sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Aposta errada

O GLOBO, EDITORIAL, 18 de setembro de 2009


O lobby dos jogos de azar apostou no poder de pressão sobre os parlamentares e obteve anteontem uma primeira vitória, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, em nova investida para legalizar no país o funcionamento de casas de bingo e máquinas caça-níqueis. Como a matéria ainda vai ao plenário da Casa e, em seguida, passará pelo Senado, há espaço para que a preocupante decisão da CCJ seja revogada.

Não pode ser outra a resposta do Legislativo, sob pena de esse Poder - cuja imagem vem sendo gravemente maculada por ações que não se coadunam com os interesses do país - coonestar mais um ato contra a sociedade. Com a legalização do bingo e dos caça-níqueis, escancaram-se de vez as portas para o crime organizado impor com mais desenvoltura, graças ao anteparo da lei, os conhecidos (e criminosos) recursos que costuma empregar para dominar a atividade.

O projeto que voltou à discussão na Câmara é mimetismo de um dispositivo da Lei Pelé que previa a destinação ao esporte de parte do dinheiro arrecadado na ponta das cartelas. Adoça-se a proposta atual com nova formulação supostamente também de interesse social, com a reversão de uma parcela das apostas para fundos de apoio à cultura, ao esporte, à segurança pública e à saúde. Crítico da legalização, o deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ) alerta, no entanto, para o que realmente está por trás da regulamentação: "Não é possível que o Congresso queira legalizar uma atividade que tenha comprovadamente ramificações na criminalidade. Não há casas de bingo sem que haja drogas e prostituição."

Não é demais lembrar também que os bingos alimentam uma rede de corrupção, na qual já caíram magistrados, autoridades e políticos. É emblemático o episódio em que, um ano depois de elogiar o jogo, o presidente Lula editou uma medida provisória voltando a proibir tal atividade, em resposta à repercussão de uma gravação em que o ex-subchefe de Assuntos Parlamentares da Casa Civil Waldomiro Diniz aparecia cobrando propina de um bicheiro. O escândalo provocou, em 2005, a criação de uma CPI e teve o dom de mudar os conceitos do presidente, que passou a relacionar o bingo ao crime organizado e à prostituição infantil.

O que está em jogo é mais do que o grau de simpatia, ditada por injunções conjunturais, por essa atividade. Ao aprovar os bingos e caça-níqueis, a CCJ aposta na legalização de um instrumento que transformará os estabelecimentos em grandes lavanderias de dinheiro e avalizará os violentos métodos de controle da jogatina, na qual invariavelmente ganha quem está por trás do balcão.

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