quinta-feira, 8 de julho de 2010

Limites da LRF são hoje estímulos ao gasto

VALOR ECONÔMICO, 8 julho de 2010


Não perderá tempo quem tiver a curiosidade de ler a justificação para o aumento médio de 56% aos servidores do Poder Judiciário, que acompanha o projeto de lei 6.613/2009. Ela é assinada pelos presidentes dos tribunais superiores do país e pode ser encontrada no sítio da Câmara dos Deputados na internet. Nos últimos parágrafos da justificação, os presidentes escrevem que os gastos com pessoal ativo e inativo do Poder Judiciário estão bem abaixo do limite definido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e que, portanto, a despesa decorrente do aumento proposto (impacto bruto de R$ 6,3 bilhões ao ano) "conforma-se dentro da margem de crescimento permitida".

A LRF determina que os gastos com os servidores ativos e inativos do Poder Judiciário federal não poderão ultrapassar 6% da receita corrente líquida (RCL) da União, sendo que o limite prudencial é de 5,7% da RCL. Os presidentes dos tribunais superiores dizem, na justificação do projeto, que as despesas com pessoal e encargos sociais do Poder Judiciário este ano estão estimadas em R$ 15,5 bilhões e que o limite legal previsto para 2011 (6% da RCL) equivale a R$ 31,9 bilhões e o prudencial a R$ 30,3 bilhões, como pode ser visto na tabela abaixo.

Sendo assim, argumentam os presidentes, existe um espaço de R$ 16,4 bilhões para o aumento desses gastos ou de R$ 14,8 bilhões (adotando-se o critério prudencial). No texto da justificação, os presidentes dos tribunais superiores falam na existência de uma "margem de crescimento legal" das despesas com pessoal e encargos e de uma "margem de crescimento prudencial". Essas expressões significam, no primeiro caso, a diferença entre o que se gasta atualmente com o pagamento de servidores ativos, inativos e pensionistas do Poder Judiciário e o valor do limite legal autorizado pela LRF e, no segundo caso, a diferença entre o que se gasta e o valor do limite prudencial.

A argumentação utilizada pelos presidentes dos tribunais mostra que o limite para o gasto estabelecido pela LRF passou a ser considerado como um espaço a ser ocupado, ou seja, como uma autorização legal para o crescimento dessas despesas. Se esse argumento prevalecer, os demais poderes reivindicarão o mesmo tratamento e haverá uma explosão dos gastos com pessoal como nunca se viu até agora.

De acordo com dados da Secretaria do Tesouro Nacional, a receita corrente líquida da União ficou em R$ 437,2 bilhões em 2009. As despesas com pessoal e encargos sociais dos três poderes da União (Executivo, Legislativo e Judiciário) atingiram 34,2% da RCL. A Lei de Responsabilidade Fiscal dispõe que os gastos com pessoal e encargos sociais dos três poderes não podem ultrapassar 50% da RCL da União. Haveria, portanto, uma "margem de crescimento legal" dessas despesas de 15,8% da RCL (50% menos 34,2%). Ou seja, as despesas com pagamento de servidores ativos, inativos e pensionistas dos três poderes poderiam crescer algo como R$ 76,7 bilhões este ano (que é 15,8% da RCL da União em 2010, prevista em R$ 485,4 bilhões pela lei orçamentária). Obviamente, o argumento da "margem de crescimento legal" não é aceitável.

O limite para cada poder foi definido, por ocasião da votação da LRF, como uma média daquilo que tinha sido executado em 1995, 1996 e 1997. Na época, esse critério foi contestado por alguns, que protestaram contra a estreiteza dos limites. Hoje, os limites estão evidentemente frouxos e não garantem mais qualquer controle sobre os gastos com pessoal e encargos sociais.

A razão é que o legislador não imaginou o crescimento descomunal da receita que ocorreria nos anos seguintes. Para se ter uma ideia, a RCL da União em 2002, quando foi aprovada a LRF, era de R$ 148,2 bilhões. Em 2009, a RCL atingiu R$ 437,2 bilhões - um aumento nominal de 195% para uma inflação registrada no período de 79,25% (medida pelo IPCA). O aumento brutal da carga tributária acabou sendo repassado aos servidores dos três poderes, pois os limites para esses gastos estavam indexados ao crescimento da arrecadação.

Vale a pena observar que as despesas do Judiciário com pessoal e encargos sociais em 2002 foram de R$ 9,2 bilhões. Em 2009, elas saltaram para R$ 26,5 bilhões, um crescimento nominal de 188% para uma inflação no período de 47,94%.

Os limites para gastos com pessoal e encargos sociais dos três poderes, definidos pela LRF, foram transformados pelos servidores em alvo e, por isso, não servem mais como sustentáculo do equilíbrio fiscal. Os gestores públicos estão gastando muito, mas dando a impressão, para quem paga a conta, de que o gasto está sob controle, pois está previsto em lei.

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