segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Casas noturnas de São Paulo já respiram ar ''ideal''

FERNANDA ARANDA, O Estado de S. Paulo, 7 de setembro de 2009

Com um mês da lei antifumo, medição em locais fechados revela que redução de monóxido de carbono ultrapassa 50%


Trinta dias de vigência da lei antifumo trouxeram algo de novo à atmosfera das casas noturnas paulistanas. O Estado comparou, antes e depois da legislação que proibiu o uso do cigarro entrar em vigor, a concentração de um dos poluente mais nocivo do tabaco, o monóxido de carbono (CO) no ar de três casas noturnas de São Paulo - Vegas, Sarajevo e Funhouse, todas na região central. Por meio de um aparelho especializado - monoxímetro - foi atestada redução da substância em mais de 50%. O padrão de ar encontrado nos locais passou de "contaminado" para "ideal", segundo as agências ambientais.

Hoje, a legislação que determinou o fim até mesmo dos fumódromos em qualquer tipo de estabelecimento "celebra" um mês. Quando as baforadas ainda eram permitidas, a reportagem encontrou índices de CO nas boates parecidos com o de ruas de tráfego movimentado, como a Avenida Paulista, entre 10 e 14 ppm (parte por milhão). Anteontem, porém, no mesmo horário de visita (entre 23h30 e 0h30), a marca máxima ficou entre 5 e 6 ppm. "Índices de até 5 ppm são considerados ideais. Vamos estudar os efeitos dessa redução de concentração, mas a expectativa é de diminuição de doenças cardíacas", afirma a pneumologista do Ambulatório do Tabagismo do Instituto do Coração (Incor) Jaqueline Issa, que avalia a qualidade ambiental pré e pós lei antifumo em 840 bares e boates de São Paulo. Os resultados devem ficar prontos no final do ano.

Por ora, nenhum estudo brasileiro foi concluído sobre a lei antifumo paulista, mas publicações feitas em países que adotaram normas parecidas com a de São Paulo mostram que a qualidade ambiental dos bares melhoram em até 83% e a concentração de substâncias tóxicas na saliva dos garçons em 86%. "Dados internacionais mostram que o banimento do uso do cigarro em ambientes fechados traz redução de 15% de ataques cardíacos", afirma Mônica Andreis, vice-diretora da Aliança Contra o Tabagismo (ACTbr), ONG que também estuda a legislação de SP. "Na Inglaterra, após um ano de lei semelhante, aumentou em 400 mil o número de pessoas que deixaram de fumar", completa.

Paulo Afonso de André, do Laboratório de Poluição da USP, outra entidade que tem feito pesquisas sobre a lei antifumo, também cita dados do exterior como referência. "Mas a expectativa para São Paulo deve levar em conta que o cigarro é um grande vilão, mas não o único. Ainda existe a poluição dos carros (na porta das baladas pesquisadas no sábado, o índice de CO chegou a 10 ppm), casas mal planejadas e que a fumaça tóxica das cozinhas se espalha para os ambientes", pondera ele.


Ainda que a comunidade médica festeje boas novas trazidas pela lei antifumo paulista - que já inspirou os governos de Norte a Sul do País - existem "efeitos colaterais" creditados à legislação. Alguns estabelecimentos adotaram medidas truculentas contra fumantes, como o confisco de maço de cigarros na entrada. Fiscais caça-fumaça também já foram agredidos ( em Araraquara, interior, dois agentes apanharam, na semana passada). Marcus Vinicius Rosa, diretor da Associação Brasileira de Gastronomia, Hospedagem e Turismo (Abresi) estima diminuição de faturamento de até 30% em casas noturnas.

São os proprietários dos estabelecimentos que recebem multas de até R$ 1.585 em caso de infração, valor que dobra na reincidência. No quarto flagrante, há suspensão de atividades por 30 dias. A Secretaria de Estado da Saúde diz que a taxa de cumprimento da lei está em 99%. Evandro Lopes, gerente da casa FunHouse - confirma a adesão. "No início, tínhamos clientes fumando no banheiro, mas agora está tranquilo."

Como consequência da lei, ainda precisam ser resolvidos o excesso de bitucas nas calçadas e o barulho dos fumantes, de madrugada, nas calçadas. O diretor do Programa de Silêncio Urbano (Psiu) da Prefeitura, Wanderley Pereira, confirma que as reclamações aumentaram, mas, como se trata de perturbação da ordem pública, é a Polícia Militar que deve ser acionada.

Paris: Estudo publicado no ano passado pelo Instituto Nacional de Prevenção à Saúde e o Observatório de Qualidade do Ar de Paris. Após um mês de proibição do uso de cigarro em ambientes fechados na capital francesa, os médicos constataram diminuição de 15% nos casos de enfarte

Escócia: Pesquisa realizada em 2007 pelo Instituto de Medicina Ocupacional. Os médicos coletaram a saliva de 371 trabalhadores de 72 bares de três cidades, sendo uma a capital, Edimburgo. A medição foi realizada duas vezes. A primeira foi sem a vigência da lei que proibiu o fumo em ambiente interno e a segunda, dois meses após a legislação. Nos não fumantes, a concentração de cotinina (um marcador do tabagismo) caiu 51%, Nos fumantes, caiu 12%

Boston: Estudo publicado em 2006 pelo Departamento de Saúde Pública da cidade americana. A qualidade do ar de seis pubs foi aferida antes e dois meses após a vigência da lei que proibiu o uso do cigarro em ambiente interno. A concentração do poluente hidrocarbonetos diminuiu de 179 mg/m³ para 7,7 mg/m³

Nova York: Pesquisa divulgada em 2004 pelo Departamento de Saúde Pública da cidade. No total, 104 trabalhadores não fumantes de bares foram acompanhados aos três meses, seis meses e um ano após a adoção da lei antifumo. Sessenta e oito deles concluíram o estudo. A reclamação de problemas respiratórios diminuiu 88%



NÚMEROS

14 partículas por milhão (ppm)
era a concentração de CO na FunHouse antes da lei antifumo, medida na pista de dança da casa noturna à 0h30

5 ppm
é a concentração atual de CO na mesma casa noturna, avaliada à 0h20 na pista do último sábado

11 ppm
era a concentração de CO no Vegas antes da legislação passar a valer, medida à 1h, com 350 pessoas na pista

5 ppm
é a concentração atual do poluente resultante da combustão do tabaco na mesma casa

10 ppm
era a quantidade de CO na pista de dança do Sarajevo antes da legislação começar a render multa

6 ppm
foi o último registro, com 60 pessoas na pista, às 23h40 de sexta

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