebido no palanque a companhia do presidente Lula e da candidata petista à Presidência, Dilma Rousseff.

O desembargador arbitrou "para o caso de descumprimento desta decisão" multa diária no valor de R$ 10 mil. Ele veta, ainda, publicação de dados sobre o lobista Maurício Manduca. Aliado e amigo do governador, Manduca está preso há 10 dias. A censura atinge 8 jornais, 11 emissoras de TV, 5 sites, 40 rádios comunitárias e 20 comerciais.

O diretor de Conteúdo do Grupo Estado, Ricardo Gandour, considera um "absurdo a decisão judicial de censurar jornais". Ele ressalta que a medida, "além de afrontar a Constituição, se revela mais uma tentativa de impedir a imprensa de cumprir seu papel histórico de fiscalizar a gestão pública".

O gerente jurídico do Estado, Olavo Torrano, disse que a decisão "causa preocupação e perplexidade". O jornal vai recorrer.

A ação foi proposta contra a coligação Tocantins Levado a Sério, de Siqueira Campos (PSDB), opositor de Gaguim, que estaria veiculando "material ofensivo, inverídico e calunioso". O ponto crucial do despacho de Póvoa é o furto de um computador do Ministério Público paulista em Campinas. Os promotores investigam empresários por fraudes de R$ 615 milhões em licitações dirigidas em 11 prefeituras de São Paulo e no Tocantins.

Na madrugada de quinta-feira, uma sala da promotoria foi arrombada. O único item levado foi a CPU que armazenava arquivos da operação que revela os movimentos e negócios do lobista e sua aliança com Gaguim.

O desembargador assinala que a investigação corre sob segredo de Justiça e sustenta que os dados sobre o governador foram publicados a partir do roubo do computador - desde sábado, 18, cinco dias antes do roubo, o Estado vem noticiando o caso.

O desembargador reputa "levianas as divulgações difamatórias e atentatórias" a Gaguim. Segundo ele, "o que se veicula maliciosamente é fruto de informação obtida por meio ilícito que, por si só, deveria ser rechaçado pela mídia". "A liberdade de expressão não autoriza a veiculação de propaganda irresponsável, que não se saiba a origem, a fonte. Tudo fora disso fere a Constituição e atinge profundamente o Estado Democrático."

"Por essas razões tenho que essa balbúrdia deve cessar", afirma. "Determino que todos os meios de comunicação abstenham-se da utilização, de qualquer forma, direta ou indireta, ou publicação dos dados relativos ao candidato (Gaguim) ou qualquer membro de sua equipe de governo, quanto aos fatos investigados."


Quando o Judiciário serve de biombo aos interesses políticos
João Bosco Rabello

A perversa combinação de interesses que atrela juízes a políticos responde pela banalização do segredo de Justiça, originalmente destinado a preservar a privacidade de cidadãos envolvidos em processos de conteúdos caros a famílias ou a interesses comerciais legítimos.

A dependência de indicação e aprovação políticas para ascensão na carreira torna uma parcela do Judiciário submissa à troca de favores com aqueles que avalizam nomeações.

É nesse contexto que o conceito de segredo de Justiça ganhou elasticidade e passou a ser um instrumento de preservação de maus políticos flagrados em delitos diversos.

Ainda que o interesse público esteja acima do particular, juízes atropelam com frequência essa regra em defesa do suspeito e contra o cidadão, blindando processos para proteger exclusivamente a autoridade política da exposição que pode lhe custar o mandato ou, no mínimo, a imagem.

É o que já se assistiu no caso do empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (AP), que obteve uma censura contra o Estado que já dura exatos 423 dias.

Agora, é a vez de um juiz do Tocantins, Liberato Costa Póvoa - que responde a processo no Conselho Nacional de Justiça sob acusação de venda de sentença -, estabelecer uma nova censura ao Estado, extensiva a 83 veículos nacionais, proibindo reportagens com denúncias contra o governador.

Ignora por conveniência que jornalista não é guardião de sigilo do Judiciário. Ao contrário, tem o dever de revelá-lo, como no caso do nepotismo cruzado que garante à mulher do magistrado emprego em cargo comissionado no governo que protege, informação restrita a poucos no Tocantins.

Também não se pode subtrair de qualquer análise honesta sobre a decisão do juiz o estímulo que representa o ambiente hostil à imprensa criado pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, criminalizando jornalistas que trabalham amparados pela Constituição, para defender seus interesses.

O estímulo presidencial tem longo alcance e não é exagero imaginar que, nas suas reflexões para assinar o ato infeliz, Póvoa tenha experimentado um sentimento íntimo de respaldo presidencial.

Pode ser até que ele o cometesse de qualquer maneira, mas, com certeza, sentiu-se mais confortável ao lembrar que tem um presidente da República que pensa exatamente igual: imprensa isenta é aquela que pensa como eu e que não incomoda com denúncias.


João Bosco Rabello é diretor da sucursal de Brasília do jornal O Estado de S. Paulo

Polícia Militar tenta impedir circulação da revista Veja

O ESTADO DE S. PAULO, 26 de setembro de 2010

Armados de fuzis, os PMs ficaram de prontidão no Aeroporto de Palmas à espera do voo que levava a revista


A Polícia Federal teve de ser acionada na madrugada de ontem para garantir a distribuição dos 8 mil exemplares da revista Veja no Tocantins. Para tentar impedir que a publicação chegasse às bancas, o governo do Estado mobilizou efetivo de 30 policiais militares. Armados de fuzis, os PMs ficaram de prontidão no Aeroporto de Palmas à espera do voo que levava a revista.

Os PMs tinham a missão de localizar e apreender os exemplares de Veja. A revista, no entanto, não faz parte da lista de veículos de comunicação censurados pela liminar do desembargador Liberato Póvoa.

Acionado na madrugada, o procurador da República Álvaro Lotufo Manzano requisitou apoio da PF para escoltar o carregamento do aeroporto até a distribuidora da revista em Palmas. Uma equipe de reportagem da coligação Tocantins Levado a Sério, rival de Gaguim nas eleições, filmou toda a ação.

Entidades protestam contra censura

O ESTADO DE S. PAULO, 27 de setembro de 201

OAB, Abert, ANJ e Transparência Brasil condenam decisão de juiz do TRE do Tocantins e defendem liberdade de imprensa


Entidades representativas como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação Nacional dos Jornais (ANJ) protestaram ontem contra o novo episódio de censura determinado pela Justiça, desta vez no Tocantins.

"A liberdade de imprensa é um valor da sociedade, um bem jurídico, preceito constitucional de proteção ao direito e à cidadania", disse ao Estado o presidente da OAB, Ophir Cavalcante. "Quando se proíbe a divulgação de informações baseadas em fatos, está se ferindo o preceito constitucional de garantias ao Estado de Direito. É preciso repudiar essas atitudes."

Ophir se referiu à decisão do desembargador Liberato Póvoa, do Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins, que decretou a censura ao Estado e a outros 83 veículos de comunicação. Jornais, emissoras de rádio e televisão e sites de internet foram proibidos de publicar informações a respeito da investigação que aponta o governador do Tocantins, Carlos Gaguim (PMDB), e o procurador-geral do Estado, Haroldo Rastoldo, como integrantes de suposta organização criminosa para fraude em licitações públicas.

Direito dos cidadãos. A ANJ divulgou nota oficial para protestar contra a medida determinada pelo desembargador. "A Associação Nacional de Jornais lamenta e condena a decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins de proibir a divulgação - "de qualquer forma, direta ou indireta" - de informações relativas ao governador do Estado e candidato à reeleição, Carlos Gaguim, ou a qualquer integrante de sua equipe de governo, em investigação feita pelo Ministério Público do Estado de São Paulo", afirma o texto.

Para a entidade, a proibição de publicação de notícias "é uma afronta à Constituição brasileira, que veda qualquer tipo de censura prévia". "A censura fere o direito dos cidadãos de serem livremente informados, especialmente nesse período que antecede as eleições. A ANJ espera que a própria Justiça revogue a proibição, em respeito aos princípios democráticos da Constituição."

Primeira instância. Luís Roberto Antonik, diretor-geral da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), afirmou que a medida restritiva "fere frontalmente a Constituição". "Vemos essas decisões da Justiça de primeira instância com extrema preocupação", disse. "É um assunto de muita relevância, e a mídia fica impedida de divulgar até derrubar o veto em uma instância superior. Nesse processo, muitas vezes se perde o momento em que a divulgação da informação é mais importante. É uma mordaça."

Para Cláudio Weber Abramo, diretor executivo da Transparência Brasil, organização não-governamental que promove o combate à corrupção, o TRE do Tocantins está agindo "de acordo com os interesses" do governador e candidato à reeleição Carlos Gaguim. "É evidente que a decisão foi tomada para beneficiar o governador", afirmou. "Espero que a própria Justiça reverta a decisão."

O juiz Marlon Reis, um dos coordenadores do Movimento de Combate à Corrupção, afirmou que ainda há no Judiciário a "falsa noção" de que o segredo de Justiça, imposto às autoridades relacionadas a investigações e julgamentos, também se aplica aos órgãos de comunicação. "Apenas os órgãos públicos estão sujeitos a essa norma", destacou.

Reis observou que as medidas de censura costumam ocorrer na primeira instância da Justiça. Para ele, novos episódios poderiam ser evitados se houvesse uma súmula vinculante - espécie de orientação geral para todo o Judiciário - sobre esse tema. "O Supremo Tribunal Federal já tem uma posição muito clara sobre a questão."


Reação

CLÁUDIO WEBER ABRAMO
TRANSPARÊNCIA BRASIL
"É evidente que a decisão foi para beneficiar o governador"

LUÍS ROBERTO ANTONIK
ABERT
"Nesse processo, muitas vezes se perde o momento em que a divulgação da informação é mais importante. É uma mordaça"

Menos da metade dos alunos conclui o Ensino Médio

GAZETA DO POVO, 27 de setembro de 2010


Apenas metade dos que ingressam no antigo segundo grau chega ao terceiro ano. Constatação coloca o Brasil diante de um dilema maior do que o direito à escola básica. Antigo segundo grau ficou esquecido entre a educação básica e a faculdade. Gasta-se com o Ensino Médio R$ 1,4 mil por aluno, quando o ideal seriam R$ 2 mil, segundo o MEC


O Brasil festeja a universalização do ciclo básico – cuja cobertura ultrapassa 97% – e a significativa presença de estudantes no ensino universitário. Superou-se a vexatória taxa de 4% da população com curso superior, cifra arrotada, durante décadas, em discursos de formatura, numa celebração estranha ao nosso apartheid educacional. Hoje, estima-se, os “com canudo” beiram os 13% da nação e, ainda que com ressalvas à qualidade, reconhece-se que foram dados passos largos para uma nova ordem educacional.

Todos esses esforços de inclusão e expansão, contudo, criaram para o ensino médio o efeito “esqueceram de mim”. Literal­mente no meio, os três anos do antigo colegial ficaram num estágio de indefinição que preocupa educadores, mobiliza técnicos e atordoa governos.

A maior sangria está na evasão escolar, cujos índices são superiores a 50%, caso se leve em conta quantos concluem o fundamental e quantos chegam ao terceiro ano. O problema é de tal monta que pode ser equiparado a dilemas como as mortes no trânsito ou a epidemia do crack.

Deficiências - Os maus-tratos ao ensino médio são de uma tradição medieval. Basta pensar no desmanche dos cursos profissionalizantes, que por décadas, ainda que debaixo de uma saraivada de críticas, eram um bom motivo para brasileiros de baixa renda permanecerem na escola. Não bastasse, em se tratando da educação um processo paulatino, o ensino médio ainda arca com todas as deficiências do ciclo fundamental e carece de recursos à altura. Estudos institucionais, como os apontados pelo próprio ministro da Educação, Fernando Haddad, indicam que os investimentos por aluno/ano deveriam ser no mínimo de R$ 2 mil, quando hoje não ultrapassam R$ 1,4 mil.

Dados do IBGE divulgados este mês reforçam a impressão de que os adolescentes do médio estão à beira do caminho. O Brasil conta com cerca de 35 milhões de jovens entre 15 e 24 anos – 18,5% da população do país. O contingente forma a chamada “bolha demográfica”. Se essa massa atingir melhores níveis, as chances de desenvolvimento crescem sobremaneira. O contrário disso é um atraso que remeterá o país ao tempo das cavernas. Só resta vencer.

A conta é conhecida, mas mesmo assim, algo como 2 milhões de brasileiros entre 15 e 17 anos estavam fora da escola no ano passado, redundando num dos maiores desperdícios de potencial humano de que se tem notícia. A esse número se soma a informação de que mais de 50% dos que cursam o ensino regular ou profissionalizante têm defasagem idade-série, o que os aproxima perigosamente da situação de abandono.

Relatório - Há três anos, a Rede Latino-Americana de Informação Tecnológica (Ritla) fez o alerta ao publicar o estudo Relatório de Desenvolvimento Juvenil, dando contas da fragilidade do ensino médio em terras tupiniquins. Desde então, quem acompanhou as páginas de educação na imprensa pôde conferir detalhes da maré baixa a que estão sujeitos os escolares adolescentes. Mesmo assim, não há muitas políticas dignas de nota. Nesse cenário, um dos poucos estados que se destaca é o do Paraná (leia na página seguinte).

Os dados da Ritla e de demais fontes disponíveis invariavelmente mostram a dificuldade da escola em falar com o estudante acima de 15 anos, de mantê-lo nas instituições e de ajudá-lo a superar deficiências trazidas dos oito primeiros anos de escolaridade. De todos os quadros, contudo, um dos mais assustadores é o que aponta para a desvalorização do ensino médio no mundo do trabalho, o que indica o pouco caso do capital com a juventude.

Concluir os três anos “mé­­dios” não representa, como em tempos idos, uma boa colocação no mercado do trabalho, quando secundaristas se tornavam bancários ou técnicos de proficiência reconhecida. O desmanche dos cursos profissionalizantes – moda que pegou no início dos anos 2000 – só veio reforçar essa tendência. O preço da maldade do mercado em premiar quem passou 11 anos em sala de aula é o desestímulo em continuar.

Inadequação - Não há estudos conclusivos, mas a baixa frequência no ensino médio tem a ver com a inadequação de linguagem dos professores – pouco preparados para lidar com adolescentes de uma sociedade de violência, competição e cada vez mais seduzida por avanços tecnológicos. Não raro, secundaristas apontam a dificuldade em ver utilidade no que aprendem em sala de aula. Um dos efeitos é a migração para os EJAs – a educação de jovens e adultos, distorcendo a intenção do programa, que é o de atender estudantes mais velhos, há tempos afastados da escola, e não adolescentes em condições de fazer cursos regulares.


Sob as bênçãos de Paulo Leminski
José Paulo Porrat tem 19 anos, é terceiranista e quer ser advogado. Lucas Müller, de 18, seu colega de classe, quer cursar Gestão da Informação e sonha com a vida política: já se filiou ao PSDB. A matogrossense Caroline Garcia, 17 anos, vai fazer carreira em Publicidade. E o paraense Adriano Saldanha, 19 anos, não só se prepara para o vestibular de Letras como já engatinha na vida literária. Ele encerrou a roda de conversa com a reportagem da Gazeta do Povo com um conto escrito à mão, fazendo jus à fama da escola em que estuda, o Colégio Estadual Paulo Leminski, no bairro Tarumã, em Curitiba.

O encontro foi acompanhado pela diretora da instituição, a professora Célia Luzzi, e serviu de termômetro sobre a quantas anda o ensino médio. A contar pelo quarteto – articulado e crítico – pode ser o melhor dos mundos, mostrando que não investir no professorado que lida com essa faixa etária merece um atestado de insanidade. Hoje há 4,8 mil professores do estado em formação continuada – metade deles em tempo integral. A expectativa é que o ensino médio tire proveito do programa.

Outro indicativo é a festejada diversidade da escola pública. Lucas é egresso de uma das melhores escolas particulares de Curitiba, o Medianeira. Caroline estudou na rede privada da rica Sinop, no Norte matogrossense. A família de José Paulo tem opção pelo ensino oferecido à população. E Adriano vem de uma família de poucas letras. Migrou do Norte para Curitiba por ouvir dizer que aqui havia melhores condições de ensino.

Resistência - Dificilmente esse grupo se encontraria noutro lugar não fosse o Colégio Paulo Leminski – instalado em uma antiga instituição correcional e hoje convertido num dos melhores desempenhos do Enem. Célia, a diretora, assim como a nova coordenadora do ensino básico da Secretaria de Estado da Educação, Fátima Navarro, têm reservas à maneira como os rankings são divulgados. Por isso, preferem se referir à Leminski como uma escola de resistência, que manteve o curso do Magistério no início da década, mesmo com a ordem de que fosse fechado. Hoje, tem uma dezena de cursos profissionalizantes e funciona como uma usina de conhecimento.

Os alunos reconhecem a valentia da escola. Mas não deixam de reconhecer, qual técnicos do Ministério da Educação, os abalos a que está sujeito o ensino médio. Viram colegas desistir da sala de aula. Cons­tatam que muitos não veem serventia no que aprendem. E que os professores padecem para tornar o conhecimento atraente para uma faixa etária seduzida por computadores e automóveis.

Mesmo para eles, que abraçaram o ensino, a escola tem de representar um avanço na vida profissional. “Não quero ganhar pouco a vida toda”, diz José Paulo, que trabalha no Fórum Civel. A diretora Célia, com Paulo Freire na ponta da língua e uma sala toda decorada com as fotos do documentarista Sebastião Salgado, bem que tenta avivar no grupo a ideia de que a gente não estuda para ganhar dinheiro. Eles concordam. Mas permanecem pragmáticos.

“Sinto angústia. Penso onde o que aprendi vai me levar. Já sugeri que houvesse a disciplina Matemática Financeira”, pontua o articulado Lucas. “A sociedade precisa incentivar o ensino médio”, reforça. Caroline faz um quase apelo: “Poxa vida, queria que meu esforço fosse valorizado.”


A virtude está no ensino médio
Educação de Jovens e Adultos (EJA) - Em 2008, apenas no Núcleo Estadual de Educação de Curitiba, mais da metade das matrículas no ensino médio passaram a ser do modelo regular, moderando o avanço da EJA. O núcleo de Curitiba corresponde a 10% da rede estadual de ensino. No estado todo, de um ano para outro, houve redução de 16 mil alunos de educação de jovens e adultos, garantindo essa modalidade para os que têm grande defasagem idade e série. Um a cada três jovens no Brasil vive esta situação.

Ensino regular - Dos mais de 600 mil alunos do ensino médio no estado, 532 mil estão no regular. Caso consiga manter esse ritmo, o Paraná tende a fortalecer, nos próximos anos, sua parcela de jovens com formação básica, compatíveis com as exigências do mundo do trabalho. Hoje, apenas 54,3% dos alunos estão na série adequada, portanto, menos sujeitos à evasão.

Desafio - O Paraná tem 1,8 milhão de jovens, 900 mil na escola, 600 mil no ensino médio e 350 mil na faixa adequada para o antigo colegial. Diminuir esse funil deve ser a prioridade do próximo secretário de estado da Educação.

Fontes: Seed, Ritla e IBGE.

Em Curitiba, população declara guerra contra ao antipó

BEM PARANÁ, 24 de setembro de 2010

Moradores alegam que quanto mais longe do centro, pior a qualidade da pavimentação
Ruas da periferia de Curitiba são pavimentadas com antipó: após as chuvas grandes buracos se formam

Todo ano é a mesma situação: depois dos períodos de chuva intensa, as ruas de Curitiba ficam esburacadas e os motoristas precisam de uma dose extra de paciência para se movimentarem pelas vias dos bairros periféricos. Os buracos abrem rapidamente porque o sistema usado pela Prefeitura é o de antipó, que exige operação tapa-buracos logo após de cada chuva.

Cansado dessa situação, o empresário Antonio Marques França, que mora no Xaxim e trabalha no Hauer, criou um movimento civil pelo fim do antipó e para cobrar um plano da Prefeitura por um projeto de melhoria das ruas. “Depois das chuvas as ruas ficam intransitáveis e a obra de remendo realizada não dura 60 dias. É dinheiro público jogado fora”, reclama Marques.

O empresário critica também a desproporcionalidade de investimentos entre os bairros nobres e periféricos. “Uma minoria tem o privilégio de ter um asfalto definitivo. Agora vá para os bairros, ali é a situação de abandono”, lamenta. Marques cita como exemplo a intervenção que ocorreu na Avenida Nossa Senhora da Luz, que no seu prolongamento passa a se chamar Avenida Marechal Humberto Castello Branco. A via passa pelos bairros Cristo Rei, Hugo Lange, Jardim Social e Cabral.

“A qualidade do asfalto naquela avenida já estava muito boa. Aconteceu a obra e a avenida foi toda recapada. Nos bairros mais distantes, é o contrário. O que sobra para a população são os solavancos e os buracos”, critica. “O que vemos em todas as regiões são ruas que não condizem com o status que Curitiba tem, de capital do Estado do Paraná e maior cidade do Sul do Brasil. Uma obra que recuperasse de fato as ruas e avenidas seriam revertidas em economia”, complementa.

O empresário lembra o fato de que Curitiba será uma das cidades-sede da Copa do Mundo de 2014 e até lá diz esperar que a situação mude. “Vamos ter um estádio de primeiro mundo e avenidas da região do Água Verde que vão ser um espetáculo. Enquanto isso, os bairros vão continuar vivendo esta triste realidade? Ou vamos ser lembrados só na hora de pagar a conta?”, questiona.

Bairros de diferentes regiões da cidade dão um panorama da situação dramática da maioria das ruas de Curitiba. São de bairros fora do anel central da Capital que chegaram a maioria das assinaturas do abaixo-assinado promovido por Marques. Foram cerca de 2.300 assinaturas das mais distintas regiões, como Boqueirão, Capão Raso, Bairro Alto e Boa Vista. “Vale ressaltar que com um panorama como este é possível fazer pesquisas de intenção de voto para presidência da República. Então estatisticamente é possível comprovar que a maioria dos curitibanos está descontente com o trabalho que vem sendo feito em relação ao asfalto”, avalia Marques.

O fim do antipó era uma das promessas do segundo mandato do então prefeito Beto Richa. No ano passado, a prefeitura tinha um planejamento de implantar o asfalto definitivo em 300 km de vias com antipó. Mas detalhe, 300 km de ruas por onde passam linhas de ônibus dos transporte coletivo até 2012.


Problemas atingem de Norte a Sul da cidade
A reportagem conversou com moradores de diversas regiões da cidade para analisar como anda a percepção do curitibano em relação à qualidade das ruas dos seus bairros. O analista de testes Eduardo Neffi Toporoski mora no Atuba, no norte de Curitiba, e trabalha no Parolin. Em seu trajeto, passa por bairros nobres da cidade e percebe o contraste. “A impressão é que se tem é que os bairros onde o IPTU é mais alto há um cuidado maior e um diferencial nas intervenções. Até sinalização da obra é bem feita. Já os bairros mais populares são mais esquecidos”, compara.

Toporoski cita como exemplo de abandono a Estrada do Santa Cândida, onde diversas linhas de ônibus transitam. “É lamentável a situação ali, são vários remendos e buracos. Você desvia de um e cai em outro”, reclama. “Outra via muito ruim é a Rua Fagundes Varela, entre a Linha Verde e a região do Cabral. Não dá para andar por ali. Dá para perceber que as obras que acontecem na região central são para turistas verem”, afirma.

No outro lado da cidade, o fotojornalista Robertson Luz também sente o abandono. Ele mora no Pinheirinho, no sul da cidade, e trabalha no Juvevê, considerado um bairro nobre da capital. “Depois que passa o Portão, até a rápida que vem do Centro tem buracos. Já no bairro em que trabalho, não falta uma só tartaruga no chão”, comenta.

Luz afirma que sua mãe já se acidentou devido à falta de sinalização em ruas do bairro em que mora. “Não há placas de preferencial em diversos cruzamentos e é ali que os acidentes acontecem. Em uma rua melhor sinalizada, o trânsito fica melhor. Minha mãe passou por um cruzamento sem sinalização e se acidentou”, conta o fotojornalista. “A questão é que a Prefeitura nunca deu a mesma atenção que dá para as regiões centrais à periferia”, acrescenta.

O leiturista Kahoê Mudry, morador do Capão da Imbuia, sabe bem o que Luz fala. Diariamente, durante o seu trabalho, ele caminha por regiões da cidade que nem asfalto tem. “Nos bairros nobres a pavimentação é maravilhosa e longe do centro mal e mal um farelo de asfalto, que se solta na primeira chuva”, pontua. Outro fato que chama atenção do leiturista são as obras pela metade. Mudry conta que a rua da sua casa foi reformada, mas a intervenção da Prefeitura não foi até o fim da via.
“Em um espaço de seis quadras o asfalto foi colocado, mas no restante não. Por que em uma obra no Batel a transformação é completa?”, questiona. Outra rua também problemática no opinião do morador do Capão da Imbuia: a Rua Suécia, no Tarumã. “Ela tem um fluxo de veículos muito alto e na mesma proporção está a qualidade do asfalto, só que para baixo”, analisa.

Na regional do Santa Felicidade, os mesmos problemas, mas contradições maiores. O publicitário Diogo Cotovicz, morador do Órleans, conta que várias obras estão acontecendo na sua região. Porém, elas ficam concentradas apenas em um lugar. “A Avenida Toaldo Túlio está sendo transformada, nova iluminação, novo asfalto, muito mais qualidade. Mas a obra para na BR-277. De um lado do viaduto, uma via maravilhosa, e do outro, na Rua João Falarz, buracos e remendos?”, sugere.

No seu bairro e nos vizinhos Cidade Industrial e Campo Comprido, a situação é a mesma, avalia Cotovicz. “Tem mais buraco que asfalto e a sinalização é ruim. Para trafegarmos pelas vias só fazendo zigue-zague. As atitudes da cidade [de favorecer regiões mais nobres] é mostrar que aparentemente tudo funciona, mas não é a realidade. Os moradores do bairro estão descontentes e abandonados. Além disso, estamos cansados de promessas eleitoreiras a cada quatro anos. Disso estamos cheios”, critica.

Petrobrás: Como foi mesmo esse maior negócio do mundo?

O ESTADO DE S. PAULO, Marco Antonio Rocha, 27 de setembro de 2010


Tendo o presidente Lula proclamado que a capitalização da Petrobrás foi "o maior negócio da história do capitalismo mundial", é obrigatório que a gente se debruce sobre o assunto. Ele deve saber o que diz, pois, como ex-sindicalista, conhece profundamente a história do capitalismo, apesar de sabermos da sua conhecida tendência de hiperdimensionar quase tudo o que ocorre no seu governo e subdimensionar quase tudo o que ocorreu nos governos dos outros - desde a invenção da República moderna.

É necessário, por isso, ir atrás de detalhes de acontecimento tão importante para a maioria dos brasileiros, principalmente para os que são, ou pretendem ser, acionistas da "segunda maior petroleira do mundo", conforme trombetearam jornais com base nos R$ 120 bilhões alegadamente arrecadados na oferta de ações da gigantesca financiadora da propaganda de si mesma e do governo nos canais de televisão, nas rádios e na imprensa em geral. Aliás, é sempre oportuno lembrar que, se a Petrobrás reduzisse um pouco esses gastos não tão necessários - uma vez que não tem nenhum competidor no Brasil -, talvez pudesse vender um pouco mais barato seus combustíveis e insumos, em benefício do conjunto da economia. Mas esse é um tema para outra ocasião.

No momento o grande esforço de qualquer jornalista deve ser no sentido de explicar em linguagem inteligível a formidável capitalização da Petrobrás.

É o seguinte: dos R$ 120 bilhões, um pouco mais de R$ 74 bilhões vieram, ou virão, do setor público (Tesouro, BNDES, Caixa, Banco do Brasil, fundos de pensão de funcionários, etc.). O restante, que de fato representa dinheiro em caixa, sai do setor privado (nacional ou estrangeiro, bancos, fundos, empresas, pessoas físicas, etc.).

Aqueles R$ 74 bilhões do setor público equivalem à "cessão onerosa de 5 bilhões de barris de petróleo" que a União, maior acionista da Petrobrás, detém como dona de uma parcela do petróleo descoberto pela empresa, no pré-sal ou fora dele. Então, a União como que empresta para a Petrobrás os 5 bilhões de barris da sua parte no petróleo, que passam a integrar o capital da Petrobrás. Com o capital assim aumentado, a relação dívida/patrimônio da empresa - que já estava mais ou menos no limite, dificultando que a Petrobrás tomasse empréstimos para explorar o pré-sal - melhora, elevando o potencial de endividamento de empresa.

Mas esse empréstimo virtual, de 5 bilhões de barris de petróleo que estão no fundo do poço, se materializa num empréstimo real de R$ 74 bilhões em títulos do governo, que a Petrobrás pagará ao longo dos anos, à medida que for vendendo os barris de petróleo ou apurando mais lucros do que hoje em dia.

Bom, essa é a operação em si, contada pelo governo e pelos jornais. E, caros leitores, é uma história que decorei para contar aos leitores - repetindo o que diz meu colega Rolf Kuntz. Mas ficarei embaraçado se me perguntarem se entendi.

Sim, porque há coisas que não estão explicadas direito ou só poderão ser explicadas quando forem desvendadas e exploradas as tais reservas do pré-sal.

Uma delas é como foi que se chegou à conclusão de que os 5 bilhões de barris da tal "cessão onerosa" valem R$ 74 bilhões. Firmas de consultoria estimaram o preço dos barris entre US$ 5 e US$ 12, o que na média dá US$ 8,5 - que, multiplicado por 5 bilhões, dá US$ 42,5 bilhões ou mais ou menos os tais R$ 74 bilhões, com o dólar, digamos, a R$ 1,74. Mas houve um outro cálculo que levou em conta a quantidade e os preços do petróleo que haveria em cada uma das seis áreas a serem exploradas e cuja média ponderada daria US$ 8,51 o barril, curiosamente, quase a mesma coisa da estimativa feita pela média aritmética simples. Mas tanto num caso quanto no outro o preço é pura ficção.

É que nas sete áreas de reservas marítimas que justificaram a gigantesca engenharia financeira só foi feito um furo até agora, cabendo então perguntar: qual a garantia de que dali se poderá extrair os 5 bilhões de barris que a Petrobrás "comprou" da União na operação, mais os que serão propriedade dela?

Finalmente, há que mencionar as nebulosas condições de exploração do pré-sal: quem disse que tirar petróleo de 8 mil metros de profundidade terá custos suportáveis pelos preços por que se consegue vendê-lo? Quem disse que os desafios tecnológicos já estão todos resolvidos, mesmo que a Petrobrás seja especialista em águas profundas? Quem disse que os riscos do empreendimento são previsíveis, depois do que aconteceu no Golfo do México? Quem disse que vai ser fácil e barato encontrar seguradoras para arcar com esses riscos?

Tantas incertezas deveriam afastar, e não atrair, investidores privados. Mas é que não são investidores. São jogadores do cassino financeiro moderno. E, no momento, só estava aberta no salão a "mesa" Petrobrás. Amanhã irão para outra.

Quanto ao maior negócio da história do capitalismo mundial, foi o dinheirinho de fretamento do Mayflower, o navio que levou um punhado de ingleses para a Nova Inglaterra, nos EUA, e que deu, de "lucro", a mais pujante economia do planeta.