segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Clima: as cidades não podem esperar mais

O ESTADO DE S. PAULO, Washington Novaes, 21 de janeiro de 2011


Postos mais uma vez, de forma dramática, diante da questão das inundações nas áreas urbanas, os habitantes da Grande São Paulo - assim como fluminenses, cariocas, mineiros e outros -, aturdidos, perguntam-se o que se fará, o que os espera, se o que prometem governos e autoridades será capaz de evitar repetições e agravamentos.

O autor destas linhas escreve há pelo menos 30 anos sobre mudanças climáticas e "eventos extremos" - como dizem os especialistas. Constata que tiveram e têm razão os cientistas que advertiram sobre a gravidade progressiva previsível. E vê que, do ângulo do poder, a visão não foi e não é essa: em geral, os desastres são encarados como fenômenos episódicos, excepcionais, sem a gravidade progressiva. Mas essa visão não corresponde ao que acontece no mundo, onde a cada ano centenas de milhões de pessoas são vítimas desses fenômenos e os prejuízos materiais crescem na casa das centenas de bilhões de dólares anuais. Em 2010 foram 950 "catástrofes naturais" no planeta. No Brasil, o balanço de 2010 (Estado, 6/1) é de 473 mortes em 11 Estados, 7,8 milhões de pessoas afetadas pelos desastres em 1.211 municípios, 101,2 mil desabrigados por eles (agora, mais de 700 só na Região Serrana do Rio de Janeiro). O Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) identifica no País 500 áreas de risco e 5 milhões de pessoas expostas.

Talvez uma das maiores evidências desse comportamento possa ser vista nas mais recentes inundações na cidade de Goiás, que é patrimônio cultural da humanidade declarado pela Unesco - e onde se repetiram agora, em grau menor, as enchentes de 2002 no Rio Vermelho. Naquela ocasião, o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios Históricos (Icomos), da Unesco, fez uma série de recomendações. Hoje se verifica que nada foi seguido.

Não são diferentes os casos atuais em outros lugares. Já em meados do ano passado o IBGE dizia (Estado, 21/8/2010) que só 6,1% dos municípios acompanhavam índices pluviométricos e adotavam comportamentos compatíveis. Em quase todos a situação era semelhante: bueiros obstruídos, ocupação intensa e desordenada do solo, lixo entupindo a drenagem urbana, etc. Dois meses depois (27/10), este jornal noticiava que o Sistema (estadual) de Previsão e Alertas sobre Enchentes falhara e não previra (duas horas antes, como deveria) o transbordamento de um ribeirão em Americanópolis, com vítimas de morte. Um mês antes, a Prefeitura dissera que a cidade estava "bem preparada para enchentes" (21/9). Mais curioso, na mesma notícia, é as autoridades municipais dizerem: "A atual gestão já encomendou pesquisas que indicam nova temporada de chuvas fortes a partir de dezembro". De fato, neste janeiro, só até dia 11 caíram 221,2 milímetros de chuva, 93% das esperadas para o mês todo, de 239 milímetros (12/1). Melhor nem falar no Estado do Rio, onde, segundo o coordenador da Defesa Civil, caíram na Região Serrana 260 milímetros em 24 horas, ou 260 litros de água por metro quadrado de solo.

E que poderia acontecer, se nos Rios Tietê e Pinheiros se acumulam 4,2 milhões de metros cúbicos de sedimentos e outros detritos, suficientes para encher 350 mil caçambas? Que pensar, se no desassoreamento do Rio Tietê e aprofundamento da calha já foi aplicado mais de R$ 1 bilhão? Só se pode lembrar o que há anos já dizem técnicos da Secretaria Municipal de Meio Ambiente: com mais de 30 córregos e rios sepultados, sedimentos continuarão a ser carreados para o Tietê, incluindo os depositados nas cabeceiras.

Há poucos dias, o Centro Democrático dos Engenheiros de São Paulo lançou manifesto em que lembra ser a causa principal dos problemas "a ocupação de áreas inundáveis de córregos e rios", isto é, de áreas de inundação natural, periódica e previsível. Para isso contribuíram tanto a especulação imobiliária como populações carentes. E se somaram a erosão, dispersão do lixo, deposição de esgotos. Fora a "desconexão" entre órgãos encarregados de enfrentar os problemas. E esta última, diz o manifesto, é a questão mais grave que precisa ser enfrentada.

Muitas pessoas tentam, em mensagens ao autor destas linhas, expor suas propostas. É o caso do engenheiro naval Geert J. Prange, com 45 anos de experiência - inclusive em projetos de drenagem -, que propõe a "sifonagem de águas pluviais para a Baixada Santista", na tentativa de aliviar a situação da capital, já que "no último verão caíram 720 milhões de metros cúbicos de água". Isso poderia ser feito em tubos de dois metros de diâmetro, ao longo de dezenas de quilômetros. Já o engenheiro Braz Juliano, formado há 62 anos, recomenda que São Paulo estude com atenção o sistema de drenagem profunda da Cidade do México, que está 200 metros acima do nível do mar e para ele conduz, com poços e túneis, desde 1910, o excesso de água. Aqui, diz ele, as águas poderiam ser levadas para a Praia Grande, em direção ao Vale do Rio Juqueri.

São Paulo não pode adiar mais algumas decisões: 1) Implantar uma macropolítica que oriente toda a questão urbana e descentralize ao máximo a administração, de modo a colocá-la o mais próximo possível dos problemas em cada lugar; 2) estabelecer rigor máximo nos licenciamentos, para evitar novos impactos (adensamentos, congestionamentos, poluição, etc.); 3) rever todas as ocupações em áreas de risco e promover o reassentamento dos habitantes; 4) exigir em cada construção um sistema de retenção de água de chuvas (para minimizar o risco de inundações), até para utilização posterior; 5) impedir mais impermeabilização de solo e trabalhar para remover parte do que está feito; 6) aperfeiçoar o sistema de previsão e alerta de eventos extremos; 7) tomar decisões inadiáveis na área de transportes (rodízio mais abrangente? Pedágio em certas áreas, para aumentar a velocidade dos ônibus? Licenciamento de novos veículos só com a exigência de retirar outros de circulação?).

O importante é ter pressa.

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