GAZETA DO POVO, 28 de janeiro de 2011Coronel reformado Jorge Luiz Thais Martins teria cometido os crimes sozinho, mas recebia ajuda de outras pessoas nas ameaças a testemunhas, sobreviventes dos ataques e moradores da região dos crimesEm entrevista concedida na tarde desta sexta-feira (28) em Curitiba, a ex-delegada titular da Delegacia de Homicídios (DH), Vanessa Alice, disse que o ex-comandante do Corpo de Bombeiros do Paraná, Jorge Luiz Thais Martins,
suspeito de cometer os crimes, agia sozinho nos homicídios. Mas a delegada confirmou que ele teria contado com a ajuda de outras pessoas para fazer ameaças a testemunhas, vítimas e moradores próximos aos locais dos crimes. Há ainda indícios da participação de outros policiais nos crimes, informação que não foi confirmada pelos delegados.
Perguntada se os responsáveis pelas ameaças tinham ligação com instituições públicas de segurança, a delegada respondeu “não podemos informar”. Também participaram da entrevista o delegado-geral da Polícia Civil, Marcos Vinícius Michelotto, do delegado chefe da Divisão de Investigação Criminal, Luís Artigas Júnior, e a delegada titular da DH, Maritza Haise, além de outros delegados envolvidos nos inquéritos.
De acordo com a delegada Vanessa, o reconhecimento fotográfico do coronel por parte das vítimas que sobreviveram aos ataques e de testemunhas foi feito em novembro do ano passado. Dois atentados ocorreram após este reconhecimento. Questionado se a polícia não poderia ter evitado dos dois últimos ataques, o delegado Michelotto afirmou que “não se pode pedir prisão preventiva a partir das primeiras evidencias”. Ele explicou que esse pedido é feito a partir de um embasamento mais consistente com analise técnica dos fatos e existência de outras provas.
No cumprimento dos mandados de busca e apreensão realizados na casa do coronel foi encontrada uma caixa com munição que seria a mesma da usada em alguns dos atentados. O tipo de munição não foi especificado. Outras provas colhidas no local não foram reveladas. Os delegados ainda confirmaram que um dos veículos utilizados no crime, uma Ford Ecosport, pertence ao coronel. Outro veículo, possivelmente um Honda Civic ou um Citroën, ainda não foram localizados.
Depoimento - Por volta das 18h, o ex-comandante Jorge Luiz Thais Martins chegou na DH sem falar com a imprensa. Um carro oficial do Corpo de Bombeiros parou na entrada principal da DH enquanto o coronel aproveitou para entrar pelos fundos, sem ser visto.
O suspeito prestou depoimento por cerca de duas horas e meia, até as 20h30. Durante a oitiva, Martins se defendeu e negou sua participação nos crimes dos quais é acusado. A exemplo do que ocorreu na chegada, o coronel deixou o prédio da DH sem conceder entrevistas. Na saída, ele usou um boné para esconder o rosto. A delegada Maritza Haisi, titular da DH, informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não vai dar detalhes sobre o depoimento.
Apresentação - O ex-comandante do Corpo de Bombeiros do Paraná Jorge Luiz Thais Martins se apresentou à polícia no início da tarde desta sexta-feira (28). Martins está no Quartel da Polícia Militar em Curitiba. Ele é suspeito de ter cometido pelo menos nove assassinatos entre agosto de 2010 e janeiro de 2011 nas imediações do bairro Boqueirão. Os crimes teriam começado depois de o filho dele ser assassinado, em um assalto no bairro Boqueirão em outubro de 2009, quando deixava a namorada em casa.
Caso - O coronel Jorge Luiz Thais Martins é suspeito de ter cometido cinco atentados que resultaram na morte de nove pessoas e deixaram outras cinco feridas, entre agosto de 2010 e janeiro de 2011. De acordo com fontes ligadas à polícia, ouvidas pela Gazeta do Povo, em todos os casos foram atacados grupos de usuários de droga ou pessoas que estavam em pontos tradicionais de encontro de usuários. Em apenas um dos atentados não houve sobreviventes.
Os crimes teriam começado depois do assassinato do filho do coronel, morto em um assalto no bairro Boqueirão em outubro de 2009, quando deixava a namorada em casa no início da manhã.
Policiais cumpriram mandados de busca e apreensão na casa do coronel na manhã da quinta-feira (27). Como não havia ninguém em casa, o irmão do coronel foi chamado para abrir a residência. Os policiais queriam reunir provas que comprovassem o envolvimento do ex-comandante com os crimes, que teriam ocorrido entre agosto e dezembro de 2010.
Em entrevista coletiva, o advogado do ex-comandante, Eurolino Sechinel dos Reis, disse que o inquérito policial foi mal construído e alegou que não existem provas contra o coronel.
Espanto - Entre os colegas de farda do coronel Martins, o clima é de incredulidade. Para o comandante do Corpo de Bombeiros, coronel Luiz Henrique Pombo, que trabalhou com Martins, a notícia do envolvimento dele em nove assassinatos é motivo de surpresa para todos. “Não vejo o coronel portando uma arma e matando pessoas por aí”, disse. Além de companheiros de trabalho, eles também mantinham um convívio pessoal. O coronel Pombo conta que os filhos de ambos brincaram juntos.
Durante oito anos, Pombo atuou ao lado do coronel Martins como sub-comandante, no litoral. Segundo ele, o ex-comandante sempre foi uma pessoa ponderada, calma e metódica. Lembra que, após a morte do filho, o então comandante ficou muito abalado, mas voltou ao trabalho.
Martins trabalhou no Corpo de Bombeiros por 37 anos. Comandou o Primeiro Grupamento dos Bombeiros de Curitiba e o Corpo de Bombeiros do litoral até encerrar a carreira em 2009. Em seu currículo constam o reequipamento da corporação e a criação do Bombeiro Comunitário.
Advogado de Martins critica inquérito e diz não haver provas - O advogado Eurolino Sechinel dos Reis, que representa o coronel Jorge Martins, atacou duramente o inquérito policial que embasou a decisão da Justiça que determinou a prisão preventiva do acusado. Classificando a peça de “lixo”, o defensor avaliou que não existe provas consistentes contra o ex-comandante dos Bombeiros. “[O inquérito] é um dos maiores absurdos que eu já vi em minha carreira e que denigre um homem que, durante 37 anos, lutou para salvar vidas”, disse, em entrevista coletiva na noite de ontem.
De acordo com o advogado, os atentados cuja autoria é atribuída ao coronel ocorreram em datas em que o acusado não se encontrava em Curitiba. Sechinel dos Reis também contestou o fato de os nomes das testemunhas terem sido mantidos sob sigilo no inquérito. “O nome do coronel foi para o lixo, enquanto a identificação dos ‘vagabundos’ nem constam [no inquérito]”, afirmou.
Apesar de afirmar que leu o conteúdo do inquérito apenas superficialmente, Sechinel dos Reis afirmou que as provas são fracas e que, diante da “falta de probativo”, a defesa vai impetrar, ainda nesta semana, um pedido de habeas corpus, com o objetivo de garantir que o coronel permaneça em liberdade.
Filho assassinadoO filho do coronel, Jorge Guilherme Marinho Martins, foi assassinado na manhã do dia 22 de outubro de 2009 durante uma tentativa de assalto no bairro Boqueirão, em Curitiba. Martins, de 26 anos, foi abordado por volta das 6h30 na Rua Conde de São João das Duas Barras, quando estava em um carro acompanhado de sua namorada, Jéssica de Andrade Casas, de 21 anos. Eles voltavam de uma festa e o homicídio ocorreu em frente à residência da garota. O rapaz morreu no local, enquanto Jéssica foi atingida no antebraço direito e no tórax.As investigações do caso revelaram que dois usuários de drogas poderiam ter cometido o crime, mas eles foram liberados por falta de provas. As pessoas que teriam sido mortas pelo coronel seriam usuários de droga e estavam no mesmo bairro onde seu filho foi morto, mas não teriam ligação com aquele crime.Uma pessoa, que não foi identificada, e que teria sobrevivido a um dos ataques feitos pelo coronel revelou que ele agia com a cara limpa e arma em punho. Ele relatou que foi abordado durante a noite e, mesmo com a escuridão, ele conseguiu ver o rosto de Martins.