Irmar Silva Batista:
“Eles pediram R$ 1 milhão”
Assessores do ministro Carlos Lupi são acusados de cobrar propina para legalizar sindicato.Denúncia foi encaminhada à presidente Dilma no início do ano – oito meses antes de surgirem os primeiros casos de corrupção no Ministério do Trabalho
Nas últimas semanas, o país conheceu a extensa lista de serviços prestados pelo ministro do Trabalho, Carlos Lupi – não aos brasileiros que procuram emprego, mas ao PDT, partido do qual ele é presidente licenciado. Dirigentes de organizações não governamentais acusaram pedetistas lotados na cúpula do ministério de cobrar propina para garantir a liberação de recursos. Documentos da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Tribunal de Contas da União (TCU) apontaram indícios de desvio de verbas públicas em convênios firmados com entidades ligadas ao PDT. Acossado por denúncias graves, Lupi ainda se viu no direito de mentir ao Congresso e à nação, ao negar que viajara num avião particular providenciado por um dirigente de ONG que tem contratos com o Trabalho. A farsa – desmontada por fotos e vídeo – e as manchas no prontuário não foram suficientes para abalar a reputação do ministro. Lupi continuará no governo até a reforma ministerial por decisão da presidente Dilma Rousseff. Descobre-se agora que o governo foi advertido sobre as traficâncias no ministério muito antes de eclodir o primeiro escândalo. Há nove meses, sindicalistas ligados ao PT alertaram o Palácio do Planalto sobre a existência de um esquema de extorsão envolvendo assessores da confiança do ministro. Um esquema que tinha como vítimas não apenas as ONGs, como revelado por VEJA há um mês, mas também os sindicatos.
Essa nova face da máquina clandestina operada pela cúpula do PDT funcionava de uma forma bem simples: no Ministério do Trabalho, registro sindical era concedido mediante o pagamento de propina. O mecânico Irmar Silva Batista foi uma das vítimas dessa engrenagem. No papel, ele conseguiu criar o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Reparação de Veículos e Acessórios no Estado de São Paulo (Sirvesp). Irmar garante ter apresentado toda a documentação necessária para transformar o sindicato em realidade. Depois de registrar o CNPJ na Receita Federal, bateu à porta do ministério para concluir o processo. Foi justamente aí que esbarrou em dificuldades. Ele descobriu que o processo de registro estava à margem da lei. Para ter prosseguimento, precisava ser acompanhado do pagamento de pedágio. Em 2008, Irmar foi tratar do assunto com o então secretário de Relações do Trabalho do ministério, Luiz Antonio de Medeiros, um dos fundadores da Força Sindical, entidade intimamente ligada ao PDT.
Antes que a conversa ganhasse corpo, Medeiros o levou à sala do assessor Eudes Carneiro. “O Medeiros disse o seguinte: ‘Irmar, o que o Eudes acertar está acertado’.” Era o prenúncio do achaque. O mecânico conta que estranhou o comportamento de Eudes. “Ele pediu que a gente desligasse os celulares.” Era a iminência do achaque. “Em seguida, ele pediu 1 milhão de reais para liberar o registro do sindicato.” O achaque estava consumado. A reunião durou quarenta minutos. Irmar afirma que não aceitou desembolsar o valor e que, por isso, o registro sindical não saiu. “Defendo o governo e não aceitei pagar. Descobri que tinha uma verdadeira quadrilha ali dentro do Ministério do Trabalho.” Irmar, então, tentou resolver o problema de forma republicana, denunciando a tentativa de extorsão. Para isso, recorreu a sindicalistas e políticos.
Em fevereiro deste ano, tomou uma atitude mais extrema. Enviou por e-mail carta para a presidente Dilma Rousseff e o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, relatando a tentativa de cobrança de propina. Na mensagem, Irmar pede à presidente que abra uma investigação sobre a Secretaria de Relações do Trabalho, que tocaria processos de registro sindical “tendenciosos e lucrativos”. Ele narra em detalhes a atuação de um grupo que era liderado por Luiz Antonio de Medeiros e que, com a saída deste da pasta, passou a ser comandado por Marcelo Panella e Zilmara David de Alencar. Panella, que também é tesoureiro do PDT, foi demitido em agosto da chefia de gabinete de Lupi. Zilmara sucedeu a Medeiros na secretaria. “Só liberam o registro sindical se pagar por ele ou aos amigos da força Sindical”, escreveu Irmar. “Não pagamos o que queriam, por isso arquivaram o nosso processo.”
No dia 9 de março, o Palácio do Planalto confirmou o recebimento da carta. Na semana passada, a assessoria de imprensa da Presidência informou, porém, que, por questões técnicas, não foi possível fazer nada, já que o trecho que narrava a denúncia (no destaque na página 73) acabou cortado da mensagem recebida. “Há vários sindicatos que foram extorquidos, mas o pessoal tem medo de aparecer. Há outros sindicatos que pegaram o registro pagando o dinheiro”, revela Irmar. Procurado por VEJA, o assessor Eudes Carneiro garantiu que não recebeu o sindicalista em seu gabinete. “Nem o conheço”, assegurou. Luiz Antonio de Medeiros, ao contrário do colega, confirma que houve a reunião entre ele, Irmar e Eudes, mas a conversa teria se limitado a questões técnicas. Marcelo Panella também nega envolvimento na tentativa de extorsão. “O que há é urna briga muito grande entre os sindicalistas. Quem não ganha o registro sai fazendo acusações.” Em nota, o Ministério do Trabalho diz que foi técnica a decisão de não conceder o registro ao sindicato e que o processo está parado por decisão da Justiça.
“É uma quadrilha”
O mecânico Irmar Silva Batista tenta, há quatro anos, obter no Ministério do Trabalho o registro definitivo do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Reparação de Veículos e Acessórios no Estado de São Paulo. Não conseguiu até hoje, segundo ele, por causa de um entrave econômico. Para legalizarem a entidade, os assessores do ministro Carlos Lupi exigiram o pagamento de 1 milhão de reais de propina.
O senhor foi achacado no Ministério do Trabalho?
No fim de 2008, fui a Brasília reclamar da demora para registrar o sindicato. Procurei o Medeiros (Luiz Antonio de Medeiros, então secretário de Relações do Trabalho), que me levou a uma sala ao lado e disse: “O que o Eudes acertar está acertado”. Então ficamos a sós com o Eudes Carneiro (assessor do ministério). Antes da reunião, o Eudes mandou a gente desligar os celulares. Sentamos à mesa e veio a proposta indecente: eles pediram 1 milhão de reais para liberar o registro do sindicato.
Quem pediu o dinheiro?
Foi o próprio Eudes. A sala dele ficava ao lado da sala do Medeiros, na sede do Ministério do Trabalho, em Brasília. Eles queriam dinheiro vivo. Ali dentro todo mundo sabe o que acontece. A Zilmara Alencar (atual secretária de Relações do Trabalho) está envolvida nisso. É uma verdadeira quadrilha. E eu sou do PT, sou filiado ao PT há mais de vinte anos, defendo o governo. Avisei cinco deputados nossos sobre o que está acontecendo ali dentro. Avisei ao Eduardo Suplicy, avisei à Marta Suplicy, avisei à presidente Dilma.
O registro foi liberado?
Durante muito tempo, eles ficaram adiando a concessão do nosso registro. Foram várias tentativas de liberação, mas eles diziam que só liberavam com o dinheiro. Se não tivesse o dinheiro, não adiantava. Foi aí que eu mandei uma carta para o gabinete da presidente Dilma, contando o que estava acontecendo no ministério.
E como ficou a situação do seu sindicato?
Recorremos à Justiça contra o ministério. Não temos o registro porque eu não dei o dinheiro que pediram. Pediram 1 milhão de reais, e eu não tinha esse dinheiro. Entramos com toda a documentação legal. Sem o registro no ministério, não podemos cobrar a contribuição sindical. Nosso sindicato tem CNPJ, mas arquivaram o processo no Ministério do Trabalho agora, em 2011.
Por que o senhor afirma que o ministro tinha conhecimento desse esquema?
O Lupi tinha consciência do esquema. As pessoas do grupo eram ligadas a ele. Era Medeiros, era Zilmara, era o Eudes... Com a saída do Medeiros, o Panella é que passou a operar o esquema. Eu procurei o Lupi para reclamar, mas ele nunca nos atendeu. O Suplicy enviou ofício para o ministério para adverti-lo, mas ele também não respondeu.
O senhor fala em esquema, o que sugere que seu caso não foi o único.
Vários sindicatos foram extorquidos, mas o pessoal tem medo de aparecer. Há outros sindicatos que também foram vítimas disso, que aceitaram pagar propina.
Você denunciou a mais alguém a corrupção no ministério?
Na época eu mandei carta para o presidente Lula. Mandei agora para a presidente Dilma, mandei para a Advocacia-Geral da União. Avisei o governo em fevereiro. Falei para todos que um dia a casa ia cair no ministério.