segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Juiz do Tocantins censura imprensa caso de corrupção que cita governador

O ESTADO DE S. PAULO, 27 de setembro de 2010

Decisão proíbe divulgação no jornal O Estado de S. Paulo e em outros 83 veículos de qualquer dado sobre investigação a respeito de participação de Carlos Gaguim em grupo criminoso


O desembargador Liberato Póvoa, do Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins (TRE-TO), decretou censura ao Estado e a outros 83 veículos de imprensa, proibindo-os liminarmente de divulgar qualquer informação a respeito de investigação do Ministério Público de São Paulo que cita o governador Carlos Gaguim (PMDB) como integrante de organização criminosa para fraudes em licitações.

A mordaça, em 9 páginas, foi imposta sexta-feira e acolhe pedido em ação de investigação judicial eleitoral da coligação Força do Povo, formada por 11 partidos, inclusive o PT, que apoia Gaguim. Na campanha pela reeleição, Gaguim tem recebido no palanque a companhia do presidente Lula e da candidata petista à Presidência, Dilma Rousseff.

O desembargador arbitrou "para o caso de descumprimento desta decisão" multa diária no valor de R$ 10 mil. Ele veta, ainda, publicação de dados sobre o lobista Maurício Manduca. Aliado e amigo do governador, Manduca está preso há 10 dias. A censura atinge 8 jornais, 11 emissoras de TV, 5 sites, 40 rádios comunitárias e 20 comerciais.

O diretor de Conteúdo do Grupo Estado, Ricardo Gandour, considera um "absurdo a decisão judicial de censurar jornais". Ele ressalta que a medida, "além de afrontar a Constituição, se revela mais uma tentativa de impedir a imprensa de cumprir seu papel histórico de fiscalizar a gestão pública".

O gerente jurídico do Estado, Olavo Torrano, disse que a decisão "causa preocupação e perplexidade". O jornal vai recorrer.

A ação foi proposta contra a coligação Tocantins Levado a Sério, de Siqueira Campos (PSDB), opositor de Gaguim, que estaria veiculando "material ofensivo, inverídico e calunioso". O ponto crucial do despacho de Póvoa é o furto de um computador do Ministério Público paulista em Campinas. Os promotores investigam empresários por fraudes de R$ 615 milhões em licitações dirigidas em 11 prefeituras de São Paulo e no Tocantins.

Na madrugada de quinta-feira, uma sala da promotoria foi arrombada. O único item levado foi a CPU que armazenava arquivos da operação que revela os movimentos e negócios do lobista e sua aliança com Gaguim.

O desembargador assinala que a investigação corre sob segredo de Justiça e sustenta que os dados sobre o governador foram publicados a partir do roubo do computador - desde sábado, 18, cinco dias antes do roubo, o Estado vem noticiando o caso.

O desembargador reputa "levianas as divulgações difamatórias e atentatórias" a Gaguim. Segundo ele, "o que se veicula maliciosamente é fruto de informação obtida por meio ilícito que, por si só, deveria ser rechaçado pela mídia". "A liberdade de expressão não autoriza a veiculação de propaganda irresponsável, que não se saiba a origem, a fonte. Tudo fora disso fere a Constituição e atinge profundamente o Estado Democrático."

"Por essas razões tenho que essa balbúrdia deve cessar", afirma. "Determino que todos os meios de comunicação abstenham-se da utilização, de qualquer forma, direta ou indireta, ou publicação dos dados relativos ao candidato (Gaguim) ou qualquer membro de sua equipe de governo, quanto aos fatos investigados."


Quando o Judiciário serve de biombo aos interesses políticos
João Bosco Rabello

A perversa combinação de interesses que atrela juízes a políticos responde pela banalização do segredo de Justiça, originalmente destinado a preservar a privacidade de cidadãos envolvidos em processos de conteúdos caros a famílias ou a interesses comerciais legítimos.

A dependência de indicação e aprovação políticas para ascensão na carreira torna uma parcela do Judiciário submissa à troca de favores com aqueles que avalizam nomeações.

É nesse contexto que o conceito de segredo de Justiça ganhou elasticidade e passou a ser um instrumento de preservação de maus políticos flagrados em delitos diversos.

Ainda que o interesse público esteja acima do particular, juízes atropelam com frequência essa regra em defesa do suspeito e contra o cidadão, blindando processos para proteger exclusivamente a autoridade política da exposição que pode lhe custar o mandato ou, no mínimo, a imagem.

É o que já se assistiu no caso do empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (AP), que obteve uma censura contra o Estado que já dura exatos 423 dias.

Agora, é a vez de um juiz do Tocantins, Liberato Costa Póvoa - que responde a processo no Conselho Nacional de Justiça sob acusação de venda de sentença -, estabelecer uma nova censura ao Estado, extensiva a 83 veículos nacionais, proibindo reportagens com denúncias contra o governador.

Ignora por conveniência que jornalista não é guardião de sigilo do Judiciário. Ao contrário, tem o dever de revelá-lo, como no caso do nepotismo cruzado que garante à mulher do magistrado emprego em cargo comissionado no governo que protege, informação restrita a poucos no Tocantins.

Também não se pode subtrair de qualquer análise honesta sobre a decisão do juiz o estímulo que representa o ambiente hostil à imprensa criado pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, criminalizando jornalistas que trabalham amparados pela Constituição, para defender seus interesses.

O estímulo presidencial tem longo alcance e não é exagero imaginar que, nas suas reflexões para assinar o ato infeliz, Póvoa tenha experimentado um sentimento íntimo de respaldo presidencial.

Pode ser até que ele o cometesse de qualquer maneira, mas, com certeza, sentiu-se mais confortável ao lembrar que tem um presidente da República que pensa exatamente igual: imprensa isenta é aquela que pensa como eu e que não incomoda com denúncias.


João Bosco Rabello é diretor da sucursal de Brasília do jornal O Estado de S. Paulo

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