VALOR ECONÔMICO, Fábio J. Garcia dos Reis, 29 de outubro de 2010
Estão matriculados em no ensino superior apenas 13,7% dos jovens brasileiros de 18 a 24 anos
Desde janeiro, o Departamento de Educação dos Estados Unidos está negociando novas regras com os diferentes atores que atuam na educação superior com o objetivo de instituir algumas deliberações no Higher Education Opportunity Act, que regulamenta o financiamento federal para os estudantes.
A regra que tem gerado maior polêmica é a que requer que alunos das "for-profit institutions" não possam contrair uma dívida de financiamento se a projeção do seu salário, após terminar a graduação, não for compatível com o empréstimo solicitado. Como o Estado financia o aluno das instituições privadas, mas o estudante não consegue pagar o empréstimo em função dos baixos salários ou mesmo do desemprego, o governo americano questiona se deve continuar financiando estudantes de instituições com fins lucrativos.
O exemplo dos EUA pode servir de parâmetro para a discussão do assunto aqui no Brasil, embora não necessariamente como modelo, pois os sistemas são diferentes. Entre nós, o tema principal do debate ainda é o da urgente necessidade de expansão do ensino superior, mas ele passa obrigatoriamente pela questão do financiamento. Afinal, como vamos expandir nosso sistema de educação superior sem financiamento?
No Brasil, apenas 13,7% dos jovens de 18 a 24 anos estão matriculados em instituições de ensino superior, sendo que 25% deles estudam em instituições públicas, enquanto o setor privado é responsável por 75% das matrículas. Nos EUA, mais de 60% dos jovens nessa faixa etária estão na universidade e, ao contrário do Brasil, 73% deles estudam em instituições públicas e 27% em instituições privadas. Por sua vez, apenas 6,2% dos alunos matriculados no ensino superior brasileiro têm financiamento reembolsável, número muito negativo quando comparado com os EUA, onde mais de 50% dos universitários recebem algum tipo de financiamento estudantil.
O Brasil investe pouco no financiamento da sua educação superior. Não só o percentual brasileiro é muito baixo, como a sua evolução é negativa. Um país que ostenta uma das piores taxas de escolarização líquida, e que possui um baixo número de vagas ofertadas nas universidades públicas, não poderia jamais ter apenas 6,2% dos estudantes com acesso a financiamento estudantil, um índice que era de 8,1% em 2005, e vem caindo desde então.
O Ministério da Educação e os dirigentes públicos continuam se recusando a discutir a cobrança de mensalidade nas instituições de ensino superior públicas brasileiras, sob o argumento que a educação é um bem público, um dever do Estado e, portanto, a oferta pública de educação precisa ser integralmente financiada pelo Estado. Mas poderíamos inverter a discussão. Se o ensino é um bem público, as pessoas que se formam nas instituições públicas utilizam suas habilidades e conhecimentos para o benefício público ou privado? Qual o real retorno para a sociedade? Como as instituições públicas fazem o controle do gasto dos recursos públicos?
Nos EUA, o ensino superior é pago, inclusive em todas as instituições públicas. Segundo o Almanac Issue 2009-2010, um relatório sobre a educação superior publicado pelo jornal "The Chronicle", o preço médio de uma instituição de ensino superior pública (4 anos), com taxas e mensalidades, é de US$ 5,9 mil (cerca de R$ 10,2 mil). Já em uma instituição privada (4 anos), nas mesmas condições, é de US$ 21,5 mil (cerca de R$ 37 mil). No Brasil, segundo dados o Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp), um aluno do curso superior matriculado em uma universidade pública custa anualmente aos cofres públicos R$ 15 mil, o que representa três vezes mais o custo médio de um aluno matriculado numa instituição privada.
Os EUA gastaram, em 2008, mais de US$ 10 bilhões em algum tipo de auxílio para os estudantes. No Brasil, segundo informações do Semesp, o governo brasileiro gasta por ano cerca de R$ 860 milhões por meio do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES) e do Programa Universidade para Todos (ProUni). Esse valor representa cerca de US$ 480 milhões, ou seja, nem um décimo do gasto americano.
O Departamento de Educação dos EUA abriu o debate sobre as regras de financiamento. Aqui, uma boa oportunidade para o debate desse assunto aconteceu em setembro, em São Paulo, quando o especialista em educação sênior do Banco Mundial, Michael Crawford, apresentou alternativas para ampliação do financiamento e do acesso à educação superior durante fórum sobre o ensino superior particular brasileiro. Mas o que ressaltou no evento foi que o foco precisa estar na construção de um sistema de educação superior em que as regras sejam discutidas pelos atores que atuam no interior do sistema, exatamente como está ocorrendo nos EUA.
O Brasil corre o risco de ser pouco competitivo no que se refere a inovação e conhecimento se não aumentar o acesso ao ensino superior, repensar seus indicadores de qualidade na educação superior e estabelecer um Plano Nacional de Educação (PNE) com objetivos e metas coerentes com a nossa realidade e que tenha como parâmetro indicadores internacionais. No geral, as atuais propostas são ideológicas. E, sem uma mudança nessa linha de pensamento, o país não conseguirá promover a expansão do seu sistema de educação superior, com graves consequências para o futuro de toda uma geração.
Fábio José Garcia dos Reis é professor e diretor acadêmico do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (Unisal) e doutor em História Social pela USP
Estão matriculados em no ensino superior apenas 13,7% dos jovens brasileiros de 18 a 24 anos
Desde janeiro, o Departamento de Educação dos Estados Unidos está negociando novas regras com os diferentes atores que atuam na educação superior com o objetivo de instituir algumas deliberações no Higher Education Opportunity Act, que regulamenta o financiamento federal para os estudantes.
A regra que tem gerado maior polêmica é a que requer que alunos das "for-profit institutions" não possam contrair uma dívida de financiamento se a projeção do seu salário, após terminar a graduação, não for compatível com o empréstimo solicitado. Como o Estado financia o aluno das instituições privadas, mas o estudante não consegue pagar o empréstimo em função dos baixos salários ou mesmo do desemprego, o governo americano questiona se deve continuar financiando estudantes de instituições com fins lucrativos.
O exemplo dos EUA pode servir de parâmetro para a discussão do assunto aqui no Brasil, embora não necessariamente como modelo, pois os sistemas são diferentes. Entre nós, o tema principal do debate ainda é o da urgente necessidade de expansão do ensino superior, mas ele passa obrigatoriamente pela questão do financiamento. Afinal, como vamos expandir nosso sistema de educação superior sem financiamento?
No Brasil, apenas 13,7% dos jovens de 18 a 24 anos estão matriculados em instituições de ensino superior, sendo que 25% deles estudam em instituições públicas, enquanto o setor privado é responsável por 75% das matrículas. Nos EUA, mais de 60% dos jovens nessa faixa etária estão na universidade e, ao contrário do Brasil, 73% deles estudam em instituições públicas e 27% em instituições privadas. Por sua vez, apenas 6,2% dos alunos matriculados no ensino superior brasileiro têm financiamento reembolsável, número muito negativo quando comparado com os EUA, onde mais de 50% dos universitários recebem algum tipo de financiamento estudantil.
O Brasil investe pouco no financiamento da sua educação superior. Não só o percentual brasileiro é muito baixo, como a sua evolução é negativa. Um país que ostenta uma das piores taxas de escolarização líquida, e que possui um baixo número de vagas ofertadas nas universidades públicas, não poderia jamais ter apenas 6,2% dos estudantes com acesso a financiamento estudantil, um índice que era de 8,1% em 2005, e vem caindo desde então.
O Ministério da Educação e os dirigentes públicos continuam se recusando a discutir a cobrança de mensalidade nas instituições de ensino superior públicas brasileiras, sob o argumento que a educação é um bem público, um dever do Estado e, portanto, a oferta pública de educação precisa ser integralmente financiada pelo Estado. Mas poderíamos inverter a discussão. Se o ensino é um bem público, as pessoas que se formam nas instituições públicas utilizam suas habilidades e conhecimentos para o benefício público ou privado? Qual o real retorno para a sociedade? Como as instituições públicas fazem o controle do gasto dos recursos públicos?
Nos EUA, o ensino superior é pago, inclusive em todas as instituições públicas. Segundo o Almanac Issue 2009-2010, um relatório sobre a educação superior publicado pelo jornal "The Chronicle", o preço médio de uma instituição de ensino superior pública (4 anos), com taxas e mensalidades, é de US$ 5,9 mil (cerca de R$ 10,2 mil). Já em uma instituição privada (4 anos), nas mesmas condições, é de US$ 21,5 mil (cerca de R$ 37 mil). No Brasil, segundo dados o Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp), um aluno do curso superior matriculado em uma universidade pública custa anualmente aos cofres públicos R$ 15 mil, o que representa três vezes mais o custo médio de um aluno matriculado numa instituição privada.
Os EUA gastaram, em 2008, mais de US$ 10 bilhões em algum tipo de auxílio para os estudantes. No Brasil, segundo informações do Semesp, o governo brasileiro gasta por ano cerca de R$ 860 milhões por meio do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES) e do Programa Universidade para Todos (ProUni). Esse valor representa cerca de US$ 480 milhões, ou seja, nem um décimo do gasto americano.
O Departamento de Educação dos EUA abriu o debate sobre as regras de financiamento. Aqui, uma boa oportunidade para o debate desse assunto aconteceu em setembro, em São Paulo, quando o especialista em educação sênior do Banco Mundial, Michael Crawford, apresentou alternativas para ampliação do financiamento e do acesso à educação superior durante fórum sobre o ensino superior particular brasileiro. Mas o que ressaltou no evento foi que o foco precisa estar na construção de um sistema de educação superior em que as regras sejam discutidas pelos atores que atuam no interior do sistema, exatamente como está ocorrendo nos EUA.
O Brasil corre o risco de ser pouco competitivo no que se refere a inovação e conhecimento se não aumentar o acesso ao ensino superior, repensar seus indicadores de qualidade na educação superior e estabelecer um Plano Nacional de Educação (PNE) com objetivos e metas coerentes com a nossa realidade e que tenha como parâmetro indicadores internacionais. No geral, as atuais propostas são ideológicas. E, sem uma mudança nessa linha de pensamento, o país não conseguirá promover a expansão do seu sistema de educação superior, com graves consequências para o futuro de toda uma geração.
Fábio José Garcia dos Reis é professor e diretor acadêmico do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (Unisal) e doutor em História Social pela USP