sábado, 4 de dezembro de 2010

Relator do Orçamento distribui verba e faz lobby para esquema fraudulento

O ESTADO DE S. PAULO, 4 de dezembro de 2010

Senador Gim Argello (PTB), que ganhou prestígio no atual governo, destinou recursos de emendas parlamentares individuais a entidades fantasmas


Pelo menos R$ 3 milhões dos cofres do governo federal caíram desde abril na conta de um jardineiro e um mecânico. Eles são laranjas num esquema organizado por institutos fantasmas que superfaturam eventos culturais, fraudam prestações de contas e repassam dinheiro para empresas de fachada. Parte desse esquema é sustentada por emendas e lobby explícito, por escrito aos ministérios, de quem hoje elabora o projeto do Orçamento da União de 2011: o senador Gim Argello (PTB-DF).

Investigação feita pelo Estado mostra que, desses R$ 3 milhões, ao menos R$ 1,4 milhão foi repassado para institutos fantasmas por meio de emendas individuais de Gim Argello no Orçamento. E, logo depois, o dinheiro foi repassado para a conta de uma empresa que tem um jardineiro e um mecânico como donos – tudo sem licitação.

A reportagem rastreou um roteiro fraudulento complexo, que envolve entidades de fachada e laranjas. Inicialmente, o parlamentar apresenta uma emenda ao Orçamento que reserva recursos públicos para promover shows ou eventos culturais. Ele apresenta, além da emenda, uma carta ao ministro da pasta. O dinheiro é destinado a um instituto fantasma. O suposto instituto, em seguida, repassa recursos para uma empresa de promoção de eventos ou marketing, com endereço falso e em nome de laranja. As emendas constam em rubricas dos Ministérios do Turismo e da Cultura, que não fazem a checagem presencial da prestação de contas do serviço, nem verificam a atuação do instituto e da empresa subcontratada.

Exposição. Por conta desse esquema, Gim Argello fatura – ao menos politicamente – com shows e eventos turísticos no Distrito Federal pagos com dinheiro público.

Nos documentos obtidos pela reportagem fica claro que as prestações de contas entregues ao governo são assinadas pelos laranjas e os endereços dos institutos são falsos.

A reportagem localizou o jardineiro Moisés da Silva Morais em sua casa, numa rua de terra batida na periferia de Águas Lindas, cidade do entorno do Distrito Federal. O nome dele está nos convênios do governo em contratos e orçamentos. O jardineiro Moisés admitiu que emprestou o nome ao esquema em troca de uma promessa, não cumprida segundo ele, de R$ 500 mensais. "Virei laranja", disse.

Estatutos comprados. Os papéis revelam que essas entidades compram estatutos de associações comunitárias de periferia e viram "institutos" somente para intermediar sem licitação os convênios com o governo, em troca de uma comissão, conforme relatos de dirigentes em conversas gravadas.

Líder do PTB, Gim Argello era suplente e virou senador em 2007 após a renúncia de Joaquim Roriz, envolvido em corrupção. Em pouco tempo, ganhou espaço e respeito do governo federal, principalmente da ex-ministra e presidente eleita, Dilma Rousseff.

Em troca da lealdade ao governo, Gim conseguiu um presente político: ser o relator do Orçamento da União, de R$ 1,3 trilhão para 2011. Cabe a ele elaborar toda a proposta orçamentária – incluindo as emendas parlamentares – a ser votada pelo Congresso até o fim deste mês.

O destino das emendas feitas pelo próprio senador para 2010 mostra que, no mínimo, Gim Argello não tem controle sobre o rumo e o uso do dinheiro público que lhe diz respeito.

Ele mesmo, na sua versão (veja reportagem na pág. A6), disse que, apesar de destinar emendas, não conhece as entidades, nem acompanha as prestações de contas.

Cartas e lobby. No dia 29 de junho deste ano, o senador enviou uma carta ao ministro da Cultura, Juca Ferreira, e fez um apelo: pediu que R$ 600 mil das emendas feitas por ele fossem transferidos para o Instituto Renova Brasil. O convênio foi aprovado e liberado em R$ 532 mil. Só que a entidade não existe. É fantasma. No endereço funciona uma vidraçaria, a Requinte Vidros.


Rede de entidades fantasmas e laranjas revela ação premeditada
O esquema apurado pela reportagem inclui ainda os institutos Brasil Sempre à Frente, Planalto Central, Inbraest e Projeto Viver, estes dois últimos também beneficiados por emendas e lobby do relator-geral do Orçamento, Gim Argello, aos ministros da Cultura e do Turismo.

Além dos convênios, todos funcionam em endereços de fachada e têm familiares distribuídos entre as entidades, o que revela uma ação organizada e premeditada.

Os institutos Renova Brasil, Inbraest e Projeto Viver repassaram todo o dinheiro da emenda de Gim para a RC Assessoria e Marketing Ltda. A empresa foi criada em abril e já faturou R$ 3 milhões do esquema.

Também é registrada num endereço fictício em Brasília. Segundo inscrição na Junta Comercial, os donos são o jardineiro Moisés e o mecânico José Samuel Bezerra. As assinaturas dos laranjas estão nos orçamentos, nos contratos e nas prestações de contas entregues por esses institutos ao governo federal.

Laranjas. As peças do xadrez do esquema revelam que um grupo de pessoas montou uma rede de entidades e empresas em busca do dinheiro público.

Para ajudar, contam com a falta de fiscalização: só 35% dos convênios do Ministério do Turismo, por exemplo, recebem fiscalização presencial. Ao entrar para o esquema, o jardineiro Moisés Morais atendeu a um pedido de Carlos Henrique Dantas Pina, filho do patrão, Carlos Pina, empresário do setor de autopeças de Brasília que lhe pagava R$ 600 mensais de salário até semana passada.

O outro "sócio", José Samuel Bezerra, mora no Paranoá, bairro pobre do Distrito Federal. Vive de bicos. Depois de colocar o jardineiro como laranja no esquema, Carlos Henrique Pina abriu o próprio instituto, o Conhecer Brasil, que já firmou um convênio com o Ministério do Turismo. Em entrevista ao Estado, disse que colocou o jardineiro Moisés na RC Assessoria a pedido de uma pessoa chamada Walmir, empresário de eventos automobilísticos que se recusou a falar com a reportagem.

Em família. Recente reportagem da revista Veja mostrou que outro instituto, o Recriar, repassou R$ 500 mil de emendas de Gim a uma rádio que está arrendada para seu próprio filho. Há um cartel de empresas subcontratadas para realizar o serviço, em muitos casos superfaturados ou nem executados. Artistas contaram que recebem menos do que é declarado pelas entidades. Outro caso é o da Elo Brasil Produções. Sua sede fica na periferia de Goianira, pequena cidade a 20 quilômetros de Goiânia. No endereço mora o pedreiro Manoel e sua mulher, Dalva. Ambos desconhecem a empresa.


"Falei pra minha mulher
que ia ser laranja"

O jardineiro Moisés da Silva Morais é um dos dois "sócios" da RC Assessoria e Marketing, empresa que já faturou R$ 3 milhões com eventos pagos pelos Ministérios do Turismo e da Cultura. A RC é subcontratada pelos institutos fantasmas. É Moisés quem assina os contratos de prestação de serviço anexados às prestações de contas que os institutos entregam ao governo federal.

Moisés foi pego de surpresa pela reportagem do Estado em sua casa, numa rua de terra batida na cidade de Águas Lindas (GO). Na conversa, admitiu que virou laranja de Carlos Henrique Pina, de 24 anos, um jovem aspirante a promotor de festas em Brasília. Em troca, Pina teria prometido R$ 500 mensais. Moisés só não sabia que havia dinheiro público no esquema.

"Eu sou laranja", admitiu. "Eu falei pra minha mulher que eu ia ser laranja, mas ele falou que ia me dar tanto. E o tanto de dinheiro que ele ganhou no meu nome?" A seguir, trechos da entrevista do jardineiro ao Estado.

Por que vários institutos contratam a RC?
A empresa está só no meu nome, mas não sei de nada.

Como é que o senhor virou sócio dela?
A empresa está no meu nome mas não faço nada. Ele (Henrique Pina) faz toda a movimentação. Eu trabalho com o pai dele, Carlos Pina. Trabalho de jardineiro. Sabe o que ele (Henrique) prometeu? Que se eu abrisse a empresa, ele me daria R$ 500 todo mês. E eu perguntei se isso não era roubado, não era sujeira. Porque o pai dele é sério.

A empresa já faturou uns R$ 3 milhões...
Já? Está falando sério?

Com o seu nome nos contratos...
Sim, virei laranja... Eu falei pra minha mulher que eu ia ser laranja, mas ele falou que ia me dar tanto. E o tanto de dinheiro que ele ganhou no meu nome?

Mas por que você assina as prestações de contas?
Eu não sou bom de leitura, ele traz os papéis e eu assino.

Além de você, aparece um outro nome na empresa, José Samuel Bezerra. Conhece?
Não, nem sabia que tinha sócio. Quer dizer que tem mais gente nisso?

Ou seja, você virou um empresário....
Ele só me falou que ia mexer com marketing.

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