segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Paranaguá, uma cidade à sombra do porto

GAZETA DO POVO, 16 de agosto de 2010

Paranaguá mantém relações perigosas com sua maior fonte de prosperidade. A Vila Becker – um entreposto de 400 famílias e milhares de problemas – é uma prova de algo falhou na partilha de recursos


Paranaguá vive à margem de seu porto, o principal gerador de empregos, atrativo para empresas e municiador do comércio local. Ao longo dos anos, o estabelecimento integrou a paisagem e redefiniu as funções da cidade. Hoje, o município depende do movimento do porto para sobreviver. Apesar da importância, o diálogo entre as partes ocorreu em raras ocasiões, causando enormes prejuízos. Por cinco anos, o porto não pagou cerca de R$ 4 milhões anuais em ISS (Imposto sobre Serviço), valor que corresponde a 2% da arrecadação. Em uma cidade carente, o dinheiro poderia ter sido investido em áreas essenciais, como educação, saúde, urbanismo.

Na sexta-feira passada, o porto pagou à prefeitura a parcela de R$ 250 mil do ISS, referente ao mês de julho. Agora, promete encontrar meio de pagar o restante da dívida. Apesar do “calote”, a economia é o setor mais beneficiado pela presença do porto. Perto de 11 mil dos 140 mil habitantes atuam no estabelecimento, além da geração de empregos indiretos. “Quando o Porto reduz sua atividade, os impactos são enormes. Paranaguá não tem outras vocações”, explica o prefeito do município, José Baka Filho. Poucos se atrevem a imaginar a cidade sem o porto. Os prejuízos, por outro lado, vão da exploração sexual de jovens aos danos ambientais.

arte da explicação para isso está na falta de diálogo entre prefeitura e porto. Problemas simples, como um buraco na rua, demoram a ser solucionados em razão da discussão sobre quem é o responsável. A comerciante Maria das Graças Constantino da Silva, de 61 anos, vive com medo: há enormes buracos em frente de sua casa e ela teme atropelamentos e acidentes. “Morar aqui não é fácil. Você se sente desprezado”, conta. A comerciante já procurou prefeitura e porto, mas as falhas do asfalto permanecem depois de cinco meses. A ela, o porto informou não ser responsável, enquanto a prefeitura diz que o problema se deve à passagem constante de caminhões.

Nem tudo, contudo, é simples como um buraco quando se requer a ação das duas entidades. Renato Francisco da Silva, presidente da Associação de Moradores da Vila Becker, diz que não houve consenso nem mesmo em projetos que podem beneficiar ambas as partes, como os investimentos em turismo. O próprio superintendente do porto, Mario Lobo Filho, assume a dificuldade: “Sempre houve zona de conflito mais ou menos intensa, dependendo do contexto político. É uma questão histórica”. No momento, ensaia-se uma aproximação.

Mesmo com o avanço, algumas questões que necessitam de ação conjunta continuam sem soluções. A Vila Becker é exemplo: um bairro com 400 famílias localizado ao lado do Terminal de Álcool, empreendimento que sofreu com vazamentos desde sua inauguração, em 2007. Há um ano, o álcool tomou conta da vila, levando à interdição – a posição só foi revista após a execução de obras de segurança. A área de risco onde a comunidade está instalada foi “urbanizada”: existe água e luz. Os moradores aguardam a relocação, mas, até o momento, nada saiu do papel. Fica a impressão de que o porto é bom para os investidores, mas péssimo para a sociedade.

Rotina diária de exploração sexual - A exploração sexual de jovens é realidade de Paranaguá. O porto não é responsável direto, mas, se não estivesse instalado no município, boa parte dos meninos e meninas não seguiria essa rota. O movimento incessante de trabalhadores portuários dificulta o combate ao aliciamento. Por mais que se tente, orientar caminhoneiros, estivadores e outros profissionais “consumidores” do negócio não surte efeito desejado.

Durante a noite, encontrar crianças em situação de risco é simples e, mesmo durante o dia, o problema é evidente. Uma das consequências está na elevada incidência de contaminação pelo vírus da aids: a cada grupo de 100 mil, 30 apresentam a doença, índice seis vezes maior que a média nacional.

Um mapeamento realizado pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) e pela Organização Internacional do Trabalho (OTI) identificou 1.819 pontos em rodovias vulneráveis à exploração sexual. No Paraná, foram encontrados 106 espaços propícios, sendo que todos os caminhos envolvem rotas para o porto. Desde 2006, a ONG Central de Notícias dos Direitos da Infância e Adolescência (Ciranda) promove no município o trabalho “Navegando nos Direitos”, com o apoio da Rede Marista de Solidariedade.

A iniciativa atua em três eixos: mobilização da sociedade para enfrentar a exploração, articulação de rede de proteção na comunidade e ações de prevenção com adolescentes, por meio da educomunicação. Para o gestor da Ciranda, o jornalista Douglas Moreira, o processo já apresentou resultados. “No início, o assunto era tabu. Agora, a cidade discute a exploração sexual, especialmente as escolas que receberam o projeto”, relata.

Na avaliação de um dos coordenadores da Associação Casa da Acolhida/Pastoral Rodoviária, padre Carlimar Gonçalves Holanda, a falta de incentivo do porto e do empresariado local inibe a disseminação de trabalhos sociais que batalham contra a exploração sexual. “Paranaguá é uma cidade muito carente. Por isso, nossas crianças são presas fáceis”, diz.

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