sexta-feira, 16 de julho de 2010

Eleitor ficha-limpa

JORNAL DO BRASIL, Dalmo Dallari, 16 de julho de 2010


No Estado democrático moderno a manifestação da vontade do eleitor tem importância fundamental, pois sem ela não pode existir um sistema político verdadeiramente democrático. Com efeito, embora tenham ocorrido avanços no sentido da ampliação e efetivação de mecanismos de democracia direta, como está evidente na Constituição brasileira de 1988, ainda existe amplo contingente de decisões de interesse público que devem ser tomadas sem a possibilidade de prévia consulta aos governados ou sem que estes possam participar direta e imediatamente do ato decisório. Essa dificuldade já foi reconhecida na Inglaterra no fim do século 17, quando a burguesia conseguiu ampliar seu direito de participação no Parlamento e se definiu a superioridade da Câmara dos Comuns, órgão político dos burgueses, em relação à Câmara dos Lordes, onde tinha assento a nobreza. A necessidade de tomar decisões com grande frequência fez com que a burguesia, mais preocupada com a gestão de seus negócios, mas querendo participar do governo, enviasse representantes para o Parlamento, estando aí o nascedouro da Democracia Representativa.

Esse mecanismo foi ampliado no século seguinte, com as revoluções burguesas da América do Norte e da França, dando ensejo a uma rica teorização, que foi sendo aperfeiçoada com a expansão dos ideais democráticos e o aperfeiçoamento dos mecanismos de escolha dos representantes e do relacionamento destes com os representados. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela ONU em 1948, fez referência expressa a esse direito de participação no governo em seu artigo XXI, nos seguintes termos: Toda pessoa tem o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.

Aí está um direito fundamental da cidadania: o direito de participar, por meio do voto, no governo de seu país. O que tem acontecido na prática é o desvirtuamento desses preceitos, mediante coação ou outras formas de corrupção, artifícios utilizados por políticos arbitrários ou simplesmente corruptos desprovidos de padrões éticos, para anular a vontade dos governados e assim impedir a prática da democracia. Políticos corruptos exploram a situação de pobreza e inferioridade social dos eleitores, ou simplesmente a inconsciência e o egoísmo dos que, visando algum benefício pessoal, vendem ou cedem ingenuamente o seu direito de independência política. Buscando, sem qualquer escrúpulo, seus proveitos pessoais, anulam, de vários modos, o direito de livre escolha dos eleitores. Há os que compram diretamente e sem rodeios esse direito, outros cobram uma compensação por benefícios que concederam como ocupantes de um cargo público, apelando para o sentimento de gratidão dos eleitores, outros fazem promessas enganosas e demagógicas para os eleitores ingênuos ou egoístas. E assim os eleitores perdem o seu direito de participação no governo e são mal governados, sendo vítimas de seus próprios erros decorrentes de inconsciência ou egoísmo.

Por tudo isso, é extremamente importante aproveitar este momento eleitoral e desencadear uma vigorosa campanha de esclarecimento, cobrando do eleitor uma atitude honesta e responsável, dizendo-lhe que não venda o seu direito de cidadania nem o troque por favores pessoais, pois seu direito eleitoral é também seu dever e sua responsabilidade, instrumento para a construção de uma sociedade justa e democrática. A aprovação da Lei da Ficha Limpa, a partir da iniciativa de eleitores, suplantando as resistências no Congresso e no Supremo Tribunal Federal, é um fato muito positivo, que deixa evidente a possibilidade de banir da vida pública brasileira os corruptos de todas as espécies.

Dalmo Dallari é professor e jurista.

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