segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Casas de madeira de Maringá resistem ao tempo, não ao mercado

O DIÁRIO DE MARINGÁ, 7 de setembro de 2009

Construídas há mais de meio século, elas dividem espaço nobre da área central. Mas o mercado imobiliário as rejeita: valem o que vale o terreno. E só


Enquanto nos bairros novos, mesmo aqueles habitados por operários ou conjuntos habitacionais destinados a famílias de baixa renda, predominam as casas de alvenaria, nas áreas mais antigas, principalmente aquelas consideradas nobres, a quantidade de casas em madeira é grande, muitas delas localizadas ao lado de mansões ou edifícios. Elas fazem parte da paisagem urbana e algumas competem em pé de igualdade com os imóveis modernos.

“Essas já foram as casas de luxo de Maringá”, diz o aposentado Sílvio Neves, que mora há 50 anos em uma casa de madeira na Zona 2, um dos bairros de terrenos mais valorizados da cidade. “As primeiras casas de Maringá eram ranchões e quando começaram as casas de madeira serrada, só os ricos podiam construir”, lembra.

Ele, que foi dono de uma das primeiras empresas de pintura da cidade, lembra que algumas das casas que pintou 50 anos atrás continuam em pé e bem conservadas. As casas substituíam a floresta, derrubada justamente por causa da madeira para a construção. As casas dos operários eram geralmente construídas sobre toros grossos, ao passo que as dos ricos tinham alicerce em tijolos.

“Isso é peroba, e com cuidado não acaba nunca, dura até mais do que tijolo”, aponta Neves. Sua casa, na rua Tomé de Souza, aparenta ser nova, não tem sequer uma tábua podre. Pudera: ele e a família relembram os tempos de quando as casas eram pintadas pelo menos duas vezes ao ano.

Vizinha de Sílvio está uma das casas mais antigas, construída pela família Pifer quando se iniciou a povoação de Maringá. A casa, em que mora Marina Pifer, conserva as janelas com lâminas que abriam para fora e vitrôs elevadiços, detalhes comuns na arquitetura de meados do século passado.

Valor, só histórico
Na opinião dos corretores de imóveis, as casas de madeira são um atraso para a cidade e estão impedindo a valorização de alguns bairros. Na Zona 2, por exemplo, que já foi um dos bairros mais valorizados do Maringá, seus imóveis não conseguiram se valorizar tanto quanto em outras áreas devido à grande quantidade de casas de tábua, mesmo algumas sendo de padrões elevados para a época em que foram construídas.

Segundo o corretor João Carlos Araújo, da Imobiliária Daros, “a casa não conta quando é de madeira”, pois um comprador só aceita pagar pelo terreno. A situação mudaria de figura se a casa fosse de tijolos. Essas casas normalmente são habitadas pela mesma família há 50 ou 60 anos e geralmente não são vendidas por falta de acordo entre os herdeiros ou por não alcançarem preço que os proprietários estimam.

Esse fenômeno é mais comum na Vila Operária e nos chamados bairros nobres, como Zona 5, Zona 4 e Zona 2, porém não se repete em bairros como Zona 7, Vila Morangueira e Vila Santo Antônio, onde muitos proprietários negociaram os terrenos com construtoras. A família Locatelli, por exemplo, tem dois apartamentos em um prédio na esquina das ruas Visconde de Nassau e Oswaldo Cruz, construído no mesmo lugar onde tinha uma casa de madeira.

A negociação foi na base da troca, com vantagens para os Locatelli, que não tinham intenção de reconstruir a casa de madeira de mais de 50 anos. “Se meu pai (o falecido pioneiro João Antonio Locatelli) não tivesse aceitado a troca, hoje a casa estaria se acabando, ao passo que os filhos herdaram dois bons apartamentos”, diz o fotógrafo Antonio Carlos Locatelli.


Valor sentimental. E só

Nem todas as casas do início da história de Maringá são de madeira. Uma das primeiras construções da cidade, a 16ª moradia, foi erguida em 1944 em frente à Capela Santa Cruz, onde hoje é o Maringá Velho, pelo pioneiro Ernesto de Paiva.

Além de moradia da família Paiva, a casa foi a primeira padaria da cidade, a Arco-Iris, e depois de vendida no início da década de 50 foi a primeira relojoaria da cidade. Ela continua firme e forte, testemunhando a passagem do tempo e resistindo às modernizações. Aliás, o Maringá Velho ainda conservaria, em sua maior parte, ares dos anos 50 não fosse a presença do asfalto, calçadas e postes.

“Essa casa ainda é original”, diz Clara Tostes Micheletti, referindo-se à casa em que ela e os irmãos cresceram. O pai, Irineu de Paula Tostis, que foi um dos primeiros taxistas de Maringá, construiu um casarão na Zona 2, com cômodos de sobra para criar com conforto seus oito filhos.

“Hoje vivemos em uma área valorizada, mas não temos como construir uma casa nova”, diz Maria de Lourdes, filha de Irineu, que continua morando no casarão, com a mãe, dona Adelina, de 90 anos.

A situação é a mesma de sua amiga de infância Maria Aparecida Bongiorno, que continua morando na casa vizinha, também de madeira, comprada pelo pai no início da cidade. As meninas que brincavam de amarelinha na rua hoje são anciãs vivendo nas mesmas casas em que cresceram, criaram os filhos e agora recebem os netos.

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