O GLOBO, Beatrice Baxter, 26 de outubro de 2010
O convite ao voto traz uma natural inquietação. A liberdade de escolha que o mercado político oferece limita o compromisso de o cidadão exercitar o voto em benefício de uma sociedade mais eficiente e sem exclusão. Para adotar uma clara definição política é necessário que a questão do poder esteja diretamente proporcional à liberdade de imprensa. Se essa liberdade garantir, de fato, o direito de informar todas as opiniões. Na defesa do interesse geral, o problema estará mais ou menos resolvido pelo jogo das compensações.
Cabe à mídia, portanto, oferecer um conteúdo sadio de informação que amplie as opções da opinião pública, sem pretender orientá-la. Uma opinião pública bem informada, esclarecida, menos ingênua e mais participativa é, sem dúvida, um poderoso instrumento de poder e, através do voto consciente, uma força política imprevisível.
O que impede, então, que essa força se mobilize e cause um impacto capaz de alterar a agenda do poder público? Descrença? Desesperança? O analfabetismo ético? Falta de informação? A razão cínica responsável pela transformação dos cidadãos em indivíduos social e moralmente supérfluos, gerando uma cultura de impunidade? Freud até explica! Mas Etienne de La Boétie leva a questão mais a fundo quando indaga: “Como é possível que tantos homens, tantas nações se submetam à vontade de um senhor sem que força alguma os obrigue a isso? Como explicar que o tirano, cujo corpo é igual ao nosso, consiga crescer tanto, com mil olhos e mil ouvidos para nos espionar; mil bocas para nos enganar; mil mãos para nos esganar; mil pés para nos pisotear? Quem lhe deu os olhos e ouvidos dos espiões, as bocas dos magistrados, as mãos e os pés dos soldados?” O corpo de um tirano é formado pelos seis que o aconselham, pelos sessenta que protegem os seis, pelos seiscentos que defendem os sessenta, pelos seis mil que servem aos seiscentos e pelos seis milhões que obedecem aos seis mil, na esperança de conquistar o poder para mandar em outros. No desejo de posse e propriedade . Ao trocar o direito à liberdade pelo direito de posse, o indivíduo assume a “servidão voluntária”.
“A tirania existe e persiste porque não somos obrigados a obedecer ao tirano e aos seus representantes, mas desejamos voluntariamente serví-los porque deles esperamos bens e a garantia de nossas posses.” A audácia dos argumentos de La Boétie ganha força e transhistoricidade quando fala não da liberdade interior, mas da liberdade política.
Para derrubar um tirano e reconquistar a liberdade, basta não dar o que ele quer: negociar nossa consciência e liberdade política.
Seu discurso tem um movimento, uma flexibilidade que abre espaço para repensar o conceito de liberdade, ampliando o entendimento da responsabilidade e da cumplicidade individual e coletiva em relação à dinâmica social. Se não há sociedade sem poder, também não há sociedade com pleno poder.
Ordem e caos constituem a dialética em que poder e liberdade não se excluem: se é sobre seres livres que o poder se exerce, é contra o pano de fundo do poder que a liberdade se define.
Em todos os tempos, o poder político manipulou ou negligenciou a opinião pública. O ideal democrático surgiu, justamente, como a possibilidade de resgatar o respeito ao indivíduo, através do direito à informação correta, elevando-o ao status de cidadão.
Esse ideal está em recuo! O cidadão perde, cada vez mais, terreno diante do grupo que se diz representá-lo e que só o faz parcialmente.
Diante desse quadro o convite ao voto se apresenta esvaziado. Através da mídia é um apelo insistente mas indiferente ao desdobrar-se de uma forma de poder que ao mesmo tempo deixa livre e toma como refém: um golpe duplo, redobrado, que reescreve tanto o enigma proposto por La Boétie quanto a tautologia apontada por A. Sauvy: “Não há democracia sem informação.”
O convite ao voto traz uma natural inquietação. A liberdade de escolha que o mercado político oferece limita o compromisso de o cidadão exercitar o voto em benefício de uma sociedade mais eficiente e sem exclusão. Para adotar uma clara definição política é necessário que a questão do poder esteja diretamente proporcional à liberdade de imprensa. Se essa liberdade garantir, de fato, o direito de informar todas as opiniões. Na defesa do interesse geral, o problema estará mais ou menos resolvido pelo jogo das compensações.
Cabe à mídia, portanto, oferecer um conteúdo sadio de informação que amplie as opções da opinião pública, sem pretender orientá-la. Uma opinião pública bem informada, esclarecida, menos ingênua e mais participativa é, sem dúvida, um poderoso instrumento de poder e, através do voto consciente, uma força política imprevisível.
O que impede, então, que essa força se mobilize e cause um impacto capaz de alterar a agenda do poder público? Descrença? Desesperança? O analfabetismo ético? Falta de informação? A razão cínica responsável pela transformação dos cidadãos em indivíduos social e moralmente supérfluos, gerando uma cultura de impunidade? Freud até explica! Mas Etienne de La Boétie leva a questão mais a fundo quando indaga: “Como é possível que tantos homens, tantas nações se submetam à vontade de um senhor sem que força alguma os obrigue a isso? Como explicar que o tirano, cujo corpo é igual ao nosso, consiga crescer tanto, com mil olhos e mil ouvidos para nos espionar; mil bocas para nos enganar; mil mãos para nos esganar; mil pés para nos pisotear? Quem lhe deu os olhos e ouvidos dos espiões, as bocas dos magistrados, as mãos e os pés dos soldados?” O corpo de um tirano é formado pelos seis que o aconselham, pelos sessenta que protegem os seis, pelos seiscentos que defendem os sessenta, pelos seis mil que servem aos seiscentos e pelos seis milhões que obedecem aos seis mil, na esperança de conquistar o poder para mandar em outros. No desejo de posse e propriedade . Ao trocar o direito à liberdade pelo direito de posse, o indivíduo assume a “servidão voluntária”.
“A tirania existe e persiste porque não somos obrigados a obedecer ao tirano e aos seus representantes, mas desejamos voluntariamente serví-los porque deles esperamos bens e a garantia de nossas posses.” A audácia dos argumentos de La Boétie ganha força e transhistoricidade quando fala não da liberdade interior, mas da liberdade política.
Para derrubar um tirano e reconquistar a liberdade, basta não dar o que ele quer: negociar nossa consciência e liberdade política.
Seu discurso tem um movimento, uma flexibilidade que abre espaço para repensar o conceito de liberdade, ampliando o entendimento da responsabilidade e da cumplicidade individual e coletiva em relação à dinâmica social. Se não há sociedade sem poder, também não há sociedade com pleno poder.
Ordem e caos constituem a dialética em que poder e liberdade não se excluem: se é sobre seres livres que o poder se exerce, é contra o pano de fundo do poder que a liberdade se define.
Em todos os tempos, o poder político manipulou ou negligenciou a opinião pública. O ideal democrático surgiu, justamente, como a possibilidade de resgatar o respeito ao indivíduo, através do direito à informação correta, elevando-o ao status de cidadão.
Esse ideal está em recuo! O cidadão perde, cada vez mais, terreno diante do grupo que se diz representá-lo e que só o faz parcialmente.
Diante desse quadro o convite ao voto se apresenta esvaziado. Através da mídia é um apelo insistente mas indiferente ao desdobrar-se de uma forma de poder que ao mesmo tempo deixa livre e toma como refém: um golpe duplo, redobrado, que reescreve tanto o enigma proposto por La Boétie quanto a tautologia apontada por A. Sauvy: “Não há democracia sem informação.”
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