sábado, 12 de setembro de 2009

Saúde da Família não atrai médicos

GAZETA DO POVO, 12 de setembro de 2009

Salário, influência política e más condições de trabalho são apontados pela classe médica como motivo do abandono do programa


Ponta Grossa - Criado em 1994 pelo governo fe­­de­­ral como um novo conceito de atendimento na rede pública, o Programa Saúde da Família (PSF) não atraiu seu protagonista: o mé­­dico. Como o seu patrão é o prefeito e os contratos são na maior parte temporários, o profissional não cria vínculos com a prefeitura. O salário é muito maior que o de ou­­tras categorias, mas ainda é inferior ao do mercado privado. Faltam materiais básicos de trabalho, co­­mo luvas e aventais. A situação afugenta a classe médica.

O Brasil tem 29,7 mil equipes do PSF, cada uma com um médico, cobrindo 94% dos municípios e 49,9% da população. A meta do governo federal é chegar a 32 mil equipes até o fim do ano que vem. Como a contratação dos médicos é via prefeituras, não existe um procedimento padrão (se por concurso ou contrato temporário ou ainda por meio de empresa terceirizada) ou um piso salarial nacional.

A Federação Nacional dos Médi­­cos (Fenan) e o Sindicato dos Médi­­cos do Paraná (Simepar) não sabem quantificar a evasão de médicos do programa, mas afirmam que é um problema real. Em Ponta Grossa, desde o início de 2007, 11 médicos deixaram o PSF. A situação levou parte dos 39 médicos da família a entrar em greve duas vezes neste ano. As negociações com a prefeitura continuam. Em outubro, eles deverão receber a proposta de plano de cargos, carreira e provimentos. Em Ortiguei­­ra, também nos Campos Gerais, cinco médicos saíram do PSF em quatro anos.

O pediatra Lenoir José de Oli­­veira deixou o programa em Ponta Grossa. “No PSF você não tem estímulo, não trabalhamos com a prevenção, só fazemos o atendimento à população. E, além do mais, quero me dedicar à pediatria, que é a minha especialidade”, relata. Ele foi contratado no PSF em 2004 e se desligou na última segunda-feira.

O desestímulo se estende a parte dos recém-formados em Me­­di­cina. No programa de residência médica de Medicina da Família e Co­­munidade, especialidade que é voltada para a atuação no PSF, há 58 vagas no Paraná, mas o presidente da Comissão Estadual de Residência Médica no Paraná, João Carlos Simões, diz que só metade é preenchida.

Para Simões, é preciso estabelecer políticas públicas. “O governo ain­­da não se debruçou sobre o as­­sunto com a responsabilidade que ele merece. O médico precisa de um plano de cargos para se sentir mais seguro no programa”, afirma. O presidente do Simepar, Má­­rio Ferrari, acrescenta que “há um aceno do governo federal” em relação ao estabelecimento do plano de carreira na categoria.

Para a médica sanitarista e professora da Universidade Federal do Paraná, Eleusis Ronconi de Naza­­re­­no, já houve um avanço com a criação da especialidade de medicina da família pelo governo federal, porém as prefeituras precisam repensar a forma de contratação. “Muitas prefeituras contratam os médicos através de empresas terceirizadas. Como os salários são mais altos eles não entram no teto de gastos das prefeituras e não há com­­prometimento na Lei de Res­­ponsabilidade Fiscal”, comenta.

Sem interesse

Levar os médicos para o interior dos estados é outro de­­safio. Em Ortiguei­­ra, nos Cam­­pos Gerais, por exemplo, o salário oferecido pela prefeitura é de R$ 11,8 mil. “Mas eu já ouvi médico falando que não aceita vir para a cidade porque aqui não tem shopping”, comenta o secretário municipal de Saúde, Cláudio de Souza.

Em Curitiba, se paga pela mesma função R$ 6,5 mil. Segundo a superintendente de Gestão da secretaria municipal de Saúde, Eliane Chomatas, a rotatividade no programa é baixa. Os 166 médicos do programa – que cobre 32,5% da população curitibana – são concursados e seguem o plano de carreira dos servidores da prefeitura.

Programa deveria investir na prevenção

Para se diferenciar dos postos de saúde comuns, que devem ser compostos por ginecologista, pediatra e clínico geral, o Pro­ grama Saúde da Família (PSF) conta com médico, enfermeiro, dois auxiliares de enfermagem e quatro agentes comunitários de saúde, que fazem visitas à comunidade abrangida.

Cada equipe, de acordo com a diretriz do Ministério da Saúde, deve atender a um grupo de 3 mil a 4,5 mil famílias. Além de atender a população na unidade de saúde, o médico da família deve desenvolver ações de saúde preventiva, como programas de orientação a diabéticos e hipertensos. A formação do médico deve ser essencialmente em medicina da família e comunidade, mas nada impede que um médico especialista em outra área preste concurso para atuar no PSF.

O ideal do médico da família, que em tese conheceria seus pacientes pelo nome e realizaria visitas domiciliares, não é seguido à risca. “Antes de o médico conhecer seu paciente pelo nome eu diria que é mais importante que o paciente conheça o seu médico pelo nome”, diz a diretora do Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde, Claunara Schilling Mendonça.

As visitas domiciliares são feitas principalmente pelos agentes comunitários de saúde. Eles servem de ponte entre os profissionais de saúde e a população.

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