quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Sem liberdade de expressão e transparência a corrupção acaba prevalecendo

INSTITUTO AME CIDADE, 7 de janeiro de 2010

Em Maringá, a vereadora Marly Martin (DEM) teve julgada como improcedente uma ação sua movida contra o colega John Alves Correa (PMDB), jornalistas e órgãos da imprensa. A ação é de novembro de 2006. A decisão da Justiça de Maringá também condena a vereadora a pagar a seu ex-assessor, Maurício Lopes, igualmente acusado no processo feito por ela, uma indenização equivalente a cem salários mínimos, o que representa R$ 51 mil em valores atualizados.

Os outros acusados deverão receber indenização de R$ 2 mil cada. A vereadora ainda foi condenada a pagar as custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios arbitrados em 15% do valor da condenação. O advogado de defesa é seu marido, Wanderlei Rodrigues. Ele disse que vai recorrer da sentença ao Tribunal de Justiça do Paraná.

A ação de Marly Martin refere-se a uma denúncia de que ela se apropriava de parte dos vencimentos de seus assessores parlamentares. O jornal O Diário de Maringá explica o caso assim: “Na decisão, emitida em dezembro passado, o juiz Alberto Marques dos Santos, da 4ª Vara Cível de Maringá, afirmou que a vereadora não provou as acusações contra os réus. John era acusado de ter elaborado uma carta anônima denunciando que Marly se apropriava de parte dos vencimentos de seus assessores parlamentares. Contra a imprensa maringaense, Marly dizia que jornais e programas de televisão deram divulgação às afirmações de John com o intuito de prejudicá-la. A vereadora acusou a imprensa por injúria, calúnia e difamação”.

Deixemos de lado qualquer juízo de valor sobre o caso que envolve Marly Martin, mas a decisão do juiz Alberto Marques dos Santos, da 4ª Vara Cível de Maringá, é muito importante porque fixa de maneira clara o respeito à liberdade de expressão e até o dever de informar sobre denúncias de desvios éticos.

O criminoso de colarinho branco é evidentemente, na maioria dos casos, muito mais ladino que um criminoso comum. Também conta com assessoria mais experimentada. Além disso, se prevalece do fato de sua ilegalidade transitar no plano político, uma situação que pode ser usada para aparentar menor gravidade.

Isto não é verdade, é claro, pois apropriar-se do dinheiro público é, na maioria das vezes, mais danoso que qualquer roubo comum. O dinheiro ilícito que vai para o bolso do político acaba faltando nas creches, na saúde, na educação, e tantos outros serviços, alguns até vitais para a população. Mas quando dá certo a artimanha de desqualificar politicamente a denúncia ou o denunciante, muito corrupto acaba passando por vítima de inimigos políticos e se livra de punição.

Uma das argumentações correntes de acusados de roubo do dinheiro público é a de que, como não existem provas, nada deveria ser noticiado sobre o assunto. A argumentação nada mais é que um artifício para evitar qualquer debate sobre ética e transparência. Provas só podem aparecer mediante investigação. E isso não é função de qualquer cidadão. Seu dever ético é não fechar os olhos para irregularidades. Promover investigação e buscar provas é função de várias instituições e um dever do Legislativo.

Se fossemos por este raciocínio de esperar provas para debater supostas irregularidades, até hoje a imprensa brasileira não poderia ter noticiado muitas denúncias de corrupção, como é o caso do mensalão, o esquema de compra de votos de parlamentares no Congresso Nacional. Visto desse modo, seria necessário esperar a decisão final do Supremo Tribunal Federal (STF), aliás a única instância que pode julgar grande parte dos acusados.

Casos de corrupção de projeção internacional só foram adiante devido ao respeito a liberdade de expressão. Não é possível estabelecer ética sem a transparência. E transparência só possível existir havendo iberdade de expressão.

O famoso caso Watergate, por exemplo, ocorrido nos Estados Unidos na década de 1970 e que terminou com a renúncia do presidente Richard Nixon (1913-19940) para evitar o impeachment, começou como uma simples denúncia de arrombamento no edifício Watergate, sede do partido Democrata. Bob Woodward e Carl Bernstein, repórteres do jornal Washington Post, tanto vasculharam que acabaram revelando os aspectos políticos do que à princípio parecia ser um crime comum.

Isso resultou na renúncia à Presidência de um dos maiores canalhas da história dos Estados Unidos. Para isso foi essencial o respeito à liberdade de expressão, que é muito forte nos Estados Unidos. Se não fosse isso, um patife estaria até hoje sendo lembrado com respeito na história dos Estados Unidos.

Falando nisso, o ex-presidente Collor jamais foi condenado. E ninguém apostaria em sua inocência nem um aparelho de som usado.

O argumento de que a discussão ética depende antecipadamente de provas é vazio. Desse modo nenhum cidadão poderia fazer qualquer denúncia, mesmo em assuntos mais simples da administração pública.

Provas costumam ser colhidas no decorrer de uma investigação, algo que é impossível de começar sem uma prévia denúncia. A menos que o meliante seja pego em flagrante, algo bem difícil de acontecer na corrupção política até pela natureza do crime, não há como desvendar o roubo aos cofres públicos sem que haja uma denúncia.

E neste caso é de suma importância o papel do Legislativo. Senadores, deputados federais e estaduais, vereadores, todos eles tëm de ter assegurado a plena liberdade de expressão. Este é um direito básico do parlamentar. Com o parlamentar impedido de emitir livremente sua opinião o Legislativo deixa de ter função.

O raciocínio vale também para a imprensa. Sem liberdade de expressão, teríamos uma volta ao tempo da ditadura, quando denúncia alguma podia ser publicada.

Um país desse jeito, sem nenhuma discussão ética na imprensa e no qual até parlamentares estariam impedidos de comentar qualquer denúncia contra colegas, bem, este é o país dos sonhos de qualquer corrupto. Nele, a ética e a transparência estariam de vez anuladas.