segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Cogumelos em conserva

JANIO DE FREITAS, FOLHA DE S. PAULO, 20 de setembro de 2009

O governo Lula não explica sobre a atual insistência em comprar armamentos e assistência apenas franceses


UM PAÍS PODE COMPRAR ou permutar as informações completas para a produção de bombas nucleares sem incorrer nos riscos bélicos e punições comerciais que desabam sobre o Irã e a Coreia do Norte, que estariam buscando as mesmas informações por pesquisas próprias. O ardil é simples: não exige mais do que resguardar com segredo a aquisição dos segredos. O que impede de fazer uso das informações em prazo preestabelecido, mas tal restrição é duplamente compensada. De uma parte, pelo saber obtido sem o custo brutal, os anos e os problemas da pesquisa; de outra, se o seu propósito não é possuir a arma de imediato, poderá ver-se como potência nuclear ante presumidas ameaças futuras a suas riquezas naturais.

No ciclo de armamentismo em que a América do Sul está entrando, liderado em custo e em força bélica pelo Brasil, a aparência inteligente daquele artifício traz implícito um problema inquietante. É a improbabilidade de que sejam cumpridos, pelo país adquirente, os compromissos de prazo mínimo para o uso prático das informações. Assim como os de pesquisa de novos processos para algumas etapas de fabricação, com o fim de desorientar investigações sobre a origem do "know-how", entre outros itens dos contratos de permuta ou compra.

Além dos cientistas, mesmo os militares brasileiros são divididos a respeito da conveniência estratégica de artefatos nucleares, e nem o submarino nuclear escapa de bastante oposição na Marinha. Mas a ansiedade da corrente brasileira favorável a tais artefatos já deixou, e deixa ainda, indícios da sua disposição. Como foram os já distantes casos das contas secretas reveladas, na Folha, pela repórter Tânia Malheiros e dos buracos típicos de testes nucleares, em área militar no Brasil Central, expostos pela repórter Elvira Lobato.

O governo Lula e o próprio nada explicam sobre a insistência em comprar dezenas de bilhões de reais nos armamentos e assistência apenas franceses. A contrariada admissão da preferência fica pela metade, e a melhor metade está recheada de inverdades. Era para ser um negócio tão envolvido em sigilos quanto possível, divulgada apenas a compra, com ares de um negócio normal. Não pôde ser assim. E não se sabe como será.

Nos últimos dias da semana, o Ministério da Defesa e a Presidência discutiam, entre outros imprevistos, o adiamento da apressada data final das propostas para os aviões de caça, antes marcada para amanhã. É que o prazo mínimo de nove dias fixado por Nelson Jobim, para elaboração e entrega das propostas finais, não impediu a sueca Saab e seu governo de surpreenderem com uma oferta embaraçosa para quem quer, ou precisa, comprar aviões franceses. Preço especialíssimo, produção de 40% do avião no Brasil e montagem aqui, e investimentos representando 150% do valor da compra resultam em cada dois aviões pelo preço de um.

O embaraço de Nelson Jobim ficou claro na grosseria de seu comentário sobre a proposta sueca: "É compre uma cerveja e leve quatro guaranás". Para quem, antes que o assunto estourasse, dispôs-se a pagar por quatro cervejas e um guaraná para levar só uma cerveja, a situação ficou mesmo de dar mau humor. E de exigir novas maneiras de conduzir a disputa entre os fabricantes francês, norte-americano e sueco.

O embaraço, no entanto, não é só do lado brasileiro na permuta. Está bastante divulgado que o governo francês precisa vender os aviões Rafale ao Brasil porque o insucesso desse caça, nas concorrências em que entrou, e o alto custo de sua criação deixaram a fabricante Dassault em dificuldade e até riscos. Os submarinos Scorpène não têm situação muito diferente. E, de grande importância para a França, é um acerto confiável e de longo prazo para obtenção de urânio. Potência nuclear tanto com fins militares como civis, mas sem tranquilizadoras reservas de urânio, a França se abastece na Rússia, na Austrália e em vendedores africanos. Fornecimentos, portanto, sujeitos a ventos e trovoadas. O Brasil pode ser boa solução em todos os sentidos. E vale um toma lá, dá cá especial.

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