VALOR ECONÔMICO, 18 de outubro de 2010
O setor industrial, no Brasil, já era vítima do que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, denunciou como "guerra cambial", na qual países como Estados Unidos e China adotam as estratégias a seu alcance para impulsionar suas economias, desvalorizando as próprias moedas e anabolizando as exportações. Agora, as empresas brasileiras enfrentam um traiçoeiro inimigo interno. As importações, que crescem em ritmo preocupante, ganham impulso graças a políticas tributárias de estímulo à compra de máquinas e até insumos de fornecedores externos. Outra guerra, a fiscal, põe o exportador brasileiro entre fogos cruzados.
Grave o suficiente, essa guerra é, também, desmoralizante e desleal, travada por Estados que atropelaram o Conselho de Política Fazendária (Confaz), organismo de articulação das Fazendas estaduais. É, ainda, generalizada: apenas seis, das 21 unidades da Federação não recorrem a algum tipo de incentivo a importações por meio de reduções do ICMS.
Levantamento da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), do Ministério do Desenvolvimento, apontou 18 Estados com programas do tipo, alguns restritos a máquinas e equipamentos para indústria; mas há também incentivos à importação de insumos. Outro estudo, do Instituto Aço Brasil, aponta 13 Estados onde se concede adiamento do tributo até financiamento parcial do pagamento do imposto para importadores de produtos siderúrgicos. Enquanto favorecem a criação de empregos no exterior, os mesmos Estados retêm a devolução, aos exportadores, do ICMS recolhido indevidamente, sob o argumento de que, para isso, precisam receber compensação federal.
Os Estados reduzem o tributo para estimular o uso de seus portos e, em alguns casos, atrair entrepostos comerciais e instalações industriais - e nem necessitam estar no litoral para usar o artifício: Tocantins e Mato Grosso do Sul estão entre os maiores usuários do sistema, aproveitando seus "portos secos" para trazer mercadorias importadas ao país. Uma distorção adicional é concedida pelo sistema de compensação entre Estados para evitar cobrança em cascata do ICMS: o comprador da mercadoria importada recebe 12% de crédito tributário, ao fazê-la passar pela divisa de um Estado, como São Paulo, por exemplo. Como só paga 3%, 3,5% ou 5%, embolsa o restante, uma espécie de subsídio à importação.
Com vantagens assim para a compra de máquinas, insumos e até embalagens, não é surpresa o aumento colossal da importação pelos portos dos Estados que recorrem a esse ardil. Entre 2003 e 2009, as importações de Tocantins cresceram 560%, para US$ 127,5 milhões. As de Santa Catarina aumentaram ainda mais, 633%, e no Mato Grosso do Sul o aumento foi de 445%.
Para evitar a cobrança indevida de impostos na exportação, os governos estaduais, como o de Santa Catarina, exigem apoio da União; mas, para beneficiar fábricas estrangeiras, a benesse é bancada alegremente pelos cofres estaduais, sem nem um aceno para Brasília - que, de resto, repudia a prática, danosa ao mercado de trabalho nacional. Como alertou, neste jornal, o secretário de Comércio Exterior, Welber Barral, essa estratégia nociva põe em risco a indústria nacional, impedida de se beneficiar dos esquemas favoráveis aos importados.
As importações podem ter efeitos benéficos, quando resultam da escolha de produtos com maior avanço tecnológico, ou de custo inferior de produção, capaz de ser transferido ao consumidor. Mas quando a opção pelo concorrente importado se deve a espertezas de uma guerra tributária, o país perde e, em futuro próximo, os espertos serão punidos pela própria esperteza.
Essa aberração praticada por Estados é mais uma distorção flagrante a chamar a atenção para a inadiável necessidade de uma reforma tributária. É inconcebível que um país com ambições e vocação de potência mundial tenha um tal emaranhado de legislações tributárias e sistemas de arrecadação conflitantes e em competição entre si, contra o setor produtivo. A campanha eleitoral, que não hesitou em abraçar tabus religiosos na busca de votos calcados em preconceitos retrógrados, daria um salto de qualidade se encarasse esse outro tabu, de importância real para o futuro bem-estar dos eleitores e do país.
O setor industrial, no Brasil, já era vítima do que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, denunciou como "guerra cambial", na qual países como Estados Unidos e China adotam as estratégias a seu alcance para impulsionar suas economias, desvalorizando as próprias moedas e anabolizando as exportações. Agora, as empresas brasileiras enfrentam um traiçoeiro inimigo interno. As importações, que crescem em ritmo preocupante, ganham impulso graças a políticas tributárias de estímulo à compra de máquinas e até insumos de fornecedores externos. Outra guerra, a fiscal, põe o exportador brasileiro entre fogos cruzados.
Grave o suficiente, essa guerra é, também, desmoralizante e desleal, travada por Estados que atropelaram o Conselho de Política Fazendária (Confaz), organismo de articulação das Fazendas estaduais. É, ainda, generalizada: apenas seis, das 21 unidades da Federação não recorrem a algum tipo de incentivo a importações por meio de reduções do ICMS.
Levantamento da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), do Ministério do Desenvolvimento, apontou 18 Estados com programas do tipo, alguns restritos a máquinas e equipamentos para indústria; mas há também incentivos à importação de insumos. Outro estudo, do Instituto Aço Brasil, aponta 13 Estados onde se concede adiamento do tributo até financiamento parcial do pagamento do imposto para importadores de produtos siderúrgicos. Enquanto favorecem a criação de empregos no exterior, os mesmos Estados retêm a devolução, aos exportadores, do ICMS recolhido indevidamente, sob o argumento de que, para isso, precisam receber compensação federal.
Os Estados reduzem o tributo para estimular o uso de seus portos e, em alguns casos, atrair entrepostos comerciais e instalações industriais - e nem necessitam estar no litoral para usar o artifício: Tocantins e Mato Grosso do Sul estão entre os maiores usuários do sistema, aproveitando seus "portos secos" para trazer mercadorias importadas ao país. Uma distorção adicional é concedida pelo sistema de compensação entre Estados para evitar cobrança em cascata do ICMS: o comprador da mercadoria importada recebe 12% de crédito tributário, ao fazê-la passar pela divisa de um Estado, como São Paulo, por exemplo. Como só paga 3%, 3,5% ou 5%, embolsa o restante, uma espécie de subsídio à importação.
Com vantagens assim para a compra de máquinas, insumos e até embalagens, não é surpresa o aumento colossal da importação pelos portos dos Estados que recorrem a esse ardil. Entre 2003 e 2009, as importações de Tocantins cresceram 560%, para US$ 127,5 milhões. As de Santa Catarina aumentaram ainda mais, 633%, e no Mato Grosso do Sul o aumento foi de 445%.
Para evitar a cobrança indevida de impostos na exportação, os governos estaduais, como o de Santa Catarina, exigem apoio da União; mas, para beneficiar fábricas estrangeiras, a benesse é bancada alegremente pelos cofres estaduais, sem nem um aceno para Brasília - que, de resto, repudia a prática, danosa ao mercado de trabalho nacional. Como alertou, neste jornal, o secretário de Comércio Exterior, Welber Barral, essa estratégia nociva põe em risco a indústria nacional, impedida de se beneficiar dos esquemas favoráveis aos importados.
As importações podem ter efeitos benéficos, quando resultam da escolha de produtos com maior avanço tecnológico, ou de custo inferior de produção, capaz de ser transferido ao consumidor. Mas quando a opção pelo concorrente importado se deve a espertezas de uma guerra tributária, o país perde e, em futuro próximo, os espertos serão punidos pela própria esperteza.
Essa aberração praticada por Estados é mais uma distorção flagrante a chamar a atenção para a inadiável necessidade de uma reforma tributária. É inconcebível que um país com ambições e vocação de potência mundial tenha um tal emaranhado de legislações tributárias e sistemas de arrecadação conflitantes e em competição entre si, contra o setor produtivo. A campanha eleitoral, que não hesitou em abraçar tabus religiosos na busca de votos calcados em preconceitos retrógrados, daria um salto de qualidade se encarasse esse outro tabu, de importância real para o futuro bem-estar dos eleitores e do país.
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