sábado, 6 de novembro de 2010

As contas para mudar o mundo

O ESTADO DE S. PAULO, Washington Novaes, 05 de novembro de 2010


Que consequências práticas terão os acordos considerados "históricos" pelos 193 países que os firmaram na Convenção da Diversidade Biológica em Nagoya, no Japão, e relatados neste jornal (29 e 30/10) por Herton Escobar? O fato é que se conseguiu chegar a algumas regras consideradas fundamentais para a sobrevivência humana no planeta - ainda que para isso tenha sido preciso "colocar um valor monetário na vida" (31/10). Os acordos incluem: 1) Um plano estratégico com metas globais para a conservação no período 2011-2020; 2) um protocolo que define regras para o uso de recursos genéticos derivados de plantas, animais e microrganismos, bem como formatos que respeitem a soberania dos países detentores sobre esses recursos e levem à partilha de benefícios entre o detentor e outros países e suas empresas que venham a explorá-los; e 3) a intenção de firmar em 2011, em reunião na Índia, um acordo sobre mecanismos financeiros que tornem viável atingir as metas acordadas.

O ponto de partida é difícil: nenhuma das metas para a conservação previstas para o período 2000-2010 foi atingida. A questão financeira, complicada: em Nagoya os países em desenvolvimento calcularam em US$ 300 bilhões anuais (cem vezes mais que os atuais recursos) os financiamentos necessários para que façam sua parte - e até aqui apenas o Japão se disse disposto a entrar com US$ 2 bilhões. Os países mais pobres reivindicaram também a eliminação de subsídios anuais de US$ 500 bilhões que países desenvolvidos concedem a atividades com impacto negativo na biodiversidade.

Quanto aos recursos genéticos, o tempo vai dizer se será superada a ferrenha resistência dos países industrializados a partilhar benefícios. No Japão, quando os países africanos reivindicaram também o partilhamento dos benefícios de produtos já explorados, os industrializados lembraram que, nesse caso, países como o Brasil e outros deveriam, então, pagar pelo uso secular que fazem de espécies de outros países, como café, laranja, trigo, cana-de-açúcar, arroz, coco, etc. Retrucaram os primeiros que hoje menos de 1% do valor dos produtos industriais derivados da biodiversidade chega aos países detentores dos recursos - quando o biólogo Thomas Lovejoy diz que só o comércio de medicamentos derivados de plantas está hoje em US$ 250 bilhões anuais.

Só no ano que vem, na Índia, vai-se ver quais serão os avanços práticos. Porque os acordos de Nagoya são tratados políticos, não têm força de lei. Cada país terá de criar mecanismos internos para cumpri-los. Mas é tudo muito urgente. Já têm sido citados relatórios como os do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e outras instituições, segundo as os quais os prejuízos na área da biodiversidade têm ficado entre US$ 2 trilhões e US$ 4 trilhões por ano, principalmente por causa de sobrexploração de recursos e serviços naturais, mudanças climáticas, poluição, acidificação dos oceanos, perda e degradação de hábitats (com novas culturas, pastagens, expansão de áreas urbanas). Segundo a Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO), da ONU, em cem anos já se perderam 75% da biodiversidade de plantas alimentares - e mais 22% dos cultivos de batata, feijão e arroz poderão perder-se por causa de mudanças climáticas. Gregory Asner, da Universidade da Califórnia, estima que até o fim do século a perda de florestas tropicais poderá chegar a 82% por causa do clima e da devastação localizada (New Scientist, 14/8).

As metas para 2011-2020 tentam criar caminhos para evitar essa trajetória de perdas. Estabelecem que é preciso reduzir à metade, "e onde for possível a zero", a taxa de perdas de hábitats naturais, incluindo florestas; para isso será preciso ampliar dos atuais 12,5% para 17% a área global de conservação em terra e de 1,5% para 10% as áreas marinhas e costeiras. Além disso, os governos precisarão recuperar pelo menos 15% das áreas degradadas; reduzir a pressão sobre recifes de corais; aumentar os recursos financeiros para conservação da biodiversidade; assumir o compromisso de incluir esses objetivos nas estratégias nacionais e, em dois anos, ter um plano nacional de ação, que deve ter um capítulo sobre a relação entre a diversidade biológica e as cidades.

O Brasil foi criticado por bloquear discussões sobre monitoramento de danos nas culturas geradoras de agrocombustíveis - mas também argumentou no Japão que 75% das áreas de conservação criadas no mundo desde 2003 estão por aqui. Por isso quer receber recursos da ordem de US$ 1 bilhão por ano para essa área.

Talvez o ponto de maior impacto das discussões tenha sido o pronunciamento do presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, segundo quem "o capital natural das nações deveria ser um item calculado em combinação com o capital financeiro, a produção industrial e o capital humano. As contas nacionais precisam refletir os serviços vitais prestados pelos estoques retidos de carbono nas florestas e os valores que os recifes de corais e mangues significam para a proteção costeira. A conservação de recursos naturais, dos ecossistemas e da biodiversidade é decisiva para o desenvolvimento e para melhorar a vida dos pobres". Entra-se aí na discussão sobre que fatores estão implícitos no desenvolvimento e devem ser considerados nas contas nacionais (PIB). O acordo de Nagoya propõe até incluir no balanço das empresas o custo de "externalidades ambientais" que tenham gerado. A Noruega já criou um índice para avaliar a situação dos recursos naturais, com 309 indicadores. Na França, comissão nomeada pelo governo e integrada pelo Prêmio Nobel Amartya Sen e Joseph Stiglitz, entre outros, já está propondo a incorporação de alguns valores ao PIB, como o do trabalho doméstico, do trabalho informal.

Quando chegará aos nossos meios políticos e administrativos essa discussão?

Um comentário:

Olho Neles disse...

Olhaí, são todos do mesmo partido do Maluf, o PP. Te cuida Cornélio Procópio.