quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Os responsáveis em ação

JANIO DE FREITAS, Folha de S. Paulo, 17 de setembro de 2009

A sessão em que o Senado deu forma à legislação eleitoral foi uma bagunça; não foi a ideia de liberação que sobressaiu


O PÓ DE ARROZ com que a enrugada legislação eleitoral foi retocada no Senado, ao fim de mais de dois anos prometida a necessária reforma política, dá bem a medida da dificuldade de surgir algo para melhorar o padrão rastaquera em que está a vida política e institucional brasileira.

O texto aprovado pela Câmara e remetido à apreciação do Senado já era patético. O governo não tinha interesse algum em mobilizar sua maioria de deputados para produzir uma reforma, ou ao menos as modificações mais necessárias ao desarranjado organismo político: assim como estão as coisas, a Presidência não tem as elegâncias de um poder imperial, mas tem tudo de um poder caudilhista. No Senado, porém, as condições para reelaborar o texto originário da Câmara contavam com três fatores favoráveis.

O Senado vem de mais de meio ano de crescente degradação, e um trabalho modernizador e moralizador da legislação eleitoral lhe seria de imenso proveito. No plenário tão menor que o da Câmara, 81 em relação a 513, a capacidade de determinados senadores dilui-se muito menos do que ocorre entre os deputados. E o mesmo motivo numérico junta-se a uma configuração partidária menos conduzida pela rédea do governo, dando mais oportunidade a acordos.

A sessão em que o Senado deu a sua forma à legislação eleitoral do país foi uma formidável bagunça. Não por aquele jeito entre recreio de escola primária e esquina de botequim que prevalece na Câmara, mas porque mesmo os mais preparados, tamanha era a desordem, perdiam-se até a respeito de que emenda ou requerimento estava por votar-se ou encaminhar. Não há dúvida de que muitos, senão a maioria, votavam sem saber em que, no sistema "quem rejeita fique como está, está rejeitado" (a vírgula, no caso, vale uma fração de segundo).

Duas ocasiões foram perfeitas na evidência de quanto a moralização e a modernização se mostram incapazes de enfrentar os interesses dos políticos. A meu ver, nenhuma das inúmeras emendas propostas era mais essencial do que esta apresentada por Eduardo Suplicy: até três dias antes das eleições, ou em 30 de setembro, todos os candidatos teriam que apresentar as contribuições recebidas e sua procedência. Uma informação de grande utilidade para o eleitor, decisiva, mesmo, para muitos. Mal Suplicy releu na tribuna a sua proposta, Heráclito Fortes partiu enfurecido, vociferando contra "os aloprados, as malas de dinheiro que nunca foram esclarecidas, e eram em São Paulo".

Antes que os berros cedessem, o presidente do PSDB tratou de apoiá-los, com aquele ar de ponderação que o senador Sérgio Guerra costuma adotar: "Todos sabem que o problema é o das contribuições ocultas, o que se deve é estimular as contribuições declaradas, e não criar mais temor nos doadores", e por aí foi. Pronto. Estava dada a pista para a grande maioria rejeitar a proposta. Mas a divulgação prévia dos contribuintes não prejudicaria o (inexistente) combate às doações encobertas. Nem criaria maior temor de represálias por eleitos não agraciados, porque, passada a eleição, as contribuições legais são declaradas à Justiça Eleitoral e tornam-se divulgáveis.

A liberação da propaganda na internet deu aparência equívoca à sessão do Senado. O modo como prevaleceu é esclarecedor. Não foi a ideia de liberação que sobressaiu nos numerosos pronunciamentos. Quando apresentou a fórmula liberatória sugerida por Aloizio Mercadante, o relator Eduardo Azeredo destacou uma razão para que fosse aprovada: "Se deixarmos o vácuo, a Justiça Eleitoral vai legislar outra vez, vai fazer o papel do Legislativo". Daí por diante, esse argumento foi reproduzido e adotado, até transformou-se em acordo geral. Não pela liberdade.

Já com o pó de arroz, o texto volta à Câmara. Não para melhorar.

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