CORREIO BRAZILIENSE, 26 de janeiro de 2011
População de cidade goiana enfrentou a polícia em manifestação contra prefeito. Durante seis horas de segunda-feira (24/1), cerca de 2 mil moradores impediram a entrada e saída de veículos na DF-280, rodovia que liga Santo Antônio do Descoberto a Brasília. Os manifestantes atearam fogo em pneus, galhos e até ônibus. Segundo os moradores, o protesto aconteceu contra o caos instalado na cidade em todos os setores, como saúde e transporte público
A manifestação popular que acabou em confusão em Santo Antônio do Descoberto tinha um alvo: o prefeito David Leite, acusado de se omitir em relação aos problemas do município. Na 1ª Promotoria de Justiça da cidade, correm três denúncias contra sua gestão, todas por improbidade administrativa. Duas delas pedem o afastamento de Leite do cargo. A mais recente data do último dia 18 e está relacionada ao ex-prefeito padre Getúlio Alencar, que governou o município de 1998 a 2002. O padre foi condenado em 2009 a devolver aos cofres públicos R$ 97 mil. O Ministério Público notificou o prefeito atual reiteradas vezes a cobrar a dívida, o que não foi feito. Diante da omissão, o promotor Daniel Naiff instaurou ação de improbidade contra David Leite e pediu seu afastamento. “Vivemos num município tão pobre e ele se recusa a receber uma verba dessas, que pode não ser muito, mas, diante das dificuldades da cidade, já ajudaria”, afirmou o promotor.
Outra ação, esta envolvendo diretamente o prefeito, é em relação ao desvio de R$ 2 milhões do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), que deveriam ser usados para o pagamento de professores da rede pública do município e na melhoria da estrutura das escolas. O recurso foi repassado pelo governo federal no fim de 2009 para a prefeitura, que aplicou quase 100% do montante em pagamentos a prestadores de serviços, quitou dívidas com advogados, entre outros gastos que não contemplaram a educação. “Houve aplicação ilegal dos recursos destinados à educação que em hipótese alguma poderiam ser usados para outro fim”, ressaltou Daniel Naiff, que por esse ato também ajuizou ação de improbidade administrativa contra David Leite, recomendando mais uma vez seu afastamento.
A terceira ação contra o prefeito é de 2007, quando ele foi condenado por acumular o cargo de vice-prefeito de Santo Antônio com o de servidor público em Brasília, o que é vetado por lei. Por esse ato, teve seus direitos políticos suspensos por cinco anos, além de ser condenado a ressarcir os cofres da prefeitura em mais de R$ 200 mil, que é a soma dos salários que recebeu enquanto permaneceu no posto de vice-prefeito.
David Leite desqualificou as denúncias. “Vamos recorrer de todas as decisões contrárias à nossa gestão. Temos limitações, mas estamos conseguindo, na medida do possível, melhorar nossa cidade. Existe a questão política por trás de tudo isso, mas nós ainda temos um grande apoio popular, de vereadores e outros segmentos da sociedade que estão do nosso lado”, defendeu-se. (SA)
O padre que negociou a paz
Há cinco anos como padre da Igreja de Santo Antônio do Descoberto, popularmente conhecida como Igrejinha, Marcelo José Vieira Júnior, 33 anos, jamais imaginou que iria assistir a cenas de guerra na cidade com ares de interior. O religioso teve papel decisivo para encerrar o confronto entre moradores e policiais que era travado na praça central em frente ao templo. Foi ele quem negociou a paz com o comandante da operação.
O pároco também protagonizou um dos momentos mais inusitados do conflito: enquanto policiais enfrentavam os manifestantes com cassetetes e tiros de cápsulas de borracha, ele saiu da sua casa, que fica a cerca de 100 metros da igreja, e passou correndo em meio à multidão desesperada convidando todos os acuados a se refugiarem no templo. Em poucos minutos, a instituição religiosa de estrutura acanhada ficou pequena para tantas pessoas. Um policial tentou entrar, mas foi barrado pelo padre, que usou de sua autoridade para desafiar o agente: “Aqui ninguém vai bater no meu povo”.
Nascido em Cristalina (GO), padre Marcelo sempre dedicou sua vida ao Entorno do Distrito Federal. Foi diácono de Águas Lindas e padre por um ano em Luziânia (GO). Agora como líder da igreja de Santo Antônio do Descoberto, ele mantém duas entidades de amparo a crianças carentes. Bem humorado, o religioso contou ao Correio os momentos de tensão que o município viveu na manhã da última segunda-feira.
“Eu estava tomando café em casa, quando ouvi barulho de bomba e gente gritando. Olhei do portão e vi um corre-corre muito grande. Vi um policial batendo em um senhor que passava de bicicleta. Vi fiéis da igreja sendo tratados como marginais. Vi até coroinhas da igreja sendo perseguidos. Pensei: ‘Não posso deixar meu povo desamparado’. Peguei a chave da igreja e passei chamando todo mundo. Quando todos já estavam dentro (da igreja), um policial quis entrar, achando que eles tinham invadido o templo. Disse a ele que eu tinha aberto a porta da casa de Deus e me coloquei na frente da tropa de choque. Se eles fossem atirar, que fosse em mim primeiro. Nunca iria permitir um derramamento de sangue dentro de um local santo. Saí para conversar com o comandante da operação, por sinal, um coronel muito bem preparado, que me escutou e ordenou que os homens dele se afastassem. Porém, no momento da negociação, um policial da tropa de choque lançou uma bomba, acho que de efeito moral, e os estilhaços atingiram a cintura do padre Marcelo Oliveira, que me acompanhava.
A situação voltou a ficar tensa, mas logo foi controlada. Considero o manifesto legítimo, porque foi uma revolta que não partiu de um grupo político, mas sim da população, que não aguenta mais viver numa cidade sem amparo algum do poder público: não tem médico para fazer um parto, a educação é ruim, as ruas não preciso nem comentar. Enfim, foi um grito de socorro da população de Santo Antônio do Descoberto. Eu, como padre, não posso julgar quem errou por deixar a cidade chegar a esse estado, mas devo negociar a paz quando for necessário.”
Tiros e quebra-quebra em protesto contra prefeito
Um ônibus queimado e outros apedrejados. Prédios públicos atacados. Confrontos entre manifestantes e policiais. Bombas explodindo. Tiros de balas de borracha disparados. Pessoas feridas. Confusão generalizada nas ruas. Cenas de batalha campal foram registradas ontem de manhã em Santo Antônio do Descoberto, no Entorno do Distrito Federal (DF), a 179 quilômetros de Goiânia, em manifestação cobrando melhoria nos serviços públicos na cidade
Moradores de Santo Antônio do Descoberto acusam polícia de abuso da força
Protesto contra o prefeito de Santo Antônio do Descoberto leva cerca de 2,5 mil moradores a fecharem a DF-280. Foi o estopim para vários confrontos com a PM. Civis acusam a polícia de uso excessivo de força
População de cidade goiana enfrentou a polícia em manifestação contra prefeito. Durante seis horas de segunda-feira (24/1), cerca de 2 mil moradores impediram a entrada e saída de veículos na DF-280, rodovia que liga Santo Antônio do Descoberto a Brasília. Os manifestantes atearam fogo em pneus, galhos e até ônibus. Segundo os moradores, o protesto aconteceu contra o caos instalado na cidade em todos os setores, como saúde e transporte público
A manifestação popular que acabou em confusão em Santo Antônio do Descoberto tinha um alvo: o prefeito David Leite, acusado de se omitir em relação aos problemas do município. Na 1ª Promotoria de Justiça da cidade, correm três denúncias contra sua gestão, todas por improbidade administrativa. Duas delas pedem o afastamento de Leite do cargo. A mais recente data do último dia 18 e está relacionada ao ex-prefeito padre Getúlio Alencar, que governou o município de 1998 a 2002. O padre foi condenado em 2009 a devolver aos cofres públicos R$ 97 mil. O Ministério Público notificou o prefeito atual reiteradas vezes a cobrar a dívida, o que não foi feito. Diante da omissão, o promotor Daniel Naiff instaurou ação de improbidade contra David Leite e pediu seu afastamento. “Vivemos num município tão pobre e ele se recusa a receber uma verba dessas, que pode não ser muito, mas, diante das dificuldades da cidade, já ajudaria”, afirmou o promotor.
Outra ação, esta envolvendo diretamente o prefeito, é em relação ao desvio de R$ 2 milhões do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), que deveriam ser usados para o pagamento de professores da rede pública do município e na melhoria da estrutura das escolas. O recurso foi repassado pelo governo federal no fim de 2009 para a prefeitura, que aplicou quase 100% do montante em pagamentos a prestadores de serviços, quitou dívidas com advogados, entre outros gastos que não contemplaram a educação. “Houve aplicação ilegal dos recursos destinados à educação que em hipótese alguma poderiam ser usados para outro fim”, ressaltou Daniel Naiff, que por esse ato também ajuizou ação de improbidade administrativa contra David Leite, recomendando mais uma vez seu afastamento.
A terceira ação contra o prefeito é de 2007, quando ele foi condenado por acumular o cargo de vice-prefeito de Santo Antônio com o de servidor público em Brasília, o que é vetado por lei. Por esse ato, teve seus direitos políticos suspensos por cinco anos, além de ser condenado a ressarcir os cofres da prefeitura em mais de R$ 200 mil, que é a soma dos salários que recebeu enquanto permaneceu no posto de vice-prefeito.
David Leite desqualificou as denúncias. “Vamos recorrer de todas as decisões contrárias à nossa gestão. Temos limitações, mas estamos conseguindo, na medida do possível, melhorar nossa cidade. Existe a questão política por trás de tudo isso, mas nós ainda temos um grande apoio popular, de vereadores e outros segmentos da sociedade que estão do nosso lado”, defendeu-se. (SA)
O padre que negociou a paz
Há cinco anos como padre da Igreja de Santo Antônio do Descoberto, popularmente conhecida como Igrejinha, Marcelo José Vieira Júnior, 33 anos, jamais imaginou que iria assistir a cenas de guerra na cidade com ares de interior. O religioso teve papel decisivo para encerrar o confronto entre moradores e policiais que era travado na praça central em frente ao templo. Foi ele quem negociou a paz com o comandante da operação.
O pároco também protagonizou um dos momentos mais inusitados do conflito: enquanto policiais enfrentavam os manifestantes com cassetetes e tiros de cápsulas de borracha, ele saiu da sua casa, que fica a cerca de 100 metros da igreja, e passou correndo em meio à multidão desesperada convidando todos os acuados a se refugiarem no templo. Em poucos minutos, a instituição religiosa de estrutura acanhada ficou pequena para tantas pessoas. Um policial tentou entrar, mas foi barrado pelo padre, que usou de sua autoridade para desafiar o agente: “Aqui ninguém vai bater no meu povo”.
Nascido em Cristalina (GO), padre Marcelo sempre dedicou sua vida ao Entorno do Distrito Federal. Foi diácono de Águas Lindas e padre por um ano em Luziânia (GO). Agora como líder da igreja de Santo Antônio do Descoberto, ele mantém duas entidades de amparo a crianças carentes. Bem humorado, o religioso contou ao Correio os momentos de tensão que o município viveu na manhã da última segunda-feira.
“Eu estava tomando café em casa, quando ouvi barulho de bomba e gente gritando. Olhei do portão e vi um corre-corre muito grande. Vi um policial batendo em um senhor que passava de bicicleta. Vi fiéis da igreja sendo tratados como marginais. Vi até coroinhas da igreja sendo perseguidos. Pensei: ‘Não posso deixar meu povo desamparado’. Peguei a chave da igreja e passei chamando todo mundo. Quando todos já estavam dentro (da igreja), um policial quis entrar, achando que eles tinham invadido o templo. Disse a ele que eu tinha aberto a porta da casa de Deus e me coloquei na frente da tropa de choque. Se eles fossem atirar, que fosse em mim primeiro. Nunca iria permitir um derramamento de sangue dentro de um local santo. Saí para conversar com o comandante da operação, por sinal, um coronel muito bem preparado, que me escutou e ordenou que os homens dele se afastassem. Porém, no momento da negociação, um policial da tropa de choque lançou uma bomba, acho que de efeito moral, e os estilhaços atingiram a cintura do padre Marcelo Oliveira, que me acompanhava.
A situação voltou a ficar tensa, mas logo foi controlada. Considero o manifesto legítimo, porque foi uma revolta que não partiu de um grupo político, mas sim da população, que não aguenta mais viver numa cidade sem amparo algum do poder público: não tem médico para fazer um parto, a educação é ruim, as ruas não preciso nem comentar. Enfim, foi um grito de socorro da população de Santo Antônio do Descoberto. Eu, como padre, não posso julgar quem errou por deixar a cidade chegar a esse estado, mas devo negociar a paz quando for necessário.”
Tiros e quebra-quebra em protesto contra prefeito
Um ônibus queimado e outros apedrejados. Prédios públicos atacados. Confrontos entre manifestantes e policiais. Bombas explodindo. Tiros de balas de borracha disparados. Pessoas feridas. Confusão generalizada nas ruas. Cenas de batalha campal foram registradas ontem de manhã em Santo Antônio do Descoberto, no Entorno do Distrito Federal (DF), a 179 quilômetros de Goiânia, em manifestação cobrando melhoria nos serviços públicos na cidade
Moradores de Santo Antônio do Descoberto acusam polícia de abuso da força
Protesto contra o prefeito de Santo Antônio do Descoberto leva cerca de 2,5 mil moradores a fecharem a DF-280. Foi o estopim para vários confrontos com a PM. Civis acusam a polícia de uso excessivo de força
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