sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Com corte de R$50 bi, elevação menor nos juros

O GLOBO, 11 de fevereiro de 2011

Analistas dizem que ajuste fiscal é mais eficiente que aperto do crédito, mas alertam que freio nos gastos deve ser cumprido à risca


O ajuste fiscal recorde anunciado pelo governo - que cortou R$50 bilhões do Orçamento de 2011 - elimina, a princípio, a necessidade de o Banco Central (BC) promover uma elevação maior do que a já projetada pelo mercado para a taxa básica de juros, de 11,25% para 12,5% ao ano em dezembro. Para analistas, Ministério da Fazenda e o BC, a tesourada nos gastos é um freio direto na demanda agregada e mais eficiente do que as medidas de esfriamento do crédito adotadas no fim do ano passado. Mas, para funcionar, o contingenciamento terá que ser cumprido à risca, com a entrega de um superávit primário (economia para pagar juros da dívida) cheio, sem desconto de investimentos, de 2,9% do Produto Interno Bruto (PIB).

- Não basta ter o corte de R$50 bilhões este ano, precisamos ter uma continuidade dessa política (de austeridade) - afirmou o economista-sênior do banco Santander, Marcelo Molan.

Diante da aceleração da inflação e da contínua deterioração das expectativas com o comportamento futuro dos preços, tanto em 2011 como em 2012, o mercado vinha especulando a necessidade de um aperto monetário superior ao que já se espera, de 1,5 ponto percentual ao longo deste ano. O IPCA vem surpreendendo negativamente os analistas. Fechou janeiro a 0,83%, contra projeção média de 0,78%. Para o ano fechado, a estimativa, que começou 2011 a 5,32%, já está em 5,66% - o centro da meta é de 4,5%, com margem de dois pontos para cima ou para baixo. Muitos economistas projetam que, no meio do ano, o índice ultrapassará o teto de 6,5% no acumulado em 12 meses.

Para Felipe Salto, da Tendências, o importante é o governo divulgar o mais rapidamente possível o detalhamento dos cortes. A equipe econômica antecipou o anúncio porque vinha sendo pressionada pelo mercado. Mas, como terá que segurar boa parte das emendas parlamentares e quer apoio do Congresso para aprovar o salário mínimo de R$545, adiou a má notícia para a próxima semana.

- O mesmo ministro (Guido Mantega, da Fazenda) que promoveu uma deterioração fiscal nos últimos anos agora fala em austeridade - disse Salto, ao explicar a reação cautelosa do mercado ao contingenciamento.

Projeção de alta de juros cai de 15% para 12,25%

Já o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas, disse que o pacote fiscal influencia expectativas:

- Cortes de gastos são lentos por natureza. Com isso, a trajetória esperada para os juros vai mudar (lá na frente).

O economista Bráulio Borges, da LCA Consultores, concorda. Ele calcula que o corte fará com que os gastos do governo, que subiram 10% em termos reais em 2010, subam apenas 3% este ano. Com isso, o BC, que poderia elevar juros para até 15%, poderá trabalhar na faixa de 12,25%:

- O corte tem um efeito prático na política monetária.

Além disso, uma Selic maior significa mais gastos com juros da dívida. Cada ponto percentual de alta da taxa básica significa cerca de R$5 bilhões de dívida mobiliária federal.

O Barclays Capital, por outro lado, destacou em relatório que o anúncio é bem-vindo, por reduzir parte do receio da inflação, mas "não elimina a necessidade de continuar ajustando as condições monetárias e reduzindo a demanda".

Para o diretor de Gestão da Gradual Investimentos, Pedro Paulo Silveira, o plano de intenções, se concretizado, ajudará a conter o ímpeto expansionista da política fiscal, mas não será suficiente para mudar o cenário inflacionário:

- O que o governo está dizendo é que não vai mais jogar gasolina na inflação. Mas não dá para acreditar que a inflação vai acabar por causa de um miniajuste fiscal.

O economista-chefe da Convenção Corretora, Fernando Montero, não acredita que o governo consiga fazer o corte de R$50 bilhões, mesmo que também sejam reduzidos os gastos em investimentos. Porém, afirma que deve ser celebrada a coragem do governo em enfrentar os interesses de diferentes grupos, como sindicatos, aposentados e Congresso.

Tesourada atinge "na veia" demanda agregada

A Fazenda concorda com a avaliação do BC de que o corte de R$50 bilhões ajudará na condução da política monetária, evitando juros mais elevados ainda. As ações representaram na prática uma restrição à concessão de crédito, especialmente para financiamento da compra de bens duráveis, como automóveis, ao deixarem menos dinheiro à disposição dos bancos para empréstimos. A eficácia do corte de R$50 bilhões é maior porque o contingenciamento atinge "na veia" a demanda agregada.

O mercado, que virou o ano apostando em Selic a 12,25% em dezembro, ajustou as expectativas para 12,5% no fim de janeiro. Mas há quem trabalhe com 13% - caso do Santander. Já o economista-chefe da Sul América Investimentos, Newton Rosa, ainda aposta em 12,25%:

- A base de trabalho do BC é essa, de um superávit primário de 3% do PIB. Por isso, não mudei minhas previsões.

Carlos Thadeu destacou que a inflação não está sendo pressionada apenas pela demanda do Estado sobre a economia, mas também por fatores internacionais, como é o caso das commodities.

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