segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Brasil e França em um grande negócio militar

INSTITUTO AME CIDADE, 7 de setembro de 2009

O acordo de cooperação militar entre o Brasil e a França, anunciado nos últimos dias pelo presidente Lula ainda vai dar muita discussão tanto internamente quanto no plano internacional. Com ele, o Brasil aumenta sua força militar em relação aos outros países da América Latina.

O presidente Lula usou este Sete de Setembro para simbolizar esta realização de seu governo, trazendo inclusive o presidente francês, Nicolas Sarkozy, para participar das comemorações do nosso Dia da Independência.

O acordo não vai ficar barato para o nosso país. Apenas a primeira fase deve custar cerca de R$ 20 bilhões, a serem pagos até 2020. Além da discussão sobre a prioridade deste gasto em um momento difícil que a economia mundial atravessa, existem também vozes discordantes quanto a escolha da França como parceiro neste acordo.

Leia abaixo dois textos muito elucidativos sobre a questão, publicados nos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo. Em artigo na Folha, o experiente jornalista Janio de Freitas já deixa claro no título suas suspeitas sobre interesses escusos na transação.


Brasil terá maior força naval da América Latina
ROBERTO GODOY, O Estado de S. Paulo, 7 de setembro de 2009

Primeiro submarino nuclear deve ficar pronto até 2020; frota contará ainda com fragatas, navios leves e corvetas


SÃO PAULO - Até 2020 o Brasil terá a maior e mais poderosa força naval da América Latina, equipada com submarinos, fragatas, navios leves, corvetas - um volume estimado em 35 unidades - além de mísseis de longo alcance, torpedos, aviões e helicópteros de tecnologia avançada. A expectativa é de que em dez anos o primeiro submarino de propulsão nuclear, com 100 metros e 6 mil toneladas, já esteja pronto, e também definido o cronograma de uma segunda unidade.

O acordo de cooperação militar que os presidentes da França, Nicolas Sarkozy, e do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, formalizam nesta segunda-feira, 7, em Brasília, dá início ao ambicioso programa de reaparelhamento.
O pacote envolve a compra e a produção de quatro submarinos convencionais, da classe Scorpéne, de 1.800 toneladas, mais a parte não nuclear de um modelo de propulsão atômica. As operações estão associadas à construção de um novo estaleiro e uma base operacional. Essa fase vai custar cerca de R$ 20 bilhões, com desembolso até 2024.

Do ponto de vista estratégico, haverá uma 2ª Esquadra, na Foz do Amazonas. A 1ª EsQ fica no Rio. Foi criada na administração do presidente Floriano Peixoto há cerca de um século.

"A Marinha revitalizada será um grupamento articulado e orgânico, destinado a garantir a negação do uso do mar a presenças hostis, ilícitas, e a promover efeito dissuasivo. Não estamos interessados em projetar poder", diz o ministro da Defesa, Nelson Jobim. O novo desenho da Força, com mais bases e batalhões ribeirinhos, foi anunciado pelo ministro semana passada no Congresso.

O estaleiro francês DCNS, o dono do projeto Scorpène, terá como parceiro local o grupo empresarial Odebrecht Engenharia. A entrega do primeiro navio está prevista para 2014. Uma empresa mista (Marinha, 1% mais golden share; DCNS, 49%; Odebrecht 50%) fará o gerenciamento.

A próxima etapa, ainda sem prazo de execução, do Plano de Equipamento e Articulação (PEA), a que o Estado teve acesso, contempla a compra de seis a oito navios de escolta, fragatas de 6 mil toneladas com desenho que necessariamente incorpore tecnologia de furtividade e permita receber sistemas de armas, sensores e recursos eletrônicos.

A operação é semelhante ao programa F-X2, por meio do qual a Força Aérea está selecionando os novos caças de alta tecnologia. O método é de escolha direta, por meio do qual ofertas podem ou não ser aceitas e determinadas empresas são solicitadas a apresentar propostas.

Os primeiros contatos começaram em 2008. O estaleiro espanhol Navantina, o americano Northrop-Grumman Ship, o japonês Hyundai, o alemão Blohm-Voss e o francês DCNS estão dispostos a participar. Todos aceitam, embora ainda informalmente, as cláusulas mais sensíveis: a compra de um projeto de navio que esteja em operação, a obrigação de execução no País e a reforma do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro para comportar o empreendimento.

O Comando da Marinha está mantendo o programa de contratação de até 27 navios leves, de patrulha. Deslocando 500 toneladas e armados com dois canhões, custam, cada um, R$ 44 milhões. Seis foram encomendados ao estaleiro Inace, do Ceará. Levam 27 tripulantes e têm autonomia de 4,5 mil quilômetros. "É um bom meio de a Força estar presente nas proximidades das plataformas de petróleo", afirma o ministro Jobim.


O negócio armado

JANIO DE FREITAS, Folha de S. Paulo, 6 de setembro de 2009

Contrato militar Brasil-França segue opiniões de civis, como Lula, e não a de militares habilitados a defini-las


O contrato militar que os presidentes Lula e Sarkozy assinam amanhã, e atrela o Brasil aos caros armamentos e às concepções francesas, tem uma peculiaridade bem brasileira: segue basicamente as opiniões de civis, como o próprio Lula, o ministro Nelson Jobim e o ex-ministro Mangabeira Unger, e não a dos militares habilitados a defini-las.

A partir da peculiaridade, a iniciativa militarizadora cerca-se de uma tapeação gigantesca do governo Lula quanto ao custo estimado do plano, pelo menos dez vezes superior à maior cifra citada.

Não precisou de explicações a atitude original da FAB sobre os aviões de caça que devessem ser comprados: apenas entregou à decisão governamental apreciações sobre cada uma das marcas de caça possíveis, e não a indicação do modelo de maior conveniência para o Brasil em conformidade com os longos estudos e testes realizados.

Ou seja, feita e declarada por antecipação a escolha do caça francês Rafale por Lula, a FAB dispôs-se a aceitá-la sem a subscrever. Ou quis deixar claro que a escolha era dos civis, ou que não chegara à mesma escolha a que Lula foi induzido.
Os quatro submarinos mais modernos da Marinha são modelos alemães e foram construídos com assistência e transferência de tecnologia alemãs. Ou a Marinha escolheu mal, para fazê-los, ou, para acrescentar outros quatro à flotilha, quer passar como autora da escolha de submarinos que já veio, agora, no pacote transado com a França.

A discrição da FAB não foi acompanhada pela Marinha, que tratou as escassas referências jornalísticas ao negócio dos submarinos de modo agressivo, com notas insultuosas ainda à maneira de tempos idos (mas, vê-se, nem tanto) e com afirmações duvidosas, quando não de inverdade explícita.

Os alemães negam, por exemplo, que não tenham oferecido transferência de tecnologia inclusive para o casco de um submarino nuclear. Importa porém, para a peculiaridade do episódio, que os pequenos submarinos franceses já vieram no pacote decidido por civis.

Se a concorrência em qualificações militares foi por aí, a concorrência financeira simplesmente inexiste. E não são poucos os indícios de que o mais pesado dentro do pacote são os preços das partes, incluída a exigência absurda de que uma nova base naval e um estaleiro sejam construídos pela empreiteira Odebrecht. Sem concorrência e a custo estabelecido, sem trocadilho, aereamente. Só mesmo em país onde sobra dinheiro para saúde, educação e alimentação de 40 milhões de pobres e miseráveis.

E onde, por isso mesmo, o Senado aprova sem discussão e sem repercussão em imprensa e TV, como ocorreu na quarta-feira, a tomada de empréstimo externo e o gasto pelo governo de 6,1 bilhões. Dos quais, perto de um terço com 50 helicópteros, a serem divididos entre FAB, Marinha e Exército, e cerca de dois terços com quatro submarinos convencionais e orientação tecnológica para o submarino nuclear.

Mas esses 6,1 bilhões -no câmbio atual e irreal, mais ou menos R$ 17 bilhões- não representam um terço do projeto militar, cujo custo em 10 a 20 anos foi citado, tão depressa quanto possível, em 20 bilhões, não se sabe de reais, de dólares ou de euros.

Nenhum comentário: