terça-feira, 21 de setembro de 2010

Um pleito sub judice, se nada for decidido sobre Ficha Limpa

VALOR ECONÔMICO, 21 de sstembro de 2010


O Supremo Tribunal Federal (STF) deve decidir amanhã se a chamada Lei Ficha Limpa, que torna inelegíveis os condenados por decisões colegiadas (a partir de segunda instância), vale para essas eleições. Mas são tantas as questões que envolvem a decisão que o país corre o risco de ir para as urnas, em 3 de outubro, sem saber se os candidatos impugnados pelos TREs e pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) são elegíveis. Os eleitores têm chances de escolher candidatos sem saber se as postulações deles são legítimas, e correm o risco de escolher mandatários com candidaturas sub judice e, depois da posse, ver os seus mandatos cassados, se o STF não se pronunciar claramente sobre a constitucionalidade da lei, aprovada há dois meses pelo Congresso.

No STF, o ministro Gilmar Mendes foi o primeiro a suspender uma inelegibilidade decidida pelo TSE, a do senador Heráclito Fortes (DEM-PI). Dias Toffoli fez o mesmo com a candidata a deputada estadual Isaura Lemos (PDT-GO), argumentando que era preciso analisar a constitucionalidade da lei. Em compensação, o ministro Carlos Britto negou quatro pedidos de liminar de candidatos cujos registros foram negados e os ministros Ricardo Lewandowski e Carmen Lúcia tendem também a acatar a vigência imediata da lei.

O julgamento, pelo STF, do recurso de Joaquim Roriz, que teve sua candidatura impugnada pelo TRE do DF e pelo TSE, pode ao menos dar uniformidade às decisões judiciais em relação às mudanças feitas na Lei de Inelegibilidades. O Legislativo decidiu, acatando emenda popular, que são inelegíveis os condenados por colegiados e aqueles que renunciaram ao mandato parlamentar para evitar a cassação pelos seus pares. Roriz se encaixa nessa segunda hipótese. O ex-governador foi eleito senador em 2006 e renunciou, em 2007, para não ser cassado pelo plenário do Senado por acusação de ter recebido propina em seu governo no DF.

Várias questões jurídicas em torno da Lei Ficha Limpa levam a uma aposta no caos. Este será o pleito em que sobrarão candidaturas sub judices, que poderão resultar em cassação de mandatos, na hipótese desses candidatos se elegerem. Se o STF não der um norte para a definição judicial sobre as impugnações resultantes da Lei Ficha Limpa, a Justiça manterá mandatos instáveis e acumulará um sem número de questões a serem decididas depois do pleito. Se o candidato Joaquim Roriz for liberado para a disputa e se eleger governador do DF, e a Justiça decidir de forma terminativa sobre a legitimidade de seu mandato apenas depois de sua posse e ele for cassado, por exemplo, antes disso terão sido gerados atos administrativos de legitimidade duvidosa. E os votos em plenário dos parlamentares eleitos, mas que ficarão pendentes de uma decisão final da Justiça?

São questões complexas, mas cabe ao STF reduzir a instabilidade jurídica ao mínimo. De alguma forma, o Supremo terá que responder a duas questões importantes que pairam sobre a lei desde que ela foi aprovada. Primeiro, se a aplicação não teria que obedecer o princípio da anualidade - segundo a Constituição, leis que possam alterar o resultado do pleito têm que ser aprovadas no mínimo um ano antes das eleições. A outra questão é relativa à presunção de inocência. O texto constitucional define que ninguém pode ser considerado culpado sem sentença transitada em julgado, isto é, sem que tenha sido condenado em última instância. Existe ainda uma outra decisão a ser tomada: se a lei pode retroagir para prejudicar candidatos, ou seja, se os condenados antes da Lei Ficha Limpa estão submetidos aos seus rigores, ou à lei que vigia na época da condenação.

Não são decisões fáceis e o STF está muito dividido. Os especialistas têm apostado em empate, mesmo com o voto de minerva do presidente, já que o tribunal está com um ministro a menos - Eros Grau aposentou-se e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai nomear um substituto só depois das eleições. As dúvidas jurídicas se estendem ao próprio procedimento de votação no plenário do STF. Com o voto do presidente, Cezar Peluso, imagina-se um empate de cinco a cinco. O regulamento dá o poder de desempate ao presidente - neste caso, ele teria que votar duas vezes. Mas o regulamento não define se são necessários seis votos, ou o apoio de seis membros do STF, para tomar uma decisão. Se o ranking dos especialistas se realizar, qualquer decisão será tomada por seis votos e cinco membros do STF. É um imbróglio completo, que pode ir além da posse dos eleitos.

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