segunda-feira, 3 de maio de 2010

"Recall" de políticos

RUY CASTRO, FOLHA DE S. PAULO, 3 de maio de 2010


Uma montadora de carros no Brasil mandará recolher mais de 100 mil veículos de um modelo fabricado por ela, de abril de 2008 até hoje, por causa de um problema na presilha que fixa o tapete do motorista no assoalho do carro. O tapete estaria sujeito a deslizar e travar o acelerador, provocando aceleração repentina e involuntária do carro e o tornando sujeito a graves acidentes, como já aconteceu.

O nome disto é "recall -chamar de volta, revogar, anular-, e não acontece porque a empresa é boazinha, mas porque foi pressionada por denúncias de consumidores ao Procon e ao Ministério da Justiça. Dá a impressão de que o cidadão agora é ouvido e tem seus direitos respeitados, ao contrário do passado, em que, se algum produto se escangalhasse com facilidade, o comprador que se queixasse ao bispo, o qual tinha mais o que fazer.

Esse conceito poderia se alargar e se aplicar também aos políticos. Quando o eleitor sentisse que seu representante tivesse se esquecido dos compromissos de campanha pelos quais fora eleito, deveria poder revogar seu próprio voto, anulando-o. Se isso fosse feito em número suficiente, o político seria obrigado a devolver o cargo ou o mandato.

Você dirá que as eleições são para isso mesmo, e nada impede o eleitor de negar o seu voto ao político no pleito seguinte, ajudando a derrotá-lo. Mas não sejamos ingênuos. Uma vez no controle da máquina, os políticos tendem a se reeleger e a se eternizar na carreira, submetendo-se apenas a uma dança de cadeiras no Congresso, nos ministérios e nos vários níveis da administração.

Tendo elegido os bichos uma vez, nunca mais conseguimos nos livrar deles. Os partidos, em vez de promover rigorosos "recalls" periódicos, preferem varrer seus podres para debaixo do tapete.

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