quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Maioria no Congresso não garante reformas

VALOR ECONÔMICO, Ribamar Oliveira, 7 de outubro de 2010


Não é inteiramente verdadeira a avaliação de que o crescimento da base de apoio ao governo nas eleições de 3 de outubro, com os partidos aliados obtendo maioria superior a três quintos dos votos na Câmara e no Senado, garantirá à ex-ministra Dilma Rousseff, caso eleita para a Presidência da República, a aprovação das reformas constitucionais necessárias ao avanço do país. O aumento da base governista pode ajudar, mas não assegura. Não foi por falta de maioria parlamentar no Congresso que o governo Lula deixou de realizar ou concluir as reformas a que se propôs.

Mesmo com toda a sua popularidade, Lula não conseguiu regulamentar uma importante reforma da previdência dos servidores públicos, que poderia ter sido feita por uma simples lei ordinária. Ou seja, uma lei aprovada por maioria simples de senadores e deputados.

No início de seu primeiro mandato, o presidente obteve uma vitória aparentemente mais difícil: alterou os dispositivos da Constituição que tratam do regime próprio de previdência dos servidores, estabelecendo uma relação entre essas regras e as do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), aplicadas aos trabalhadores da iniciativa privada.
Lula não conseguiu, no entanto, regulamentar a medida mais importante que, por isso, continua sem valer. Ela prevê que a aposentadoria dos servidores será limitada ao teto do INSS (hoje de R$ 3.467,40). Quem quiser receber mais do que isso terá que contribuir para um fundo de pensão. Além de socialmente justa, pois iguala os trabalhadores dos setores público e privado, a medida permite o equilíbrio das contas do regime de previdência dos servidores, cujo déficit anual hoje é maior do que o do RGPS, mais conhecido como INSS.

Essa medida valeria para as pessoas que ingressassem no serviço público depois da criação do Fundo de Pensão. O projeto de lei nº 1992, encaminhado pelo governo à Câmara em 2007, criando o Fundo, nunca foi aprovado. Na verdade, ele sequer foi aprovado na Comissão de Trabalho, a primeira a que foi submetido. Não foi por falta de base parlamentar do governo, pois os partidos governistas possuem hoje 357 deputados de um total de 513.

O projeto foi engavetado por pressão direta das entidades representativas dos servidores públicos, entre eles os juízes. Essas entidades são, quase todas, ligadas à CUT, ao PT e aos partidos de esquerda. Mas os servidores contam também com defensores intransigentes em outros partidos.

Recentemente, o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) apresentou uma proposta de emenda constitucional (PEC) restabelecendo a aposentadoria integral para os juízes e membros do Ministério Público, que tinha sido derrubada pela emenda constitucional nº 20/1998, aprovada durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. A PEC recebeu parecer favorável do senador Marconi Perillo (PSDB-GO) e foi subscrita por 29 senadores. Ela está em discussão na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado.

Também em 2007, o governo Lula encaminhou à Câmara um projeto de lei complementar instituindo controle para a expansão das despesas com pessoal em cada um dos poderes da União. Esses gastos não poderiam subir além da inflação anual (medida pelo IPCA) mais 1,5%, resguardados os acordos salariais firmados até o fim de 2006. A nova regra valeria apenas por um determinado período. Esse limite, posteriormente, foi elevado para inflação mais 2,5% e, em seguida, o projeto foi arquivado e nunca mais o governo falou nele. Se aprovado, mesmo com a alteração feita (para 2,5%), e resguardando os acordos salariais firmados até o fim de 2009, o projeto se transformaria no pilar da política fiscal que o Brasil necessita atualmente. Sem necessidade de mudança constitucional ou de base partidária superior a três quintos.

Há ainda o caso da reforma tributária, tentada por duas vezes pelo governo Lula, sem sucesso. Em 2008, naufragou por várias razões. Em primeiro lugar, por causa da oposição de alguns grandes Estados, potenciais perdedores, como é o caso de São Paulo. Uma das principais medidas da proposta de reforma do governo era mudar a forma de apropriação da receita do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), que passaria a ser feita, em maior parcela, pelos Estados de destino dos bens e serviços, e não mais pelos Estados de origem, como ocorre hoje. Esse é o único caminho, reconhecido por quase todos os especialistas, para acabar com a guerra fiscal travada hoje, na qual um Estado reduz o ICMS para atrair investimentos para seu território.

A crise econômica internacional, que estourou em setembro de 2008, ajudou a esfriar o ânimo em torno da reforma tributária. Mas a reforma emperrou também por outros fatores ainda pouco conhecidos, como a ação de deputados da própria base do governo e da oposição inconformados com a extinção dos tributos que hoje financiam a Seguridade Social. A Cofins e a CSLL seriam incorporadas ao Imposto sobre Valor Agregado (IVA-Federal) e ao Imposto de Renda, respectivamente. A reação desses parlamentares contra essa mudança central da proposta paralisou a reforma.

A experiência dos últimos 15 anos mostra que o andamento dessas reformas não depende unicamente do número de parlamentares da base governista. As primeiras propostas de mudanças no sistema tributário e na Previdência Social foram feitas em 1995. As reformas dependem do amadurecimento da sociedade em relação às alterações que estão sendo discutidas, da proposta apresentada e da determinação do presidente da República.

Ribamar Oliveira é repórter especial em Brasília e escreve às quintas-feiras

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