GAZETA DO POVO, 3 de maio de 2010
Defensoria Pública do Paraná não é formalizada, o que desrespeita a legislação. Inoperância do órgão causa problemas para a população
A empregada doméstica Vera Lucia de Carvalho, 44 anos, é uma vítima. Não da violência ou do trânsito, mas das filas de espera por um exame no Sistema Único de Saúde (SUS) e da Defensoria Pública do Paraná, que desrespeita a Constituição Federal desde 1991. A inoperância dos órgãos custou muito mais caro do que se imaginam. Custa sua saúde e quase a sua vida. Após realizar exame de rotina, uma hemorragia vaginal passou a fazer parte da rotina de Vera. Havia necessidade de exame clínico, agendado para nove meses mais tarde, para entender o motivo do sangramento. Vera procurou a Defensoria Pública para agilizar o tratamento e ouviu que não poderia ser atendida. Seu corpo não esperou pelo exame e um câncer surgiu.
A primeira consulta para tratar a hemorragia aconteceu em julho de 2007. Desde então, passaram-se 17 meses até o diagnóstico, em janeiro de 2009. No período, ela correu a postos de saúde e hospitais para realizar o exame clínico. Só teve acesso a ele, porém, quando se dispôs a pagar R$ 100. O tempo de espera para a investigação mais profunda levaria de 9 meses a 1 ano em Colombo, na região metropolitana de Curitiba. Em uma tentativa frustrada, Vera Lucia tentou antecipar o tratamento por meio da Defensoria Pública, mas não obteve êxito. Um médico consultado pela reportagem afirmou que o tipo de câncer de Vera evolui rapidamente e poderia ser evitado com diagnóstico antecipado.
A paciente teria melhor sorte se estivesse no Rio de Janeiro. Na Defensoria fluminense, considerada exemplo no Brasil, muitos casos envolvendo o SUS não chegam à Justiça, pois são resolvidos na esfera administrativa. Ao procurar o órgão, o paciente sai, em geral, com o exame agendado. “Esse caso configura a falência de dois serviços estatais. Em muitas defensorias, basta um procedimento administrativo para resolver o problema”, esclarece André Castro, presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep). Chefe da Defensoria Pública do Paraná, Josiane Fruet Bettini Lupion afirma que atualmente o órgão adota a mesma postura da Defensoria do Rio.
Depois de passar o ano de 2008 em tratamento (radioterapia e quimioterapia), hoje Vera Lúcia, está bem. Mas sabe dos riscos de um retorno da enfermidade e por isso toma os cuidados necessários. “Fiquei um ano parada, cheguei a pesar 40 kg (com 1,51 metro de altura) e sei que posso não ter muitos anos de vida”, diz, observando o neto correndo pela cozinha de casa.
Não só problemas gravíssimos, como o de Vera, foram abandonados pela Defensoria Pública desde 1991. Situações que causam transtornos no cotidiano também foram deixadas de lado. Em janeiro do ano passado, a professora de Matemática Marilsa Conceição Silva recebeu uma conta de telefone acima dos padrões costumeiros. “No mês da fatura, eu trabalhava o dia inteiro, meus filhos mais novos estavam no Rio de Janeiro e o filho mais velho também não ficava em casa”, conta. Ela tentou um acordo com a empresa, mas não houve conciliação. Chegou à Defensoria Pública esperançosa, mas encontrou as portas fechadas.
“Disseram que não tinham condições de me atender, que havia muita gente”, relata. Enquanto tentava solucionar os entraves com a empresa de telefonia, Marilsa discutia questões com o banco Itaú e pretendia receber o apoio do órgão nesse caso. “Eu me senti péssima com isso, como todo bom brasileiro. Você paga um monte de coisa e dizem que temos um monte de direitos. Mas nada funciona na prática”, critica. Carioca, a professora compara o atendimento da Defensoria Pública paranaense e da fluminense. “É totalmente diferente. Lá ela funciona para todo mundo, ao contrário daqui. Nem chegaram a me atender”, diz.
Nas duas situações, Vera Lucia e Marilsa procuraram a Organização Jurídica de Apoio ao Cidadão (Ojac), uma das várias instituições que buscam suprir a lacuna da Defensoria no estado nos últimos 18 anos, assim como os Núcleos de Prática Jurídica de universidades. Há três anos em funcionamento, a Ojac defende aproximadamente 80 casos que deveriam receber atenção da Defensoria Pública. “São problemas, muitas vezes sérios, aos quais ninguém dá a devida atenção”, afirma Solange Aparecida de Souza, presidente da Ojac.
Outro lado
Josiane Fruet afirma que, em ambos os casos, a Defensoria Pública poderia ter agido. Senão para solucionar a situação, ao menos para encaminhar para instituições responsáveis por ocorrências semelhantes (a Procuradoria de Defesa do Consumidor, no caso de Marilsa). A fim de impedir problemas semelhantes, a chefe da Defensoria afirma ter instituído uma nova forma de atendimento. “A triagem liga diretamente para mim, pois esse tipo de problema sempre cai em meu gabinete”, conta. Josiane assumiu a chefia do órgão em fevereiro de 2009, depois da procura de Marilsa e Vera Lucia.
Defensoria Pública do Paraná não é formalizada, o que desrespeita a legislação. Inoperância do órgão causa problemas para a população
A empregada doméstica Vera Lucia de Carvalho, 44 anos, é uma vítima. Não da violência ou do trânsito, mas das filas de espera por um exame no Sistema Único de Saúde (SUS) e da Defensoria Pública do Paraná, que desrespeita a Constituição Federal desde 1991. A inoperância dos órgãos custou muito mais caro do que se imaginam. Custa sua saúde e quase a sua vida. Após realizar exame de rotina, uma hemorragia vaginal passou a fazer parte da rotina de Vera. Havia necessidade de exame clínico, agendado para nove meses mais tarde, para entender o motivo do sangramento. Vera procurou a Defensoria Pública para agilizar o tratamento e ouviu que não poderia ser atendida. Seu corpo não esperou pelo exame e um câncer surgiu.
A primeira consulta para tratar a hemorragia aconteceu em julho de 2007. Desde então, passaram-se 17 meses até o diagnóstico, em janeiro de 2009. No período, ela correu a postos de saúde e hospitais para realizar o exame clínico. Só teve acesso a ele, porém, quando se dispôs a pagar R$ 100. O tempo de espera para a investigação mais profunda levaria de 9 meses a 1 ano em Colombo, na região metropolitana de Curitiba. Em uma tentativa frustrada, Vera Lucia tentou antecipar o tratamento por meio da Defensoria Pública, mas não obteve êxito. Um médico consultado pela reportagem afirmou que o tipo de câncer de Vera evolui rapidamente e poderia ser evitado com diagnóstico antecipado.
A paciente teria melhor sorte se estivesse no Rio de Janeiro. Na Defensoria fluminense, considerada exemplo no Brasil, muitos casos envolvendo o SUS não chegam à Justiça, pois são resolvidos na esfera administrativa. Ao procurar o órgão, o paciente sai, em geral, com o exame agendado. “Esse caso configura a falência de dois serviços estatais. Em muitas defensorias, basta um procedimento administrativo para resolver o problema”, esclarece André Castro, presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep). Chefe da Defensoria Pública do Paraná, Josiane Fruet Bettini Lupion afirma que atualmente o órgão adota a mesma postura da Defensoria do Rio.
Depois de passar o ano de 2008 em tratamento (radioterapia e quimioterapia), hoje Vera Lúcia, está bem. Mas sabe dos riscos de um retorno da enfermidade e por isso toma os cuidados necessários. “Fiquei um ano parada, cheguei a pesar 40 kg (com 1,51 metro de altura) e sei que posso não ter muitos anos de vida”, diz, observando o neto correndo pela cozinha de casa.
Não só problemas gravíssimos, como o de Vera, foram abandonados pela Defensoria Pública desde 1991. Situações que causam transtornos no cotidiano também foram deixadas de lado. Em janeiro do ano passado, a professora de Matemática Marilsa Conceição Silva recebeu uma conta de telefone acima dos padrões costumeiros. “No mês da fatura, eu trabalhava o dia inteiro, meus filhos mais novos estavam no Rio de Janeiro e o filho mais velho também não ficava em casa”, conta. Ela tentou um acordo com a empresa, mas não houve conciliação. Chegou à Defensoria Pública esperançosa, mas encontrou as portas fechadas.
“Disseram que não tinham condições de me atender, que havia muita gente”, relata. Enquanto tentava solucionar os entraves com a empresa de telefonia, Marilsa discutia questões com o banco Itaú e pretendia receber o apoio do órgão nesse caso. “Eu me senti péssima com isso, como todo bom brasileiro. Você paga um monte de coisa e dizem que temos um monte de direitos. Mas nada funciona na prática”, critica. Carioca, a professora compara o atendimento da Defensoria Pública paranaense e da fluminense. “É totalmente diferente. Lá ela funciona para todo mundo, ao contrário daqui. Nem chegaram a me atender”, diz.
Nas duas situações, Vera Lucia e Marilsa procuraram a Organização Jurídica de Apoio ao Cidadão (Ojac), uma das várias instituições que buscam suprir a lacuna da Defensoria no estado nos últimos 18 anos, assim como os Núcleos de Prática Jurídica de universidades. Há três anos em funcionamento, a Ojac defende aproximadamente 80 casos que deveriam receber atenção da Defensoria Pública. “São problemas, muitas vezes sérios, aos quais ninguém dá a devida atenção”, afirma Solange Aparecida de Souza, presidente da Ojac.
Outro lado
Josiane Fruet afirma que, em ambos os casos, a Defensoria Pública poderia ter agido. Senão para solucionar a situação, ao menos para encaminhar para instituições responsáveis por ocorrências semelhantes (a Procuradoria de Defesa do Consumidor, no caso de Marilsa). A fim de impedir problemas semelhantes, a chefe da Defensoria afirma ter instituído uma nova forma de atendimento. “A triagem liga diretamente para mim, pois esse tipo de problema sempre cai em meu gabinete”, conta. Josiane assumiu a chefia do órgão em fevereiro de 2009, depois da procura de Marilsa e Vera Lucia.
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