segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Juro para imóvel no Brasil é dos mais altos do mundo

O ESTADO DE S. PAULO, 4 de outubro de 2010

Venda de imóveis disparou no Brasil memo com financiamentos com juros mais de duas vezes maiores que os EUA e o Chile, segundo estudo


Assim como ocorre no mercado de crédito em geral, o spread e as taxas de juros dos empréstimos imobiliários do Brasil estão entre os mais altos do mundo. Spread é a diferença entre a taxa que a instituição financeira paga ao captar o dinheiro e a que cobra ao repassá-lo para o cliente.


As duas conclusões fazem parte de um estudo da consultoria ATKearney, feito a pedido do Estado. É o primeiro levantamento do gênero realizado desde que as concessões desses empréstimos dispararam no País.

A pesquisa compara a situação em cinco nações: além do Brasil, Estados Unidos, Espanha, Rússia e Chile. Aqui, o spread médio no segmento imobiliário é de 5,05 pontos porcentuais ao ano, ante 3,1 na Rússia, 4,8 nos EUA, 3 pontos no Chile e 2,2 na Espanha. No caso do juro, os resultados foram de, respectivamente, 11,3%, 14,5%, 5%, 4,9% e 3,4%.

Nos últimos meses, o crédito imobiliário deu um salto no Brasil, a despeito do custo elevado na comparação com outros países. Segundo dados do Banco Central (BC), esses empréstimos cresceram 51% nos 12 meses terminados em agosto, ante expansão de 19% do crédito total da economia. Bancos e especialistas do setor imobiliário preveem que o crescimento continuará acelerado.

Primeiro, por causa da estabilização da economia, que permite prever o cenário para os anos seguintes com mais confiabilidade - o que estimula tanto o tomador quanto o credor a fazer mais operações. Em segundo lugar, por causa das mudanças regulatórias de 2004. Ali se instituiu, por exemplo, a alienação fiduciária. Na prática, significa que um banco pode retomar com mais facilidade o bem (imóvel) em caso de inadimplência do devedor.

Também alimentam as projeções positivas para o setor a implementação do programa Minha Casa, Minha Vida. Hoje, a fatia do crédito imobiliário em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) é de 3% no Brasil - o equivalente a cerca de R$ 115 bilhões. Na Espanha, a proporção é de 26% e no Chile, de 27%.

Coordenadora do levantamento, a vice-presidente da ATKearney, Silvana Machado, atribui o spread e os juros elevados a três razões. A primeira delas é que, apesar da alienação fiduciária, a maioria dos empréstimos imobiliários concedidos no Brasil está no âmbito das normas antigas, que dificultam a retomada do bem. "A taxa de inadimplência sobe e o juro também."

A segunda razão é a baixa competição no setor. "O crédito imobiliário é novo no Brasil, coisa de cinco anos para cá", diz Silvana. A Caixa Econômica Federal, sozinha, tem 75% da carteira de crédito do segmento no País. O terceiro fator, segundo ela, é a limitação de funding (dinheiro disponível para as operações). "Aqui, temos basicamente os recursos do Fundo de Garantia e da poupança. Não há outros instrumentos, como no exterior", diz, referindo-se, por exemplo, à securitização, que permite que carteiras de crédito sejam vendidas para investidores no mercado.


Vai faltar dinheiro para tudo', afirma especialista
"Vai faltar dinheiro." É com essa frase taxativa que o presidente do Instituto para o Desenvolvimento da Cultura do Crédito (IDCC), Fernando Blanco, refere-se às perspectivas para o mercado de crédito imobiliário brasileiro nos próximos anos.

"O Brasil precisa investir no pré-sal, na infraestrutura, precisa fazer Copa do Mundo e Olimpíada. Onde vamos encontrar recurso para tudo isso?", indaga o especialista, que durante anos trabalhou em comitês de crédito de grandes bancos.
A preocupação de Blanco é compartilhada por outros profissionais da área financeira. A diferença é que ele tem como foco as limitações macro, enquanto outros chamam a atenção para questões específicas do segmento imobiliário.
Só duas fontes. No Brasil, há basicamente duas fontes para os empréstimos do setor: os depósitos da caderneta de poupança e os recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).


Mantido o atual ritmo de expansão dos negócios, estima-se que ambas as fontes vão secar, no máximo, até 2012. A partir daí, o mercado terá de desenvolver alternativas para manter o ritmo de crescimento.

O presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), Luiz França, estima que o problema vai aparecer entre 2012 e 2013. Por isso, afirma, a entidade e os bancos estão empenhados na busca de uma solução. Uma delas é a securitização, que permitiria o "empacotamento" dos financiamentos e sua venda a investidores.

Outra são os chamados "covered bonds", um tipo de papel financeiro que, segundo ele, permitiria um "casamento" melhor dos prazos da operação.

Hoje, a caderneta de poupança é uma aplicação de curto prazo que banca transações de longo prazo (empréstimos imobiliários), o que aumenta o risco para os bancos. Segundo França, o governo tem se mostrado sensível às demandas do setor de crédito imobiliário.

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