sábado, 9 de outubro de 2010

Bens públicos malcuidados

O ESTADO DE S. PAULO, 9 de outubro de 2010


O descaso das autoridades com bens públicos estimula as invasões, como essa do prédio do INSS localizado na Rua Álvaro de Carvalho, ao lado da Avenida 9 de Julho, ocupado segunda-feira. O prédio já havia sido invadido duas vezes, no ano passado, pelo mesmo Movimento dos Sem-Teto - e nada assegura que isso não se repita.

A União é dona de meio milhão de imóveis, dos quais 5% de uso próprio e os outros, em grande parte, dominiais, como os chamados imóveis de marinha, muitos deles vagos ou ocupados por terceiros. A Previdência Social recebeu em seus 87 anos milhares de imóveis em pagamento de dívidas, mas nunca divulgou um balanço completo das propriedades nem da possibilidade efetiva de vendê-las. A maioria desses imóveis já deveria estar regularizada e vendida ou, se houvesse viabilidade, transformada em habitação e transferida a preços subsidiados às populações de baixa renda.

O fato de muitos imóveis nunca terem tido boa documentação nem registro em cartório e estarem ameaçados de invasão não justifica a ausência de esforços para a regularização. A rigor, alguns imóveis da União nem sequer existem. Num tempo em que as fraudes imobiliárias eram mais frequentes, áreas chegavam a ser comercializadas várias vezes - e algumas foram dadas em pagamento à Previdência.

Em 2009, segundo o Balanço Geral da União, esta era titular de ativos reais no montante de R$ 2,8 trilhões, dos quais R$ 2,2 trilhões de natureza não financeira. Mas no Balanço não há maiores informações sobre os imóveis e seu valor nem menção aos que pertencem ao INSS. Não é estranho, portanto, que se sucedam as invasões de imóveis do INSS ou de outros órgãos públicos.

As invasões seguem um modelo conhecido. Centenas de pessoas ocupam o prédio, enquanto os assessores de imprensa do grupo invasor chamam os jornais locais e internacionais e mobilizam internautas. O objetivo é ganhar espaço na mídia global. Como divulgou o Estado terça-feira, há um grupo de comunicação na Frente de Luta por Moradia (FLM) que alimenta o twitter, o flickr (álbum de fotos) e os blogs. "A gente usa computador ou celular", disse um dos coordenadores do movimento.

Quando vão a Brasília, os invasores são bem recebidos pelas autoridades. Em 31 de agosto, como informa o site da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) do Ministério do Planejamento, representantes de órgãos públicos - a SPU, a SPU/DF e o Ministério das Cidades - reuniram-se com seis membros do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST). O objetivo declarado era buscar soluções habitacionais para a região de Brazlândia, a 59 km de Brasília. Não pareceu incomodar as autoridades a falta de legitimidade do movimento.

As invasões não deveriam ser toleradas pelo governo. Mas se este não cuida da segurança dos imóveis nem os vende, mostra tolerância com os invasores.

Em fevereiro, o INSS anunciou a venda de cerca de 200 imóveis, de um conjunto de 3.400 terrenos, apartamentos, casas e prédios que deverão ser regularizados - apenas 513 têm boa documentação - e colocados à venda. Em agosto - e novamente nesta semana - foi prometida a venda de 670 imóveis em 23 Estados. Entre julho e setembro, a Previdência realizou 11 leilões e outros 4 estavam marcados para esta semana, um dos quais já foi cancelado. Muitas ofertas não alcançaram o valor mínimo. E não há prazo para a venda da maioria dos imóveis nem o INSS informa sobre o impacto favorável da venda para diminuir os déficits previdenciário e habitacional (este é calculado em não menos de 6 milhões de unidades). Em 2008, apenas 21 imóveis da União foram declarados de interesse para projetos habitacionais e incorporados ao fundo social de moradia FNHIS.

Cabe aos entes públicos administrar e dar ampla divulgação das propriedades que estão em nome da União, Estados e municípios - e das ações que desenvolvem para melhor utilizá-las. Mas nada indica que os governos pretendam cumprir à risca suas responsabilidades.

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