quarta-feira, 22 de setembro de 2010

A cara do cara

FOLHA DE S. PAULO, Marco Antonio Villa, 22 de setembro de 2010


O Brasil é um país estranho. O TSE fez várias propagandas explicando ao eleitor quais são as funções dos deputados, senadores, governadores e do presidente. Contudo, ao relatar as principais atribuições do presidente, ocupou mais da metade do tempo dizendo que cabe a ele divulgar o país no exterior, viajar e buscar novos negócios. Curiosamente, nenhuma dessas funções fazem parte do artigo constitucional que regulamenta as atribuições presidenciais.

Ou seja, o TSE, que é presidido por um ministro do STF, desconhece qual o papel que deve ser exercido pelo presidente da República. Mas, a bem da verdade, o desconhecimento é mais amplo. O próprio presidente Lula tem demonstrado nesta campanha eleitoral que não sabe os limites estipulados pelo artigo 84, logo ele que foi deputado constituinte (mas que, junto com a bancada do PT, votou contra a aprovação do texto constitucional).

Sem exagero, é possível afirmar que nunca na história presidencialista brasileira um presidente foi tão agressivo contra seus adversários. Faz ameaças, agride, acusa. É o verdadeiro Lula, é a cara do cara, sem maquiagem ou disfarce.

Quando um presidente não tem freios, como agora, é a democracia que corre risco. A omissão do Judiciário é perigosa. E vai criando, pela covardia, uma nefasta jurisprudência. Em certos casos, cabe ao STF uma ação para coibir a violação da Constituição.

Mas, dificilmente ocorrerá: o STF não tem uma história de defesa da cidadania frente ao despotismo do Estado. Pelo contrário, nos momentos mais difíceis do país, a Suprema Corte silenciou. Basta recordar a conivência com o Estado Novo ou com a ditadura militar.

A irritação presidencial com as críticas demonstra a dificuldade de conviver com a democracia. Lula sabe que no Brasil é predominante a cultura política autoritária. E que conta com o apoio popular, assim como a ditadura, durante o chamado milagre brasileiro, graças à situação econômica.

Em um país sem tradição democrática, um governo descompromissado com a defesa das liberdades, fica seduzido pelo poder absoluto. Para isso, necessita esmagar a oposição a qualquer preço. E conta com a adesão da maior parte da elite política, sedenta por saquear o Estado, tarefa facilitada pela supressão das liberdades.

Caminhamos para um impasse político. Com um Executivo que tudo pode, um Judiciário omisso e um Legislativo dócil, com ampla maioria governamental, que permitirá mudanças constitucionais ao bel prazer dos poderosos de momento.

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