quinta-feira, 17 de setembro de 2009

'É como se eles tivessem recebido um prêmio, tivessem apostado e ganhado'

O GLOBO, 17 de setembro de 2009


Para procurador, a legalização legitima ações criminosas dos donos de bingos


Pelas mãos do procurador José Augusto Vagos, do Ministério Público Federal, passam todos os casos envolvendo bingos no Rio. Ele esteve à frente das últimas investigações que mostraram as conexões do jogo e dos bingos com ações do crime organizado. Na avaliação do procurador, a decisão que abre caminho para os bingos é desastrosa: "É como se eles tivessem apostado e ganhado". Maiá Menezes


O que achou da decisão da CCJ?

JOSÉ AUGUSTO VAGOS: Já esperava, por causa dos lobbies. O projeto retrata o que existia na Lei Pelé, com a diferença que pseudo-controlaria o jogo e repassaria recursos para a Saúde. A lei substancialmente é a mesma. O problema é que foram feitas nos últimos três anos operações policiais de grande repercussão, tivemos a prisão de dois desembargadores federais cooptados pelo jogo. São acusados perante o Supremo. Isso mostra o alcance da criminalidade organizada. É de estarrecer uma situação dessa, quando você sabe que, legalizando o bingo, vai estar colocando o jogo na mão de quem já explora, já foi denunciado, acusado, em alguns casos condenado. Além dos casos de corrupção de comandantes de batalhões, de ex-chefe de Polícia Civil. Na Operação Gladiador havia vários homicídios. Há crimes hediondos por trás. Quando o Parlamento legaliza o jogo, legaliza essa situação. Ou você acha que um empresário honesto vai investir patrimônio em uma atividade que sabe que é insegura? Quem fiscalizar vai estar suscetível à corrupção. É como se eles recebessem um prêmio. Como se tivessem apostado e ganhado.

Para onde operadores dos jogos migraram nesse período?

VAGOS: Para o jogo clandestino. Embora o bingo tivesse sido legalizado de 1998 a 2002, com a Lei Pelé, as máquinas caça-níqueis, fora dos bingos, nunca foram legalizadas. Boa parte da movimentação financeira das organizações criminosas advém dessas máquinas. A partir do momento que há a legalização dos bingos e a possibilidade de usar caça-níqueis nos bingos, fatalmente os caça-níqueis serão usados fora. Não há dúvida. Não é o jogo em si. Mas a periferia que estará sendo legitimada. São pessoas que estão respondendo a ação penal. Na operação Gladiador, no Rio, foram 43 denunciados. Na Furacão, mais de 50. Na Olho de Touro, mais de 30.

Como imagina que eles conseguem essa aprovação?

VAGOS: Existe a bandeira de que gerará empregos. Gera emprego e tributo? Gera. O problema é que o tributo é calculado em cima da contabilidade oficial. Ninguém é tolo de acreditar que os bingos, em se tratando dos donos que vão ter, vão contabilizar oficialmente o que recebem. Eles não vão abrir mão dos lucros. Vai haver uma contabilidade oficial, que gerará tributação ínfima. E o caixa 2, a grande movimentação, vai continuar havendo. Gerará corrupção. Tem gente que acha que com a legalização isso vai acabar. Vai haver necessidade de controle, e o controle será passível de corrupção. E isso pode se afirmar pelo passado de quem vai continuar explorando. Não tem como afirmar outra coisa.

A sociedade perde...

VAGOS: Não pode apenas sopesar a geração de empregos e tributos. E esquecer o que está na periferia: a corrupção desenfreada de autoridades públicas de todos os escalões, com homicídios, contrabandos. Agora quem pode fazer mais é a sociedade. Em sendo legalizado, não vejo em princípio nenhuma arguição de inconstitucionalidade possível. O próprio Supremo disse que os bingos só poderiam funcionar com lei federal.

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