GAZETA DO POVO, 16 de julho de 2010
Apenas 2,2% do montante aplicado nos últimos cinco anos foi exigido na Justiça. Falta de pessoal dificulta execução de dívidas por crimes ambientais
O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) deixou de receber 99,4% do valor total das multas aplicadas contra crimes ambientais entre janeiro de 2005 e outubro 2009. Em quase cinco anos, foram R$ 14,6 bilhões não pagos por pessoas e empresas autuadas. O valor corresponde a 58% de toda a dívida acumulada por infratores com os 16 órgãos federais de regulação e fiscalização. Só o Ibama foi responsável por 57% do valor aplicado em multas nesse período. Em compensação, foi o que teve o pior resultado na arrecadação de multas – apenas 0,6% do montante cobrado foi recolhido.
O Ibama puxa para baixo o desempenho dos órgãos fiscalizadores. O índice geral de arrecadação é de 3,7%, mas as oito agências que lideram o ranking apresentam resultados superiores a 20%. A tendência é piorar. Em 2006, melhor ano do período, 1,1% foi pago. Já entre janeiro e outubro do ano passado, o número caiu para 0,2%. Os dados foram levantados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e apontam o problema: o órgão não faz uso dos instrumentos legais de que dispõe para obrigar o pagamento.
Apesar de a quantidade de autuações ter diminuído continuamente nos últimos anos, o número de pessoas e empresas inscritas pelo Ibama no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Governo Federal (Cadin) caiu a um ritmo mais acelerado. Em 2005, para 9,6 mil autuações feitas pelo órgão houve 6,3 mil inscrições no Cadin, enquanto no ano passado foram apenas 25 cadastros para 276 multas. Aquele que estiver inscrito no cadastro não pode fazer negócios com o poder público.
O mesmo aconteceu com as execuções judiciais das dívidas. O montante aplicado anualmente em multas oscilou entre R$ 2 bilhões e R$ 4 bilhões desde 2005, mas o valor dos pagamentos exigidos na Justiça caiu continuamente e, no ano passado, não houve nenhuma execução judicial. Nos últimos cinco anos, apenas 2,2% do valor foi levado à corte – contra 15% na soma de todos os órgãos fiscalizadores.
O infrator só pode ser inscrito no Cadin e acionado na Justiça após esgotarem-se os recursos administrativos, o que pode levar mais de um ano. Mas o TCU considera que “como está sendo avaliado um período de cinco anos, a existência de uma discrepância elevada entre os números acumulados requer atenção”. “É possível, ainda, que esteja havendo omissão por parte de órgãos e entidades de fiscalização”, observa o relatório do Tribunal. Por algum motivo, mesmo as multas confirmadas administrativamente não estão sendo cobradas.
Falta de pessoal - Especialistas em gestão e Direito Ambiental apontam o reduzido quadro de procuradores como o principal gargalo. “Muitas multas confirmadas deixam de ser exigidas por falta de pessoal. Diversos estados têm déficit de procuradores, não dão conta de executar as cobranças e uma boa parcela delas acaba prescrevendo”, observa a advogada Marlene Dias Carvalho, que trabalhou por quase 20 anos na procuradoria do Ibama.
Após o processo administrativo, o órgão público tem cinco anos para executar uma multa. Depois desse prazo, ela não pode ser mais cobrada. “A situação é alarmante, isso está relacionado à falta de estrutura do Ibama. Isso demonstra a ineficiência do poder de polícia do órgão. É um problema do corpo jurídico, mas também do corpo técnico. Muitas multas são anuladas até depois de chegarem à Justiça, porque o fiscal cometeu erro na autuação”, complementa o advogado Caio Eberhart, especialista em Direito Ambiental.
Nos últimos anos, o número de autuações e, portanto, de processos administrativos caiu substancialmente. No entanto, Marlene acredita que o aumento dos valores dificultou a arrecadação. Desde 2008, quando foi baixado o Decreto Federal 6.514, que aumentou as previsões legais para cobrança, o valor médio das multas do Ibama vem crescendo e atingiu R$ 9,2 milhões no ano passado. Procurada pela reportagem, a Superintendência do Ibama em Brasília não retornou as ligações.
No Paraná, só 0,15% das autuações foram pagas
Em cinco anos foi pago apenas 0,15% do montante cobrado em 2.740 autos infracionais aplicados pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no Paraná. Isso representa R$ 485 mil dos R$ 315 milhões que foram cobrados em crimes ambientais. Os dados revelam que a situação no estado é ainda mais crítica em comparação com o cenário nacional, cujo total pago em autuações foi de 0,6%.
Na tentativa de evitar o pagamento ou reduzir o valor da multa, o caminho da maioria desses processos é a Justiça. Hoje, segundo o Ibama no Paraná, 1.775 autuações feitas entre 2005 e 2009 estão paradas em ações judiciais, o que representa o entravamento de mais de R$ 183 milhões. Por outro lado, um total de R$ 11 milhões foram parcelados e estão sendo pagos.
Na última grande operação ambiental da Polícia Federal, no começo deste mês, o Ibama autuou 34 pessoas e emitiu multas no valor total de R$ 9,5 milhões. Esse foi o resultado da ação denominada São Francisco, em que 10 mil aves silvestres raras foram apreendidas em cidades de Santa Catarina, Paraná e São Paulo. Os animais eram vendidos em outros países, caracterizando tráfico internacional de animais. Estima-se que o esquema movimentava cerca de R$ 5 milhões por ano.
Apenas 2,2% do montante aplicado nos últimos cinco anos foi exigido na Justiça. Falta de pessoal dificulta execução de dívidas por crimes ambientais
O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) deixou de receber 99,4% do valor total das multas aplicadas contra crimes ambientais entre janeiro de 2005 e outubro 2009. Em quase cinco anos, foram R$ 14,6 bilhões não pagos por pessoas e empresas autuadas. O valor corresponde a 58% de toda a dívida acumulada por infratores com os 16 órgãos federais de regulação e fiscalização. Só o Ibama foi responsável por 57% do valor aplicado em multas nesse período. Em compensação, foi o que teve o pior resultado na arrecadação de multas – apenas 0,6% do montante cobrado foi recolhido.
O Ibama puxa para baixo o desempenho dos órgãos fiscalizadores. O índice geral de arrecadação é de 3,7%, mas as oito agências que lideram o ranking apresentam resultados superiores a 20%. A tendência é piorar. Em 2006, melhor ano do período, 1,1% foi pago. Já entre janeiro e outubro do ano passado, o número caiu para 0,2%. Os dados foram levantados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e apontam o problema: o órgão não faz uso dos instrumentos legais de que dispõe para obrigar o pagamento.
Apesar de a quantidade de autuações ter diminuído continuamente nos últimos anos, o número de pessoas e empresas inscritas pelo Ibama no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Governo Federal (Cadin) caiu a um ritmo mais acelerado. Em 2005, para 9,6 mil autuações feitas pelo órgão houve 6,3 mil inscrições no Cadin, enquanto no ano passado foram apenas 25 cadastros para 276 multas. Aquele que estiver inscrito no cadastro não pode fazer negócios com o poder público.
O mesmo aconteceu com as execuções judiciais das dívidas. O montante aplicado anualmente em multas oscilou entre R$ 2 bilhões e R$ 4 bilhões desde 2005, mas o valor dos pagamentos exigidos na Justiça caiu continuamente e, no ano passado, não houve nenhuma execução judicial. Nos últimos cinco anos, apenas 2,2% do valor foi levado à corte – contra 15% na soma de todos os órgãos fiscalizadores.
O infrator só pode ser inscrito no Cadin e acionado na Justiça após esgotarem-se os recursos administrativos, o que pode levar mais de um ano. Mas o TCU considera que “como está sendo avaliado um período de cinco anos, a existência de uma discrepância elevada entre os números acumulados requer atenção”. “É possível, ainda, que esteja havendo omissão por parte de órgãos e entidades de fiscalização”, observa o relatório do Tribunal. Por algum motivo, mesmo as multas confirmadas administrativamente não estão sendo cobradas.
Falta de pessoal - Especialistas em gestão e Direito Ambiental apontam o reduzido quadro de procuradores como o principal gargalo. “Muitas multas confirmadas deixam de ser exigidas por falta de pessoal. Diversos estados têm déficit de procuradores, não dão conta de executar as cobranças e uma boa parcela delas acaba prescrevendo”, observa a advogada Marlene Dias Carvalho, que trabalhou por quase 20 anos na procuradoria do Ibama.
Após o processo administrativo, o órgão público tem cinco anos para executar uma multa. Depois desse prazo, ela não pode ser mais cobrada. “A situação é alarmante, isso está relacionado à falta de estrutura do Ibama. Isso demonstra a ineficiência do poder de polícia do órgão. É um problema do corpo jurídico, mas também do corpo técnico. Muitas multas são anuladas até depois de chegarem à Justiça, porque o fiscal cometeu erro na autuação”, complementa o advogado Caio Eberhart, especialista em Direito Ambiental.
Nos últimos anos, o número de autuações e, portanto, de processos administrativos caiu substancialmente. No entanto, Marlene acredita que o aumento dos valores dificultou a arrecadação. Desde 2008, quando foi baixado o Decreto Federal 6.514, que aumentou as previsões legais para cobrança, o valor médio das multas do Ibama vem crescendo e atingiu R$ 9,2 milhões no ano passado. Procurada pela reportagem, a Superintendência do Ibama em Brasília não retornou as ligações.
No Paraná, só 0,15% das autuações foram pagas
Em cinco anos foi pago apenas 0,15% do montante cobrado em 2.740 autos infracionais aplicados pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no Paraná. Isso representa R$ 485 mil dos R$ 315 milhões que foram cobrados em crimes ambientais. Os dados revelam que a situação no estado é ainda mais crítica em comparação com o cenário nacional, cujo total pago em autuações foi de 0,6%.
Na tentativa de evitar o pagamento ou reduzir o valor da multa, o caminho da maioria desses processos é a Justiça. Hoje, segundo o Ibama no Paraná, 1.775 autuações feitas entre 2005 e 2009 estão paradas em ações judiciais, o que representa o entravamento de mais de R$ 183 milhões. Por outro lado, um total de R$ 11 milhões foram parcelados e estão sendo pagos.
Na última grande operação ambiental da Polícia Federal, no começo deste mês, o Ibama autuou 34 pessoas e emitiu multas no valor total de R$ 9,5 milhões. Esse foi o resultado da ação denominada São Francisco, em que 10 mil aves silvestres raras foram apreendidas em cidades de Santa Catarina, Paraná e São Paulo. Os animais eram vendidos em outros países, caracterizando tráfico internacional de animais. Estima-se que o esquema movimentava cerca de R$ 5 milhões por ano.
Em SP, 95% dos crimes ficam impunes
O ESTADO DE S. PAULO, 16 de julho de 2010
Uma pessoa que cometa um crime na capital paulista tem 1 chance em 20 de ter de responder na Justiça (5,2%). E mais da metade dos processos só é aberta porque o autor do crime foi pego em flagrante. Se isso não ocorrer, a chance de a investigação policial descobrir o criminoso é de apenas 1 em 40 (2,5%).
Esse mapa da impunidade resulta do cruzamento feito pelo Estado dos dados da produção do Ministério Público Estadual entre 2002 e 2009 com os crimes registrados pela Secretaria da Segurança Pública. Os furtos registrados nas delegacias são o tipo de crime com menor número de denúncias no Judiciário: só 3,1% viram processos. No caso dos roubos, esse número sobe para 4,8%. Entre os crimes com maior índice de resolução estão os homicídios: 32% viram ação penal. Já o alto índice de resolução de estupros (41%) se deve ao fato de que os poucos casos denunciados pelas vítimas geralmente têm autoria conhecida.
Cifras negras. A ineficiência no esclarecimento de crimes pode ser ainda maior. É que os dados levam em consideração só os casos registrados nas delegacias. Cerca de 70% dos crimes não são comunicados à polícia, segundo as três principais pesquisas de vitimização feitas entre 2001 e 2008 no Brasil.
"Existe uma enorme cifra negra nos dados de segurança pública, que ocorre em São Paulo, no Brasil e em outros lugares no mundo. Isso existe porque muitos são vítimas de crime e não registram boletins de ocorrência. Eu mesmo fui vítima de crime, roubaram minha carteira e eu não percebi. Acabei não registrando na delegacia", explica Sérgio Mazina, presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim).
O ESTADO DE S. PAULO, 16 de julho de 2010
Uma pessoa que cometa um crime na capital paulista tem 1 chance em 20 de ter de responder na Justiça (5,2%). E mais da metade dos processos só é aberta porque o autor do crime foi pego em flagrante. Se isso não ocorrer, a chance de a investigação policial descobrir o criminoso é de apenas 1 em 40 (2,5%).
Esse mapa da impunidade resulta do cruzamento feito pelo Estado dos dados da produção do Ministério Público Estadual entre 2002 e 2009 com os crimes registrados pela Secretaria da Segurança Pública. Os furtos registrados nas delegacias são o tipo de crime com menor número de denúncias no Judiciário: só 3,1% viram processos. No caso dos roubos, esse número sobe para 4,8%. Entre os crimes com maior índice de resolução estão os homicídios: 32% viram ação penal. Já o alto índice de resolução de estupros (41%) se deve ao fato de que os poucos casos denunciados pelas vítimas geralmente têm autoria conhecida.
Cifras negras. A ineficiência no esclarecimento de crimes pode ser ainda maior. É que os dados levam em consideração só os casos registrados nas delegacias. Cerca de 70% dos crimes não são comunicados à polícia, segundo as três principais pesquisas de vitimização feitas entre 2001 e 2008 no Brasil.
"Existe uma enorme cifra negra nos dados de segurança pública, que ocorre em São Paulo, no Brasil e em outros lugares no mundo. Isso existe porque muitos são vítimas de crime e não registram boletins de ocorrência. Eu mesmo fui vítima de crime, roubaram minha carteira e eu não percebi. Acabei não registrando na delegacia", explica Sérgio Mazina, presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim).
Nenhum comentário:
Postar um comentário