segunda-feira, 1 de março de 2010

José Dirceu, o maior lobista do país

REVISTA VEJA, Edição 2154 - 3 de março de 2010

José Dirceu, o "consultor" mais quente da República, aparece no meio de uma bilionária operação que pretende botar em pé uma empresa estatal de internet e, claro, fazer a fortuna de alguns bons companheiros



De tempos em tempos, o governo Lula se vê obrigado a explicar ne-gócios obscuros, lobbies bilionários, maletas de dinheiro voadoras e beneficiamento a grupos privados. Já é uma espécie de tradição petista. E o que une todos esses casos explosivos? José Dirceu, o ex-militante de esquerda e ex-ministro-chefe da Casa Civil que se transformou no maior lobista da República. Onde quer que brote um caso suspeito incluindo gente do PT e dinheiro alto, cedo ou tarde o nome de Dirceu aparecerá. Ele tem se esgueirado nas sombras, como intermediador de negócios entre a iniciativa privada e o governo desde 2005, quando foi expurgado do cargo de ministro por causa do escândalo do mensalão. Sem emprego, argumentou que precisava ganhar a vida e se reinventou como "consultor", o eterno eufemismo para "lobista". Passou a oferecer, então, duas mercadorias: informação (dos tempos de Casa Civil, guarda os planos do governo para os mais diversos setores da economia) e influência (como o próprio Dirceu adora dizer, quando ele dá um telefonema para o governo, "é O telefonema"). Em ambos os casos, cobra bem caro por seus serviços.

Na semana passada, um dos serviços do "consultor" José Dirceu causou um terremoto em Brasília. Os jornalistas Marcio Aith e Julio Wiziack revelaram que ele está metido até a raiz dos cabelos implantados em uma operação bilionária para criar a maior operadora de internet em banda larga do país. O negócio está sendo coordenado pelo governo desde 2003 e vai custar uma montanha de dinheiro público – fala-se em até 15 bilhões de reais. Deverá fazer a alegria de um grupo de investidores privados que, ao que tudo indica, tiveram acesso a informações privilegiadas e esperam aproveitar as ações do governo para embolsar uma fortuna. O Plano Nacional de Banda Larga – nome oficial do projeto sob suspeita – começou a ser gestado no início do governo Lula, quando Dirceu ainda era ministro. A ideia era criar uma estatal para oferecer internet em alta velocidade a preços subsidiados em todo o país – uma espécie de "Bolsa Família da web".

Dirceu passou a defender a ideia de que a nova empresa fosse erguida a partir de outras duas, já existentes, mas que estavam em frangalhos: a Telebrás, que depois da privatização do sistema de telefonia, em 1998, ficou sem função, e a Eletronet, dona de uma rede de fibra óptica que cobre dezoito estados. A Eletronet era uma parceria da Eletrobrás e da americana AES, mas, por ser deficitária, estava em processo de falência. O projeto de Dirceu era capitalizar as duas companhias e fazer com que a Telebrás oferecesse internet em alta velocidade usando a rede da Eletronet. O presidente Lula aprovou a proposta – afinal, não é todo dia que se antevê uma estatal inteira, pronta para ser aparelhada. Apesar de o projeto ter sido desenhado em 2003, só começou a se tornar público em 2007. E este foi o pulo do gato: quem ficou sabendo dos planos oficiais com antecedência teve a chance de investir nas ações das duas empresas e, agora, poderá ganhar um bom dinheiro com o desenlace do plano.

O maior beneficiário em potencial atende pelo nome de Nelson dos Santos – lobista, como Dirceu, mas de menor calibre. Em 2004, Santos (ainda não se sabe por qual canal) tomou conhecimento da intenção do governo de usar a Eletronet para viabilizar o sistema de banda larga. A maior parte do capital da Eletronet (51%) estava nas mãos da AES. Santos conhecia bem a companhia: em 2003, havia feito lobby para renegociar uma dívida de 1,3 bilhão de dólares da AES com o BNDES, e teve sucesso. Quando descobriu que a falida Eletronet poderia virar ouro, convenceu a direção da AES a lhe repassar suas ações na empresa pelo valor simbólico de 1 real. A AES topou. Achou que estava se livrando de um problemão, pois a Eletronet acumulava dívidas de 800 milhões de reais. Na reta final do negócio, Santos foi surpreendido por três outros grupos que também se interessaram pela compra – o GP Investimentos, a Cemig e a Companhia Docas, do empresário Nelson Tanure –, mas o lobista venceu a disputa. Por orientação dele, as ações da AES na Eletronet foram transferidas à Contem Canada. VEJA descobriu que a Contem de Canadá só tem o nome. Ela é uma offshore controlada por brasileiros que investem no setor de energia. Como está fora do país, ninguém sabe ao certo quem são seus cotistas. Posteriormente, metade dessas ações foi repassada à Star Overseas, outra offshore, das Ilhas Virgens Britânicas, pertencente a Santos. Offshore é a praia de Dirceu.

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