quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Como expandir a educação superior sem financiamento?

VALOR ECONÔMICO, Fábio J. Garcia dos Reis, 29 de outubro de 2010

Estão matriculados em no ensino superior apenas 13,7% dos jovens brasileiros de 18 a 24 anos


Desde janeiro, o Departamento de Educação dos Estados Unidos está negociando novas regras com os diferentes atores que atuam na educação superior com o objetivo de instituir algumas deliberações no Higher Education Opportunity Act, que regulamenta o financiamento federal para os estudantes.

A regra que tem gerado maior polêmica é a que requer que alunos das "for-profit institutions" não possam contrair uma dívida de financiamento se a projeção do seu salário, após terminar a graduação, não for compatível com o empréstimo solicitado. Como o Estado financia o aluno das instituições privadas, mas o estudante não consegue pagar o empréstimo em função dos baixos salários ou mesmo do desemprego, o governo americano questiona se deve continuar financiando estudantes de instituições com fins lucrativos.

O exemplo dos EUA pode servir de parâmetro para a discussão do assunto aqui no Brasil, embora não necessariamente como modelo, pois os sistemas são diferentes. Entre nós, o tema principal do debate ainda é o da urgente necessidade de expansão do ensino superior, mas ele passa obrigatoriamente pela questão do financiamento. Afinal, como vamos expandir nosso sistema de educação superior sem financiamento?

No Brasil, apenas 13,7% dos jovens de 18 a 24 anos estão matriculados em instituições de ensino superior, sendo que 25% deles estudam em instituições públicas, enquanto o setor privado é responsável por 75% das matrículas. Nos EUA, mais de 60% dos jovens nessa faixa etária estão na universidade e, ao contrário do Brasil, 73% deles estudam em instituições públicas e 27% em instituições privadas. Por sua vez, apenas 6,2% dos alunos matriculados no ensino superior brasileiro têm financiamento reembolsável, número muito negativo quando comparado com os EUA, onde mais de 50% dos universitários recebem algum tipo de financiamento estudantil.

O Brasil investe pouco no financiamento da sua educação superior. Não só o percentual brasileiro é muito baixo, como a sua evolução é negativa. Um país que ostenta uma das piores taxas de escolarização líquida, e que possui um baixo número de vagas ofertadas nas universidades públicas, não poderia jamais ter apenas 6,2% dos estudantes com acesso a financiamento estudantil, um índice que era de 8,1% em 2005, e vem caindo desde então.

O Ministério da Educação e os dirigentes públicos continuam se recusando a discutir a cobrança de mensalidade nas instituições de ensino superior públicas brasileiras, sob o argumento que a educação é um bem público, um dever do Estado e, portanto, a oferta pública de educação precisa ser integralmente financiada pelo Estado. Mas poderíamos inverter a discussão. Se o ensino é um bem público, as pessoas que se formam nas instituições públicas utilizam suas habilidades e conhecimentos para o benefício público ou privado? Qual o real retorno para a sociedade? Como as instituições públicas fazem o controle do gasto dos recursos públicos?

Nos EUA, o ensino superior é pago, inclusive em todas as instituições públicas. Segundo o Almanac Issue 2009-2010, um relatório sobre a educação superior publicado pelo jornal "The Chronicle", o preço médio de uma instituição de ensino superior pública (4 anos), com taxas e mensalidades, é de US$ 5,9 mil (cerca de R$ 10,2 mil). Já em uma instituição privada (4 anos), nas mesmas condições, é de US$ 21,5 mil (cerca de R$ 37 mil). No Brasil, segundo dados o Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp), um aluno do curso superior matriculado em uma universidade pública custa anualmente aos cofres públicos R$ 15 mil, o que representa três vezes mais o custo médio de um aluno matriculado numa instituição privada.

Os EUA gastaram, em 2008, mais de US$ 10 bilhões em algum tipo de auxílio para os estudantes. No Brasil, segundo informações do Semesp, o governo brasileiro gasta por ano cerca de R$ 860 milhões por meio do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES) e do Programa Universidade para Todos (ProUni). Esse valor representa cerca de US$ 480 milhões, ou seja, nem um décimo do gasto americano.

O Departamento de Educação dos EUA abriu o debate sobre as regras de financiamento. Aqui, uma boa oportunidade para o debate desse assunto aconteceu em setembro, em São Paulo, quando o especialista em educação sênior do Banco Mundial, Michael Crawford, apresentou alternativas para ampliação do financiamento e do acesso à educação superior durante fórum sobre o ensino superior particular brasileiro. Mas o que ressaltou no evento foi que o foco precisa estar na construção de um sistema de educação superior em que as regras sejam discutidas pelos atores que atuam no interior do sistema, exatamente como está ocorrendo nos EUA.

O Brasil corre o risco de ser pouco competitivo no que se refere a inovação e conhecimento se não aumentar o acesso ao ensino superior, repensar seus indicadores de qualidade na educação superior e estabelecer um Plano Nacional de Educação (PNE) com objetivos e metas coerentes com a nossa realidade e que tenha como parâmetro indicadores internacionais. No geral, as atuais propostas são ideológicas. E, sem uma mudança nessa linha de pensamento, o país não conseguirá promover a expansão do seu sistema de educação superior, com graves consequências para o futuro de toda uma geração.

Fábio José Garcia dos Reis é professor e diretor acadêmico do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (Unisal) e doutor em História Social pela USP


Apesar de empate, STF confirma validade da Lei da Ficha Limpa

G1, 28 de outubro de 2010

Após placar de 5 a 5, ministros decidem que deve vigorar decisão do TSE.
Com isso, deputado federal Jader Barbalho perde registro de candidatura.



O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira (27) que a Lei da Ficha Limpa vale para as eleições deste ano e se aplica a casos de renúncia de políticos a mandato eletivo para escapar de processo de cassação, mesmo nas situações ocorridas antes da vigência da lei. Diante do impasse causado pelo empate em 5 a 5, os ministros optaram por manter a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a norma.

“Quando um caso tem repercussão geral, a conduta da corte tem sido a de dar o mesmo destino para os casos semelhantes. Em tese, salvo alguma particularidade do caso concreto todos os demais casos assemelhados terão que ter o mesmo destino”, afirmou o presidente do TSE e ministro do STF, Ricardo Lewandowski.

Nas situações de candidatos com condenação por decisão colegiada de juízes ou entidade de classe, os recursos serão analisados caso a caso. “Há uma série de recursos, cerca de 12, que ainda serão julgados pelo Supremo e que dizem respeito a outras alíneas da lei. Cada caso é um caso e será examinado", disse Lewandowski.

O STF analisou nesta quarta o recurso do deputado federal Jader Barbalho (PMDB-PA), barrado na disputa a uma vaga de senador pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com base na Lei da Ficha Limpa. Mesmo com registro indeferido, Jader Barbalho recebeu 1.799.762 de votos e, caso não tivesse sido barrado, seria eleito em segundo lugar para uma vaga no Senado.

O deputado teve a candidatura questionada porque renunciou ao mandato de senador, em 2001, para evitar um processo de cassação em meio às investigações do caso que apurava desvios no Banpará e também por denúncias de envolvimento no desvio de dinheiro da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).

O candidato sempre negou irregularidades. Sua defesa afirma que a renúncia não representou atentado à moralidade pública porque o então senador foi alvo apenas de denúncias publicadas na imprensa.

Com a decisão do Supremo, o Tribunal Regional Eleitoral do Pará pode convocar novas eleições para o Senado no estado. A soma dos votos obtidos pelo deputado Jader Barbalho e pelo terceiro colocado na disputa – o petista Paulo Rocha, também barrado pela ficha limpa – ultrapassam 50% dos votos válidos. Nesse caso, os votos são anulados, o que, pela legislação eleitoral, abre a possibilidade de realização de novas eleições.

“Primeiro temos que esperar decisão do TRE para depois nos pronunciar, nós TSE”, disse Lewandowski. "O que me preocupa agora é o processo do mesmo estado em relação à mesma vaga de senador", disse o presidente do STF, Cezar Peluso.

Regimento do Supremo
A alternativa dos ministros do STF, de manter a decisão contrária ao recurso de Jader, está prevista no regimento interno do Supremo e já havia sido sugerida na primeira vez que o tribunal analisou a ficha limpa, em setembro.

De acordo com o artigo 205 do regimento interno do STF, “havendo votado todos os ministros, salvo os impedidos ou licenciados por período remanescente superior a três meses, prevalecerá o ato impugnado”.

A possibilidade já havia sido aventada quando o STF analisou o recurso do ex-candidato do governo do Distrito Federal Joaquim Roriz (PSC). Ele também teve o registro negado pelo TSE por ter renunciado ao mandato de senador, em 2007, para escapar de cassação. Na apelação ao STF, o julgamento terminou empatado e Roriz desistiu da disputa eleitoral.

O STF está com um integrante a menos desde agosto, quando o ministro Eros Grau se aposentou. A indicação de um novo ministro é feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que não tem data para ocorrer.

Solução para o impasse
Após o empate no julgamento, o advogado de Jader, Eduardo Alckmin, propôs ao plenário a suspensão da análise do recurso para que ele fosse analisado na mesma sessão que vai decidir sobre recurso de Paulo Rocha.

Por 7 votos a 3, os ministros decidiram concluir o julgamento, mas a sugestão levou a uma discussão generalizada no plenário. "A questão já foi amplamente debatida. Durante 11 horas no primeiro julgamento e, agora, mais cinco [horas] e a proposta é que adie mais uma vez? Nós estamos aqui a brincar?", questionou o relator do recurso, Joaquim Barbosa.

Em meio ao debate, a ministra Ellen Gracie pediu que Marco Aurélio Mello concluísse o voto sobre a proposta da defesa. Ele respondeu em tom de ataque. “Vossa Excelência está presidindo este tribunal? Ministra, não me cobre definição. Se há alguém que se posiciona com coerência sou eu. Ou Vossa Excelência tem viagem marcada?”. A ministra rebateu o colega na mesma hora. "Ainda que tivesse, o respeito pelo tempo alheio é cortesia que se impõe."

Ministros do STF trocam farpas durante julgamento da ficha limpa

G1, 28 de outubro de 2010

STF julgou recurso de Jader Barbalho, barrado pela Lei da Ficha Limpa.
Divisão de opiniões provocou clima tenso e troca de provocações.


O julgamento sobre a Lei da Ficha Limpa no Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quarta-feira (27), foi marcado pela troca de farpas e ironias entre os ministros. A validade da norma para as eleições deste ano e a aplicação da lei dividiram o plenário do tribunal pela segunda vez. Diante do impasse, o julgamento do recurso do deputado federal Jader Barbalho (PMDB) foi desempatado com a manutenção da decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre o tema.

As discussões começaram quando o ministro Gilmar Mendes, que votou contra a aplicação da lei neste ano, acusou o TSE de decidir com “casuísmo” sobre os casos de ficha limpa e afirmou que a lei teria “endereço certo”, de interferir nas eleições para o governo do Distrito Federal (DF).

“Nesse caso específico, a lei tinha endereço certo. Era para resolver a eleição no Distrito Federal. O projeto de relatoria é de Cardoso [deputado federal do PT por São Paulo, José Eduardo Cardozo, hoje coordenador da campanha de Dilma Rousseff]. Ela [lei] é considerada reprovável, reprovada e hedionda”, afirmou Mendes, ao se referir ao julgamento em que o TSE liberou o registro do deputado eleito Valdemar Costa Neto.

As afirmações de Gilmar Mendes sobre casos julgados no TSE provocaram a reação do presidente da Corte, ministro Ricardo Lewandoswki. “Repilo veementemente as acusações”, disse.

A ministra Carmén Lúcia, relatora do caso de Costa Neto no TSE, também repudiou a afirmação de Mendes. “Desde o primeiro ano de direito a gente aprende a tratar os iguais como iguais e desiguais como desiguais. É preciso conhecer antes o caso para falar sobre ele”, disse a ministra.

Diante das críticas de Mendes à condução dada à ficha limpa no TSE, o ministro Ricardo Lewandowski , que também é presidente do TSE, se rebelou contra o colega. "Não refute meu ponto de vista", afirmou.

Durante seu voto, Mendes disse: “Não podemos, em nome do moralismo, chancelar normas que podem flertar com o nazi-facismo”. O clima de tensão entre os ministros ficou ainda mais evidente depois da proposta da defesa de Jader Barbalho para suspender o julgamento. Em diversos momentos do julgamento, os ministros falavam ao mesmo tempo.

"A questão já foi amplamente debatida. Durante 11 horas no primeiro julgamento e, agora, mais cinco [horas] e a proposta é que adie mais uma vez? Nós estamos aqui a brincar?", questionou o relator do recurso, Joaquim Barbosa.

Em meio ao debate, a ministra Ellen Gracie pediu que Marco Aurélio Mello concluísse seu posicionamento sobre a sugestão da defesa. Ele respondeu em tom de ataque. “Vossa Excelência está presidindo este tribunal? Ministra, não me cobre definição. Se há alguém que se posiciona com coerência sou eu. Ou Vossa Excelência tem viagem marcada?”

A ministra rebateu o colega na mesma hora. "Ainda que tivesse, o respeito pelo tempo alheio é algo que se impõe." Em diálogo semelhante, Ayres Britto também pediu a conclusão do voto de Marco Aurélio, que reagiu. “Não aceito fórceps. Vossa Excelência saberá quando eu concluir meu voto.”

Mendes acusa TSE e ministros batem boca

O ESTADO DE S. PAULO, 28 de outubro de 2010

Ministro aponta ''casuísmo'' da corte e Lewandowski e Cármen Lúcia reagem


Depois de sofrerem o desgaste pelo impasse no primeiro julgamento da Lei da Ficha Limpa, em setembro, o que os ministros do Supremo Tribunal Federal não queriam na sessão de ontem era o que eles chamam de "bater lata". A sessão, no entanto, não foi tranquila como esperavam.

A afirmação do ministro Gilmar Mendes de que o Tribunal Superior Eleitoral julgou processos referentes à Lei da Ficha Limpa de forma casuística provocou reações imediatas de Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia, presidente e vice-presidente do TSE, respectivamente.

Mendes referia-se à decisão do TSE na terça-feira de liberar a candidatura do deputado Valdemar Costa Neto (PR-SP), que renunciou ao mandato após descoberto o esquema do mensalão. Os ministros do TSE julgaram que Costa Neto não seria atingido pela Lei da Ficha Limpa porque não havia, como exige a lei, pedido de abertura de processo por quebra de decoro parlamentar contra o deputado antes de sua renúncia.

"Essa decisão de ontem (terça-feira) do TSE sobre também uma situação de renúncia. Não só o casuísmo legislativo, mas o casuísmo jurisprudencial", afirmou Mendes. De imediato, Lewandowski reagiu. "Repilo qualquer insinuação de que o TSE esteja fazendo casuísmo jurisprudencial. Repilo com veemência." Em seguida, Cármen Lúcia, que relatou o processo de Costa Neto, acrescentou: "É melhor que se verifique o que aconteceu antes de se fazer qualquer referência ao Tribunal Superior Eleitoral".

Mendes também deu o voto mais longo. Em mais de uma hora, foi enfático e chegou a esbravejar contra a Lei da Ficha Limpa. Ministros que se reuniram reservadamente na terça-feira para discutir o que fazer diante da repetição do empate, como era esperado, não queriam justamente o alongamento da sessão e o clima apaixonado que tomou o plenário no julgamento do recurso de Joaquim Roriz.

Outro momento tenso foi gerado ao fim do julgamento, quando os ministros começariam a discutir como proclamar o resultado do processo ante o empate na sessão. A ministra Ellen Gracie afirmou que o presidente do STF, Cezar Peluso, deveria colocar o assunto em julgamento. Peluso respondeu: "Se a ministra me permite, eu continuo a presidir o julgamento".

Minutos depois, Ellen envolveu-se num outro desentendimento, com o ministro Marco Aurélio. A ministra cobrava do colega que revelasse rapidamente se aceitava ou não a proposta de adiar o julgamento, para que o caso Jader Barbalho fosse analisado junto com um recurso de Paulo Rocha (PT), que também renunciou e foi eleito para o Senado pelo Pará.

"Vossa Excelência tem viagem marcada?", perguntou Marco Aurélio. Ele também disse que não aceitava fórceps.

Um pouco depois, foi a vez de Marco Aurélio e Carlos Ayres Britto discutirem. Marco Aurélio disse: "Vossa Excelência é um grande engenheiro constitucional." Ayres Britto rebateu: "Eu sou um constitucionalista. Não sei se Vossa Excelência é." Usando uma referência ao hábito do colega de meditar para relaxar, Marco Aurélio questionou se o colega estava ou não estava meditando.

Um mito de papel

O ESTADO D S. PAULO, Demétrio Magnoli 28 de outubro de 2010


"Não me importo de ganhar presente atrasado. Eu quero que o Brasil me dê de presente a Dilma presidente do Brasil", conclamou Lula, do alto de um palanque, dias atrás. Não foi um gesto fortuito. Antes, a Executiva do PT definira a campanha "Dê a vitória de Dilma de presente a Lula". Aos 65 anos, a figura que deixa o Planalto cumpre uma antiga profecia do general Golbery do Couto e Silva. O "mago" da ditadura militar enxergara no sindicalista em ascensão o "homem que destruirá a esquerda no Brasil". Quando o PT trata a Presidência da República como uma oferenda pessoal, nada resta de aproveitável no maior partido de esquerda do País.

Lula vive a sua quarta encarnação. Ele foi o expoente do novo movimento sindical aos 30, o líder de um partido de massas aos 40, o presidente salvacionista aos 60. Agora, aos 65, virou mito. O mito, contudo, é feito de papel. Ele vive nos ensaios dos intelectuais que se rebaixam voluntariamente à condição de áulicos e nos artigos de jornalistas seduzidos pelas aparências ou atraídos pelas luzes do poder. Todavia ele só existe na consciência dos brasileiros como fenômeno marginal. Daqui a três dias, Lula pode até mesmo ficar sem seu almejado carrinho de rolimã. A mera existência da hipótese improvável de derrota de Dilma evidencia a natureza fraudulenta da mitificação que está em curso.

"É a economia, estúpido!", escreveu James Carville, o estrategista eleitoral de Bill Clinton, num cartaz pendurado na sede da campanha, em 1992. George H. Bush, o pai, disputava a reeleição cercado pela auréola do triunfo na primeira Guerra do Golfo, mas o país submergia na recessão. Clinton venceu, insistindo na tecla da economia. Por que Dilma não venceu no primeiro turno, se a economia avança em desabalada carreira, num ritmo alucinante propiciado pelo crédito farto e pelos fluxos especulativos de investimentos estrangeiros?

A pergunta deve ser esclarecida. Lula abordou a sua sucessão como uma campanha de reeleição. No Brasil, como na América Latina em geral, o instituto da reeleição tende a converter o Estado numa máquina partidária. A Presidência, os Ministérios, as empresas estatais e as centrais sindicais neopelegas foram mobilizadas para assegurar o triunfo da candidata oficial. Nessas condições, por que a "mulher de Lula", o pseudônimo do mito vivo, não conseguiu reproduzir as performances de Eduardo Campos, em Pernambuco, Jaques Wagner, na Bahia, Sérgio Cabral, no Rio de Janeiro, Antonio Anastasia, em Minas Gerais, ou Geraldo Alckmin, em São Paulo?

"Há três tipos de mentiras - mentiras, mentiras abomináveis e estatísticas", teria dito certa vez Benjamin Disraeli. Os institutos de pesquisa registram uma taxa de aprovação de Lula em torno de 80%. Cerca de dois terços da aprovação recordista se originam de indivíduos que conferem ao presidente a avaliação "bom", não "ótimo". Nesse grupo, uma maioria não votou na "mulher de Lula" no primeiro turno. Mas a produção intelectual do mito, a fim de fabricar uma "mentira abominável", opera exclusivamente com a taxa agregada. Há muito mais que ingenuidade no curioso procedimento.

As águas que confluem para o rio da mitificação de Lula partem de dois tributários principais, além de pequenas nascentes poluídas pelos patrocínios oriundos do Ministério da Verdade Oficial, de Franklin Martins. O primeiro tributário escorre pela vertente dos intelectuais de esquerda, que renunciaram às suas convicções básicas, abdicaram da meta de reformas estruturantes e desistiram de reivindicar a universalização efetiva dos direitos sociais. Eles retrocederam à trincheira de um antiamericanismo primitivo e, ecoando uma melodia tão antiga quanto anacrônica, celebram a imagem de um líder salvacionista que fala ao povo por cima das instituições da democracia. Nesse conjunto, uma corrente mais nostálgica, que se pretende realista, enxerga em Lula a derradeira boia de salvação para a ditadura castrista em Cuba. A Marilena Chaui pós-mensalão, transfigurada em porta-estandarte do "controle social da mídia", é a síntese possível do lulismo dos intelectuais.

"As pessoas ricas foram as que mais ganharam dinheiro no meu governo", urrou Lula num comício eleitoral em Belo Horizonte, pronunciando um diagnóstico inquestionável. O segundo tributário da mitificação desce da vertente de uma elite empresarial avessa à concorrência, que prospera no ecossistema de negócios configurado pelo BNDES e pelos fundos de pensão. Essa corrente identifica no lulismo o impulso de restauração de um modelo econômico fundado na aliança entre o Estado e o grande capital. Os empresários da Abimaq divulgaram um manifesto em defesa do BNDES, enquanto Eike Batista, um sócio do banco estatal, o cobria de elogios. Na noite do primeiro turno, os analistas financeiros quase vestiram luto fechado. Tais figuras, tanto quanto os controladores da Oi e os proprietários da Odebrecht, representam o lulismo da elite econômica.

O mito ficou nu no primeiro turno. Todos os indícios sugerem que o aguardado triunfo de Dilma foi frustrado exatamente por Lula - que, na sequência do escândalo de Erenice Guerra, afrontou a opinião pública ao investir contra a imprensa independente. "Nem sempre é a economia, estúpido!": os valores também contam. Naquele momento as curvas de tendências eleitorais se inverteram, expressando a resistência de mais de metade dos brasileiros ao lulismo. O jornalismo honesto deveria refletir sobre isso, antes de reproduzir as sentenças escritas pelos fabricantes de mitos.

Os mitos fundadores pertencem a um tempo anterior à História. No fundo, desde a difusão da escrita na Grécia do século 8.º a.C., só surgiram mitos de papel - isto é, frutos da obra política dos filósofos. Por definição, tais mitos estão sujeitos à desmitificação. Já é hora de submeter o mito de Lula a essa crítica esclarecedora.

Demétrio Magnoli, sociólogo e doutor em geografia pela Universidade Estadual de Sâo paulo (USP)

No último debate, eleitores indecisos farão perguntas

FOLHA DE S. PAULO, 28 de outubro de 2010


Os comitês de Dilma Rousseff e José Serra trabalham com a perspectiva de que o último debate da campanha de 2010 terá mais ideias do que farpas.

O evento vai ao ar a poucas horas da eleição, na noite desta sexta (28). Será exibido pela TV Globo, nas pegadas da novela Passione.

As regras do evento inibem o confronto direto. Diferentemente do que ocorreu nos nove debates anteriores, os candidatos não farão perguntas um ao outro.

As questões serão formuladas por um grupo de oito dezenas de eleitores indecisos. Gente de diferentes regiões do país. Segundo o Datafolha, os indecisos somam 8% do eleitorado.

Selecionado previamente, o grupo recebeu uma lista de 19 temas. Cada eleitor escolherá um assunto de sua predileção e formulará cinco perguntas.

Nesta quinta (28), as questões elaboradas pelos eleitores serão repassadas à produção do programa. Passarão por um filtro.

Ao final do processo, restarão as 12 perguntas consideradas mais relevantes sobre cada tópico. Eis a relação de temas:

1. Saúde

2. Educação

3. Meio ambiente

4. Políticas sociais

5. Previdência

6. Investimento em infraestrutura

7. Política econômica

8. Agricultura

9. Saneamento

10. Política externa

11. Corrupção

12. Transportes

13. Desemprego

14. Segurança

15. Habitação

16. Funcionalismo público

17. Impostos

18. Legislação trabalhista

19. Energia

O debate terá três blocos. Em sistema de revezamento, Dilma e Serra responderão a um mesmo número de indagações.

Aquele que responder, ouvirá a réplica do antagonista e terá direito à tréplica. É nesse vaivém que se dará a pretendida fricção de ideias.

Na arena montada pela Globo, os eleitores formarão um semicírculo defronte dos contendores. Ao responder, Dilma e Serra se movimentarão pelo palco.

O formato traz uma vantagem: Ao sonegar aos candidatos a formulação das perguntas evita-se a repetição de uma pantomima.

O telespectador será privado daquele tipo de “pergunta” que, em verdade, serve de degrau para o autoelogio da réplica e para o ataque da tréplica.

Há também uma desvantagem: a passagem das questões dos eleitores pelo filtro prévio conduz à pasteurização. Fulmina-se a espontaneidade do debate genuíno.

A chance de um dos candidatos ser surpreendido é zero. A possibilidade de um escorregão é de menos zero. Daí, aliás, a condordância dos dois comitês.

Critério utilizado por Dilma para medir pobreza é considerado ultrapassado

O GLOBO, Regina Alvarez, 28 de outubro de 2010


A candidata do PT, Dilma Rousseff, tem dito que 28 milhões de pessoas saíram da pobreza durante o governo Lula. A campanha da petista utiliza como régua para medir a linha da pobreza o conceito de meio salário mínimo (R$ 232,50, a preços de 2009), considerado ultrapassado e impróprio por grande parte dos especialistas no tema. A campanha também chegou a um número que é maior do que o apurado por outras instituições, como a Fundação Getulio Vargas (FGV), a partir da mesma metodologia. Estudo recente da FGV sobre a nova classe média calcula que 25 milhões de pessoas cruzaram a linha da pobreza entre 2003 e 2009, três milhões a menos do que o montante apurado pela equipe da candidata.

A FGV utiliza, para medir a pobreza, critério baseado em uma cesta de alimentos e serviços, que leva em conta as diferenças regionais e o custo de vida, além de outros fatores. O número de pessoas que cruzou a linha da pobreza, entre 2003 e 2009, segundo essa metodologia, é de R$ 20,5 milhões. Por esse critério, a linha da pobreza traduzida em reais é diferente em cada região. Na média nacional, corresponde às pessoas que sobrevivem com renda mensal de até R$ 144.

A régua do salário mínimo não leva em conta as diferenças regionais e o custo de vida e, por isso, é um conceito abandonado pela maioria dos estudiosos da pobreza no Brasil. O argumento é que o país dispõe de informações detalhadas e confiáveis sobre a realidade e os padrões de consumo da população em cada região, apuradas na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE, que permitem análise mais sofisticada das classes sociais do país.

O pesquisador Marcelo Neri, coordenador do Centro de Políticas Sociais da FGV, é um dos que criticam o uso do salário mínimo:

" Não é um critério saudável "

- Não é um critério saudável - avalia.

Além disso, o mínimo teve aumentos reais (acima da inflação) nos últimos anos, o que na visão dos críticos distorce a aferição da pobreza.

A pesquisadora Sonia Rocha, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), outra especialista na área, também condena o uso do mínimo para essa medição. Ela usa em suas pesquisas uma cesta alimentar, método semelhante ao da FGV. Pelo critério de Sonia, o número de brasileiros que cruzou a linha da pobreza entre 2003 e 2009 é também de 20,5 milhões.

Em texto sobre o tema, a pesquisadora aponta os problemas do uso do salário mínimo como medida: "Tal procedimento tem a desvantagem de estabelecer um parâmetro sem garantia de que ele permita cobrir o custo associado ao atendimento do conjunto das necessidades básicas, além de negligenciar a existência de diferenciais geográficos deste custo".

Sonia foi do Ipea e lá desenvolveu com outros pesquisadores esse conceito de cesta alimentar já no fim dos anos 80, a partir de dados do IBGE. O conceito chegou a ser amplamente usado pela instituição, mas recentemente o Ipea passou a usar em seus comunicados o critério de meio salário mínimo.

O Ipea informou que "não possui critério oficial para medição da pobreza. Há diversas metodologias e os técnicos da casa trabalham com todas elas".

A assessoria de Dilma defendeu o conceito usado pela campanha: "A metodologia é aceita pelos especialistas, é defensável e de mais fácil comunicação". Disse ainda: "É usual, não inventamos nada". Segundo a assessoria, a equipe de Dilma usou como base a Pnad 2009, corrigindo o valor da renda per capita das famílias pelo INPC, para chegar aos 28 milhões que teriam saído da pobreza entre 2003 e 2009.

A mágica do Tesouro

O ESTADO DE S. PAULO, 8 de outubro de 2010


O governo continua inventando expedientes para ocultar a deterioração das contas públicas. Desta vez, aproveitou a capitalização da Petrobrás para inflar a receita do Tesouro Nacional e produzir um superávit primário de R$ 26,1 bilhões em setembro. Seria o maior resultado primário de todos os tempos, se fosse real. Mas esse número - mais um prodígio nunca antes visto na história deste país - é uma ficção. Sem recorrer a ela, o Ministério da Fazenda estaria exibindo, na melhor hipótese, um déficit de R$ 5,8 bilhões. Esse é um claro sinal do descontrole do gasto. Com a economia crescendo em ritmo igual ou superior a 7% ao ano, a administração federal deveria exibir uma excelente saúde financeira.

A mágica foi prevista desde quando o governo anunciou as manobras para envolver o Fundo Soberano e pelo menos um banco federal na capitalização da Petrobrás.

A União cedeu à empresa reservas de petróleo avaliadas oficialmente em R$ 74,8 bilhões e recebeu esse montante como pagamento. Ao mesmo tempo, contribuiu com dinheiro para o aumento de capital. Mas só gastou R$ 42,9 bilhões, porque o resto foi desembolsado por intermédio da BNDESPar e do Fundo.

A diferença, R$ 31,9 bilhões, foi contabilizada como receita do Tesouro. Somadas entradas e saídas, sobraram os R$ 26,1 bilhões apresentados como superávit. Mas pelo menos uma parte do distinto público já sabia do truque e não se deixou impressionar pela mágica.

Mas o ilusionismo é mais complexo. Para reforçar o BNDES, o Tesouro emitiu papéis no valor de R$ 25 bilhões. Endividou-se, mas essa operação não afetou a dívida líquida, porque o dinheiro foi passado ao banco, formalmente, como empréstimo. Logo, foi gerado um crédito equivalente. Mas a dívida bruta cresceu e esse é o indicador mais importante para os financiadores do Tesouro.

O governo contabilizou os R$ 31,9 bilhões como "receita de concessão", num procedimento classificado como normal pelo secretário do Tesouro, Arno Augustin. Segundo ele, "não houve manobra fiscal". Esse não é o ponto de vista de especialistas do setor privado e do Banco Central (BC). Em sua próxima reunião, em dezembro, o Copom fará, como sempre, uma avaliação das condições da economia e levará em conta os efeitos da política fiscal. São passos necessários para a decisão sobre os juros. O Comitê não deverá levar em conta a receita contabilizada como decorrente da capitalização da Petrobrás, informou o diretor de Política Econômica do BC, Carlos Hamilton.

Essa divergência é mais importante do que talvez possa parecer à primeira vista. Não se trata de um preciosismo contábil. Trata-se de saber se a informação divulgada pelo Tesouro é um bom indicador das condições da economia brasileira. De fato, não é, assim como não seria, se o governo descontasse o valor aplicado nas obras do PAC ou destinado a qualquer outra finalidade. Não se pode tratar a meta de superávit primário como se fosse apenas um requisito burocrático.

Acima de tudo, é preciso avaliar a situação das contas públicas pela evolução da despesa. O gasto federal continua crescendo mais que o valor da produção. Neste ano, o investimento custeado pelo Tesouro aumentou, mas esse item continua sendo pouco relevante no conjunto dos desembolsos. O Orçamento federal continua sendo inflado principalmente pelos gastos de custeio e, de modo especial, por despesas pouco produtivas.

A folha de pessoal, até agora, foi 9,3% maior que a de janeiro-setembro de 2009. Aumentou menos que o PIB nominal. Mas não se pode esquecer o inchaço dos salários e encargos nos últimos sete anos. Além disso, outros itens de custeio consumiram 21,6% mais do que no ano passado - uma diferença reconhecida como indesejável até pelo secretário do Tesouro.

Durante anos, o governo se valeu do aumento da receita para gastar muito e ainda assim conseguir superávit primário. Em 2010, nem o notável aumento da arrecadação tem bastado para acomodar a gastança. Este é o problema número um e é um erro tentar disfarçá-lo.

Assembleia permanente

O ESTADO DE S. PAULO, Dora Kramer, 28 de outubro de 2010


O que o cidadão, ex-presidente Luiz Inácio da Silva fará durante os próximos quatro anos a contar já do próximo domingo quando será eleito o (a) sucessor (a)?

O que fez desde o instante em que assumiu a Presidência do Brasil: campanha eleitoral. A ele não bastam os dois mandatos; quer mais dois, perfazendo 16 anos de Presidência com um breve intervalo de quatro para cumprir uma exigência legal.

Se a realidade contrariar as pesquisas e o eleito for José Serra, a tarefa de Lula será a de comandar a desestabilização do governo. Não poderá contar com as Forças Armadas nem com o Congresso.

Os militares querem distância do jogo e os parlamentares quem proximidade com o poder qualquer que seja.

Lula recorrerá ao PT, aos aliados tradicionais e talvez possa contar com o PSOL. Certamente poderá contar com o lumpesinato, com os coronéis da antiquíssima política, com os "movimentos sociais", os sindicatos e todos os que nutrirem insatisfação em relação ao governo.

Se for um governo que toma providências e, portanto, compra brigas, haverá grosso caldo de cultura para a ação do tipo de oposição ao gosto de Lula, destrutiva.

Se as pesquisas estiveram certas e a eleita for Dilma Rousseff fica tudo bem mais fácil. Ou não. Há duas possibilidades: a primeira, a de que Dilma seja tutelada por Lula, faça as coisas como ele acha que devam ser feitas e permita que ele tenha um espaço tal no governo que torne sua presença um fato constante e destacado no noticiário.

Nessa hipótese teremos o governo todo posto a serviço da campanha presidencial de Lula para 2014 e muita contestação à atitude da presidente.

A segunda, que muita gente no PT e fora dele, mas com experiência de poder, considera a mais provável, é a de que Dilma exerça o poder na plenitude. Mas só depois de um período, digamos, de quarentena, para tomar pé da situação e externar seu agradecimento ao antecessor pela eleição.

Em português claro, os defensores da segunda hipótese dizem que o efeito da caneta e da cadeira presidenciais é inexorável: quem está de posse de uma e sentado na outra dificilmente aceita dividir o poder.

Em geral isso é fato, mas no caso presente não há como concordar de antemão porque, além do absoluto controle sobre Dilma, Lula tem o partido, a popularidade e nenhum constrangimento em exigir da presidente o atendimento às suas vontades.

Republicano. O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, atendeu à determinação do presidente Lula, que reclamou mais votos para Dilma no segundo turno.

Transferiu o feriado de hoje (dia do funcionário público) para segunda-feira, a fim de prolongar mais o já prolongado feriado, dando a impressão de que pretende com isso estimular a abstenção eleitoral.

Em 2008, quando da disputa pela Prefeitura do Rio, o governador havia feito o mesmo, contribuindo para uma abstenção de quase 26% na zona sul, onde o então candidato Fernando Gabeira, adversário de Cabral, tinha a preferência do eleitorado.

Melhor não. Para quem argumenta que a imprensa precisa ser "controlada" porque os outros Poderes da República contam com instrumentos de fiscalização, uma informação: imprensa não é Poder constitucional.

Na sua grande maioria, os veículos de comunicação são privados, cujo grau de maior ou menor sucesso depende de investimentos, talento, capacidade administrativa e credibilidade.

A liberdade plena serve exatamente para quem quiser criar o próprio meio de expressão. Sem esse atributo essencial, os que hoje reclamam por controle amanhã podem ser vítimas dos controladores, caso a correlação de forças não seja politicamente favorável a eles.

Boca de urna. A campanha do PT está incentivando os eleitores a votarem vestindo camisetas estampadas com a imagem de Dilma.

Câmara de Assaí discute criação de 126 cargos comissionados

FOLHA DE LONDRINA, 28 de outubro de 2010

Apesar de recomendação contrária do MP e da Procuradoria Jurídica da Casa, projeto do Executivo vai a segunda votação hoje em sessão extraordinária


A Câmara de Vereadores de Assaí aprovou terça-feira em primeira discussão um projeto de lei de autoria do Executivo que cria 126 cargos comissionados de livre provimento e exoneração. Além de ter sido caracterizada como inconstitucional pelo Ministério Público (MP) da comarca de Santo Antônio da Platina, responsável pela cidade, a matéria também não teve aprovação técnica da Procuradoria Jurídica da Casa. Mesmo assim, oito dos nove vereadores votaram a favor do projeto. A segunda votação ocorre hoje, em uma sessão extraordinária, às 11 horas.

Único a votar contra a proposta, o vereador Darlan Rodrigues de Araújo (PSDB) conta que o MP já havia alertado o prefeito Michel Ângelo Bomtempo (PMDB) que os cargos comissionados deveriam ser extintos e os servidores contratados por concurso público. ''Quando isso (a recomendação do MP) aconteceu ele mandou uns 10 ou 15 comissionados embora. Agora, ele fez esse projeto de lei retroativo a 1º setembro. Ou seja, se aprovarem a lei em segunda discussão outros funcionários que ainda estão irregulares na Prefeitura vão passar a ser legais. Isso é inconstitucional'', explica.

Segundo o parecer jurídico, assinado pelo advogado Luis Guilherme Bachim dos Santos, o texto da lei ''não respeita o Princípio da Eficiência'' já que ''cria cargos em comissão em demasia, cria secretarias e assessorias com competências similares e que poderiam ser unificadas''. ''Esses novos cargos custarão cerca de R$ 148 mil mensais para a Prefeitura'', reforça o vereador.

Araújo também ressalta que todos os vereadores tiveram acesso ao parecer técnico. ''Eles sabem que é inconstitucional. Votaram na lei por uma questão política. Londrina, que tem mais de 500 mil habitantes, tem cerca de 70 cargos comissionados. Assaí, com menos de 20 mil vai ter 126? Isso é um absurdo.''

Segundo Araújo, após todas as irregularidades terem sido listadas pelo Comitê Jurídico, foi pedido as devidas correções na matéria, ''assim como a redução do número de cargos em comissão'' e posteriormente o reencaminhamento do projeto à Câmara. ''Eles (vereadores) não fizeram isso e ainda votaram sem ler o projeto nem o parecer jurídico. Se você perguntar o que diz o texto da matéria eles não vão saber'', critica ele.

A reportagem não conseguiu entrar em contato com o prefeito e nem com os demais vereadores.

UTI Neonatal pode fechar por falta de recursos

FOLHA DE LONDRINA, 28 de outubro de 2010

Hospital de Santo Antônio da Platina, inaugurado há um ano em meio, contabiliza débitos por repasse insuficiente do Estado. Mesmo nova e com boa estrutura, unidade ameaça fechar as portas


Bebês prematuros ou que tenham nascido com algum problema de saúde podem deixar de ser atendidos na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Neonatal do Hospital Nossa Senhora da Sa© úde, em Santo Antônio da Platina (Norte Pioneiro). Apesar do pouco tempo de existência e das boas condições de estrutura, o fechamento pode ocorrer devido a situação de débitos constantes da unidade, situação que vem se arrastando desde sua abertura, em abril do ano passado.

Além disso, o convênio do hospital era de dez leitos. Contudo, até hoje, a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) disponibilizou apenas oito. Para completar, a falta de um gerador põe em risco a vida dos pequenos, que dependem de equipamentos movidos a energia elétrica para sobreviver.

Segundo o provedor do hospital José Barboza Filho, nos dezoito meses de funcionamento foram poucos os meses em que a UTI não ficou no ''vermelho''. ''Se temos três crianças ou oito, nosso custo é o mesmo, já que as despesas com a equipe médica e estrutura não mudam. O problema é que recebemos diária por leito ocupado. O valor repassado pela Sesa não prevê essa despesa fixa, muito menos os imprevistos'', explica. Todas as oito vagas são ofertadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Nesse período, conforme Filho, a Sesa repassou o equivalente a pouco mais de R$ 1 milhão, enquanto os gastos da UTI excederam R$ 1,6 milhão. ''No mês passado, recebemos R$ 40 mil. A despesa mensal é de R$ 85 mil.'' Como se não bastasse, o valor das diárias é pago somente por um período e após a alta do bebê. ''E se o bebê ficar mais de 59 dias, a Sesa não cobre'', acrescenta o provedor. Bebês prematuros chegam a ficar 90 dias internados.

Diante da escassez de UTIs Neonatais em todo o Estado - levantamento da FOLHA constatou que existem 54 unidades no Paraná - a de Santo Antônio da Platina acabou virando referência para o Norte Pioneiro. ''As UTIs mais próximas daqui estão em Londrina e Cornélio Procópio. Mas para chegar a esses lugares vai depender de vaga, transporte e de o bebê aguentar a distância'', diz a pediatra Carla Abreu, responsável pela unidade. Ontem, a UTI estava com sete recém-nascidos, três deles eram de outros municípios. Desde que começou a funcionar, a UTI Neonatal de Santo Antônio da Platina já salvou 156 bebês.

Uma equipe do hospital, juntamente com moradores, tem realizado eventos para angariar fundos. ''Fizemos um leilão recentemente no qual conseguimos arrecadar R$ 80 mil, o que vai nos desafogar um pouco, mas a situação ainda é crítica.

‘Eleições trouxeram modelo ruim de fazer política’

FOLHA DE LONDRINA, 18 de outubro de 2010

Avaliação é do presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, para quem o processo eleitoral priorizou marketing em detrimento de propostas


Para o presidente da OAB, Ophir Cavalcante, o eleitor ‘ficou refém’ de um modelo de campanha que pouco contribui à democracia
Eleições que mais pareceram a escolha de presidente de grêmio estudantil que de presidente da República, com forte apelo marqueteiro e sem ideias e propostas concretas, por exemplo, pelo fim dos alarmantes índices de desigualdade no País. A análise pouco otimista foi feita ontem pelo presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, que esteve em Londrina para o lançamento de um programa de aperfeiçoamento do ensino jurídico brasileiro (leia na página 8).

A declaração do presidente da Ordem foi a resposta sobre o quão edificante foi para o cidadão uma campanha de segundo turno presidencial focada, preponderantemente, em ataques entre os adversários Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) - sobretudo nos debates de TV - e comparações e ações de gestões passadas.

Para o presidente da OAB, o eleitor ''ficou refém'' de um modelo que, avalia, pouco contribui à democracia efetiva - mas muito, pondera, a uma democracia de consumo. ''É uma democracia fabricada a partir do marketing para vender imagens de candidatos, a fim de obter votos. Em suma, essas eleições nos trouxeram um exemplo ruim de como fazer política nesse país, pois é necessário trabalhar cada vez mais na discussão de ideias, de programas, e muito menos as pessoas em si'', disse, para concluir: ''Mas a ênfase nessas eleições lamentavelmente foi no sentido que não se esperava. Pareceram mais eleições para um grêmo estudantil que, necessariamente, para presidente da República - por isso precisamos, a partir desse exemplo, construir um novo caminhar''.

Cavalcante disse acreditar que, a despeito de uma aparente disputa acirrada entre os dois candidatos, o sucessor de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não terá grandes dificuldades em reunificar a sociedade e reconstruir eventuais pontes desfeitas ou abaladas no curso do processo eleitoral. ''As eleições levam a um tensionamento; temos uma preocupação muito grande com o 'day after' delas: aquele que vencer vai ter que ser magnânimo, pois será presidente de todos, inclusive dos que não votaram nele, não podendo jamais fazer um governo de ódio. Evidentemente terá de trabalhar também tendo uma oposição - todo governo tem que ter - que seja responsável, mas creio que essa situação de dualidade é muito mais fruto de estratégia eleitoral do que de, propriamente, uma divisão dentro do Brasil, como se tem nos grandes clubes de futebol.''

Jocelito Canto tenta barrar Transparência na Justiça

GAZETA DO POVO, 28 de outubro de 2010

Deputado entrou com ação de inconstitucionalidade contra a proposta sancionada por Pessuti nesta semana


Conforme havia anunciado, o deputado estadual Jocelito Canto (PTB) entrou ontem no Tribunal de Justiça do Paraná (TJ) com uma ação direta de inconstitucionalidade (adin) contra a Lei da Transparência. No processo, em que solicita a concessão de medida cautelar suspendendo a eficácia da lei, o parlamentar argumenta que a medida é inconstitucional porque a Assembleia Legislativa do Paraná teria interferido na independência dos demais poderes ao prever obrigações para o Executivo e o Judiciário, além do próprio Legislativo. Outro ponto questionado pelo deputado é o fato de a legislação determinar a divulgação do nome dos servidores, a lotação e os salários – o que, segundo ele, fere o direito de privacidade dos funcionários.

Sancionada pelo governador Orlando Pessuti (PMDB) na última terça-feira, a Lei da Transparência surgiu como uma resposta da sociedade civil às irregularidades na Assembleia reveladas pela série de reportagens Diários Secretos, da Gazeta do Povo e RPC TV. Capi­­taneado pela Ordem dos Advo­­gados do Brasil no Paraná (OAB-PR) e pela Associação Paranaense dos Juízes Federais (Apajufe), o movimento “O Paraná que Queremos” elaborou o texto, que prevê a publicação dos atos de todos os órgãos públicos do estado no Diário Oficial e em portais da transparência na internet. O objetivo da nova norma, que entra em vigor dentro de seis meses, é evitar que qualquer decisão do poder público fique oculta da sociedade.

Mesmo se dizendo a favor da transparência, Jocelito se posicionou contra a norma desde que ela foi protocolada na Casa, em junho. Segundo ele, ao contrário de criar novas leis, o poder público do Paraná precisa cumprir as que já existem. “Vocês sabem o que é Siafi [Sistema Integrado de Admi­nistração Financeira]? Esse sim é o maior mecanismo para controlar os gastos públicos”, disse, em referência ao sistema de controle do Tesouro Nacional. Os sites da União e de alguns estados já divulgam as despesas do poder público. “Não concordo que se queira aprovar na marra algo que já existe. Essa é uma lei do faz de conta.”

O petebista rebateu as críticas do presidente da OAB-PR, José Lúcio Glomb, de nunca ter apontado “os problemas que aconteciam na Assembleia”, mas, agora, se posicionar contra “uma lei que só traz situações benéficas para todos”. “O Glomb tem razão. Fui sim um péssimo fiscal da Casa”, admitiu. Jocelito disse ainda que, se o TJ decidir pela constitucionalidade da Lei da Transparência, vai acatar a decisão e assumir seu erro com humildade.

Próximo governo deve fazer ajuste para evitar descontrole

O GLOBO, Míriam Leitão, 28 de outubro de 2010


O bolso do governo está estranho. Ele fez uma manobra fiscal para aumentar suas receitas artificialmente, registrando como receita essa operação de capitalização da Petrobras. Com base nisso, começou a fazer gastos de verdade.

Neste ano, o país está gastando demais, principalmente por causa da eleição. Se não tivesse essa manobra, o Brasil teria déficit primário de quase R$ 6 bilhões num momento em que a arrecadação está aumentando fortemente.

Portanto, esse truque tem servido para construir um superávit primário e alimentar uma despesa verdadeira. Mas quando o bolso do governo começa a ser irresponsável, é o nosso que paga o preço no final.

Isso dificulta a vida do próximo governo, que tem de começar revendo essas contas todas e fazendo ajuste. Do contrário, pode ter descontrole do gasto público.

Superávit primário: descanse em paz

VALOR ECONÔMICO, Mansueto Almeida, 28 de outubro de 2010

Aproveitou-se a capitalização da Petrobras para, mais uma vez, modificar o resultado do primário


Um dos conceitos mais importantes para indicar o esforço fiscal do governo brasileiro desde 1999 é o conceito de superávit primário. O superávit primário nada mais é do que o total da receita do governo menos os gastos não financeiros, o que exclui, portanto, o pagamento de juros. O tamanho do superávit primário sinalizaria o esforço que o governo faz para pagar sua dívida, o principal e os juros que incidem sobre o estoque da dívida.

Dado que não é o tamanho da dívida em si, mas sua relação com o PIB que importa para questão de solvência, o superávit primário é normalmente divulgado como proporção do PIB. Dependendo das variáveis como taxa de juros, estoque da dívida e crescimento do PIB, o governo fixa uma meta de superávit primário que seja compatível com a trajetória desejada da redução da Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) ao longo do tempo.

Como o conceito de superávit primário tornou-se cada vez mais importante na economia brasileira, qualquer modificação na meta desse indicador é seguida de calorosas discussões. Assim, ao que parece, há uma grande transparência no cálculo dessa medida e na sua avaliação. Infelizmente, esse não é mais o caso. Há cerca de quatro anos se começou um lento e doloroso processo de "tortura no cálculo do superávit fiscal", que a meu ver culminou com a sua morte recente. Ele de fato ainda existe, mas é na verdade uma "espécie de zumbi" que ainda insiste em assombrar aqueles que detestam o termo "responsabilidade fiscal" ou a tão famosa frase dos livros de economia de que "não há almoço grátis". Os exemplos abaixo mostram os estágios que levaram à morte do superávit primário.

A primeira "estocada" no conceito de superávit primário veio com a permissão ainda na gestão do então ministro Antônio Palocci, em 2005, para que parcela do investimento público no Projeto Piloto de Investimentos (PPI) pudesse ser descontada da meta do primário. No seu início, o PPI representava apenas R$ 3,2 bilhões e, assim, descontar esse montante do primário foi um simples arranhão não muito sério. Mas essa regra foi substituída por outra muito mais audaciosa na gestão atual, que permite que R$ 32 bilhões do Programa de Aceleração Econômica (PAC) possam ser integralmente descontados do cálculo do superávit primário na nova Lei de Diretrizes Orçamentárias, a LDO (ver art. 30 do substitutivo ao projeto de lei nº 4 de 2010).

Em 2008, houve uma segunda estocada no conceito do primário na proposta da LDO de 2009 que se repetiu nos anos seguintes. Pela nova regra, não apenas gastos do PAC, mas também os gastos autorizados no ano anterior e não executados (restos a pagar) poderiam ser abatidos integralmente do cálculo do superávit primário. Para se ter um ideia do que isso significa, de cerca de R$ 30 bilhões que o governo federal investiu até setembro deste ano (pelo conceito de GND-4), R$ 19 bilhões (63%) correspondem a restos a pagar do ano passado. Assim, essa medida permite que dezenas de bilhões de reais adicionais, além dos gastos do PAC no ano, possam ser descontados do cálculo do primário.

Em 2009, apesar de machucado, o conceito de superávit primário ainda era forte o suficiente para atrair a atenção indesejada dos analistas econômicos e financeiros. Assim, optou-se pelo uso de um novo artifício para o seu enfraquecimento. O Tesouro Nacional passou a emprestar recursos para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que, em seguida, comprava créditos que o Tesouro Nacional tinha a receber de estatais, aumentando, assim, a receita e o resultado primário. Essas operações foram feitas com a Eletrobrás e alcançaram R$ 3,5 bilhões, em 2009, e mais R$ 1,4 bilhão em setembro deste ano. Essas operações podem voltar a se repetir com a mesma ou qualquer outra estatal.

Mas a meta de superávit primário continuava a atrair discussões inconvenientes como a necessidade de controle dos gastos correntes para aumentar o investimento público, sem recorrer a aumentos sucessivos de carga tributária. Assim, surgiu a capitalização da Petrobras, uma empresa entre as maiores e mais inovadoras do mundo que, apesar do seu sucesso já comprovado, precisa de uma relação paternalista e tutorial com o seu acionista majoritário, a União, e com o BNDES. Assim, aproveitou-se a capitalização da Petrobras para, mais uma vez, "modificar o resultado do primário", só que desta vez no valor de R$ 31,9 bilhões.

A operação original autorizada e discutida no Congresso Nacional era que o Tesouro Nacional faria cessão onerosa equivalente em até 5 bilhões de barris de petróleo que, ao preço fixado em setembro, seria equivalente a R$ 74,8 bilhões. Essa operação significa que a União venderia o seu direito futuro de 5 bilhões de barris de petróleo para a Petrobras em troca de uma participação maior na empresa. Na prática, o que aconteceu foi que o Tesouro Nacional vendeu a cessão onerosa de exploração de petróleo para Petrobras, BNDES e Fundo Soberano, conseguindo uma receita de R$ 74,8 bilhões, e capitalizou a Petrobras em R$ 42,9 bilhões, ficando com um saldo de R$ 31,9 bilhões que se transformou em "superávit primário".

Esse "saldo" poderá ser utilizado para qualquer coisa. Ou seja, esse novo "superávit primário" pode tanto ajudar o alcance da meta de 3,30% do PIB deste ano e, portanto, cobrir gastos que já foram efetuados, ou um eventual excesso em relação à meta atual pode ser carregado para o próximo ano para que seja abatido integralmente da meta do primário de 2011, como permitido pelo Art. 3º da LDO. O superávit primário morreu e talvez fosse melhor passarmos a ter metas para a poupança pública, que é um conceito que exclui os gastos de investimento. Mas se você ainda acredita na relevância do conceito de superávit primário depois deste artigo, por favor, poderia me enviar o endereço do Papai Noel?

Mansueto Almeida é técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)