quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Sensato alerta do Fundo Monetário Internacional

O GLOBO, 21 de outubro de 2010


Na tumultuada história do relacionamento do Brasil com o Fundo Monetário Internacional (FMI), vive-se um momento único, em que o país nada deve à instituição. Ao contrário, é credor em US$10 bilhões, dinheiro emprestado para que o Fundo socorra economias frágeis atingidas pelos efeitos recessivos da crise financeira mundial deflagrada em 2008 a partir de Wall Street.

Beneficiado pela explosão de preços de bens primários causada pela crescente avidez chinesa por matérias-primas, o Brasil saldou a dívida externa e resgatou as promissórias que mantinha quase perenemente na tesouraria do Fundo. A circunstância serve para garganteios político-eleitorais do presidente Lula e demais seguidores lulopetistas, o que não impede o governo de trabalhar em Washington - no que faz bem - por uma reforma no FMI que aumente seu peso, como o de outras economias emergentes, no centro de decisões da instituição, na qual a Europa está com mais representatividade do que deve.

À margem dos discursos políticos, deve-se acompanhar as análises do Fundo, organismo capaz de um competente levantamento da conjuntura nas diversas regiões do mundo. Na terça-feira, foi divulgado em Washington o documento "Perspectivas Econômicas das Américas", no qual há um recado objetivo para a parte Sul do continente, em que muitas economias deveriam evitar um "estímulo excessivo da demanda e do crédito, que poderiam chegar a níveis insustentáveis".

E, para o Brasil, o conselho é até mais concreto: restringir os gastos públicos, com a diminuição das "operações parafiscais dos bancos públicos", a fim de "corrigir as distorções do canal de crédito que reduzem a eficácia da política monetária", ou seja, o manejo dos juros pelo Banco Central.

O Fundo apenas chancela o que vários economistas sérios têm alertado. A licença para gastar que o governo Lula entendeu ter recebido da crise de 2008 fez com que a tendência de expansão das despesas públicas acima da evolução do PIB fosse acelerada de forma perigosa. A política expansionista pode eleger a candidata oficial, mas cria problemas e deixa heranças complexas. Até porque uma das maneiras de ampliar o crédito é por meio de uma maquiagem contábil - elegante e diplomático, o FMI prefere usar o termo "operações parafiscais" -, pela qual injetam-se bilhões (já foram quase R$200 bi) no BNDES, provenientes de títulos de dívida pública, que só aparecerão na conta da dívida bruta, não da líquida, indicador mais utilizado para medir a solvência do Estado. Além disso, emboneca-se o superávit primário - outro importante indicador de capacidade de pagamento do setor público - com operações de antecipação de pagamento de dividendos de estatais à União. Aproveitou-se até a integralização do aumento de capital da Petrobras por parte da União para, também via emissão de títulos, fazer-se mais uma intricada operação por meio do BNDES, pela qual criaram-se do nada R$30 bilhões para serem contabilizados no superávit primário. Um efeito pernicioso dessas mágicas é reduzir a credibilidade das estatísticas oficiais, maneira eficiente de aumentar a taxa de risco incidente sobre títulos brasileiros, públicos e privados.

Vale o alerta: o fato de o Brasil nada dever ao Fundo não revoga as leis econômicas. Economia superaquecida provoca desequilíbrios externos, alta de inflação e, por tabela, de juros. Queira-se ou não.

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