segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Brasil passa no teste, mas não supera gargalo

TONI SCIARRETTA, Folha de S. Paulo, 13 de setembro de 2009


Com bom desempenho, país ganha destaque no mundo, mas problemas estruturais podem atrapalhar avanço no longo prazo. Para especialistas, aumento dos gastos permanentes do governo é uma das maiores distorções na política do país e pode elevar juros

Nem tsunami nem marolinha. No início da crise, parecia que a economia brasileira ia sucumbir, mas, um ano depois, o país emerge das turbulências escapando do pior. Para alguns setores da indústria, entretanto, segue o tempo ruim.

A taxa de juros é a menor da história. Os depósitos compulsórios foram reduzidos, acirrou-se a concorrência entre bancos privados e públicos, e a percepção geral do mundo é que o Brasil resistiu bem às intempéries e merece receber investimentos -porém, a entrada de recursos acentua a apreciação do real e atrapalha mais a vida dos exportadores.

"Como o descolamento não é possível, usamos a palavra "diferenciação". A crise destacou o Brasil dos demais, já que o seu desempenho tem sido muito melhor do que o de outros países", diz Ricardo Carneiro, professor da Unicamp.

Com receio de uma explosão da inadimplência, os bancos privados cortaram o crédito para clientes de maior risco e priorizaram as grandes empresas que se financiavam no exterior. O resultado foi empoçamento do crédito e aumento dos "spreads" [diferença entre as taxas de captação dos bancos e as repassadas aos clientes].

Para reverter o quadro, o governo colocou os bancos públicos para emprestar e ganhar o mercado deixado pelas demais instituições. Às empresas exportadoras, que não conseguiam mais captar recursos e se financiar, o governo forneceu linhas especiais. Agora, os bancos privados buscam reduzir margens para retomar o espaço perdido no crédito.

"As políticas adotadas foram bem-sucedidas. Somente o corte do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) dos carros garantiu o emprego de 50 mil a 60 mil pessoas. A experiência mundial evidenciou que políticas macroeconômicas contracíclicas são políticas de Estado, e não de governos", afirma João Sicsú, do Ipea.

A despeito dos êxitos de curto prazo, no entanto, algumas distorções continuam atravancando o caminho para o desenvolvimento perene e sustentável do país. Uma das maiores, segundo especialistas, diz respeito aos gastos do governo.

Para Claudio Haddad, presidente do Insper, o nível atual da taxa de juros, entre 4% e 5% reais ao ano, não vai durar muito. "Se a política fiscal ficar como está, provavelmente teremos que voltar a subir a Selic em algum momento do ano que vem. Investimentos temporários -como em projetos de infraestrutura- são indicados em momentos de dificuldade. Não foi esse o tipo de despesa realizada, entretanto", disse.

"Nessa área, não há muito o que fazer. Não tem como voltar para trás o aumento salarial do servidor ou o do salário mínimo", afirma Alexandre Schwartsman, economista-chefe do Santander e ex-diretor do Banco Central.

A retirada dos benefícios tributários do IPI deve adiar o momento em que o BC tornará a puxar a taxa para cima, na opinião de Bráulio Borges, economista da LCA Consultores. "Muita gente que pretendia adquirir tais bens antecipou as compras, o que alivia eventuais pressões inflacionárias."

"O melhor momento para retirar esses benefícios é quando a iniciativa privada já tiver reagido com elevação de consumo e investimento", diz Sicsú.

"Marolinha não foi. O Brasil começou a se recuperar agora e ainda está longe de onde chegou no ano passado", afirma Schwartsman.


1 ano de crise

Tombo do mercado financeiro iniciado nos EUA afeta indústria, emprego e juros

Passado um ano desde a quebra do banco Lehman Brothers, nos Estados Unidos, o colapso total temido por economistas não se concretizou. Embora seja cedo para afirmar que a crise acabou -especialmente em países ricos, como EUA e os da zona do euro, onde a recessão perdura-, o ritmo de queda é menor em todo o mundo. Nos emergentes Brasil, Rússia, Índia e China, pelo contrário, a recessão técnica ficou para trás. O ritmo de crescimento pré-crise, contudo, segue distante.


Um ano de crise

CRÉDITO
Com a crise, os bancos ficaram mais seletivos para emprestar, com medo de calotes. O crédito escasseou e encareceu também no Brasil. Com isso, bancos públicos, como BB e Caixa, assumiram a dianteira para estimular o mercado.

VAREJO
O consumo das famílias se manteve aquecido durante a crise e foi um dos responsáveis por atenuar a queda do PIB brasileiro no último trimestre de 2008 e nos três primeiros meses deste ano. A crise foi sentida no varejo, mas, em áreas menos dependentes de crédito (como bens não duráveis), foi menor do que o temido

JUROS
O governo reduziu os juros cobrados em linhas do BNDES para estimular empresários a vencer a incerteza e investir. O Banco Central também reduziu a taxa básica de juros ao menor patamar da história

INVESTIMENTOS
No ano passado, o crescimento da economia estava acelerado. Com isso, as empresas planejavam expandir negócios quando a crise irrompeu e represou demanda e crédito. Além disso, com a queda do PIB, a confiança dos empresários se deteriorou e muitos esperam sinais mais claros de superação da crise para voltar a investir

ESTÍMULOS
Para auxiliar empresas que ficaram mais expostas à crise, o governo cortou impostos. A principal medida, que surtiu efeito, foi a redução de IPI a automóveis e eletrodomésticos da linha branca

EMPREGO
Desde setembro de 2008, a criação de postos de trabalho no Brasil diminuiu e, em dezembro, atingiu o pior resultado desde 1992. A recuperação começou em fevereiro, mas as vagas perdidas durante a crise ainda não foram reabertas. A indústria foi o setor mais afetado

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