quarta-feira, 2 de junho de 2010

Ministério Público denuncia Justus e Curi

GAZETA DO POVO, 2 de junho de 2010

Ministério Público protocola hoje ação contra os dois e pede o afastamento de ambos da Mesa. Entendimento foi de que eles são responsáveis pela contratação de fantasmas


O Ministério Público Estadual (MP) vai pedir hoje à Justiça o afastamento imediato do presidente da Assembleia Legislativa do Paraná, deputado Nelson Justus (DEM), e do primeiro-secretário da Casa, deputado Alexandre Curi (PMDB), de suas funções na Mesa Diretora. O pedido será feito dentro de uma ação civil pública de improbidade administrativa contra os dois parlamentares e outros quatro acusados que será protocolada nesta quarta-feira na 2.ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba.

Justus e Curi são acusados formalmente pelo MP porque os promotores que investigam a Assembleia entenderam que os dois são responsáveis pela contratação de seis servidores fantasmas da família do funcionário da Casa João Leal de Mattos. Mesmo sem trabalhar no Legislativo, os seis receberam salários.

Mattos pegava documentos pessoais dos familiares para contratá-los para a Assembleia e ficava com o cartão do banco onde os salários eram movimentados, desviando o dinheiro público. A ação civil se refere à apropriação indevida de cerca de R$ 3,3 milhões por esse intermédio.

O esquema de Mattos envolveu as agricultoras rurais Jermina Maria da Silva e da filha dela, Vanilda Leal, moradoras de Cerro Azul, no Vale do Ribeira. João Leal de Mattos é irmão de Jermina e tio de Vanilda, que moram em casas simples de madeira e sobrevivem graças ao Bolsa Família.

O período que consta na ação do MP é de fevereiro de 2008 a março de 2009 – quando há registros de contratação dos integrantes da família Leal.

Perda de mandato - Se forem condenados pela Justiça, Justus e Curi podem perder seus mandatos de deputado estadual (ainda nesta legislatura ou em uma futura, caso sejam reeleitos). Eles também teriam os direitos políticos suspensos por até dez anos e ficariam proibidos de firmar contratos com o poder público e receber incentivos fiscais. Também teriam, em caso de condenação, de restituir o valor desviado (R$ 3,3 milhões) e ainda pagar cada um uma multa que pode chegar a mais de R$ 6,5 milhões – valor que é correspondente a duas vezes o montante desviado.

Para garantir a devolução aos cofres públicos, o MP vai pedir hoje também à Justiça o bloqueio de quase R$ 10 milhões do patrimônio de Justus e outros R$ 10 milhões de bens de Alexandre Curi.

As mesmas penas serão pedidas pelo MP aos outros quatro acusados na ação: os ex-diretores da Assembleia Abib Miguel (Diretoria-Geral), José Ary Nassiff (Administração) e Cláudio Marques da Silva (de pessoal) e o funcionário João Leal de Mattos.

Os quatro foram presos e denunciados pelo MP numa ação penal – destes só Mattos responde ao processo em liberdade. Segundo o MP, os quatro foram beneficiados pelo esquema, embora fosse Mattos quem pegava os documentos dos familiares para viabilizar a contratação na Assembleia e quem ficava com os cartões bancários para movimentar o dinheiro.

Pelo agravante de enriquecimento ilícito, as multas impostas aos quatro podem ser de até três vezes o valor desviado, para cada um. Todos os réus são solidários nessa devolução dos prejuízos – ou seja, eles podem dividir o montante desviado ou apenas um devolver o valor integral. No entanto, quanto às multas, cada um dos acusados responde individualmente. Se todas multas forem aplicadas com o maior valor (incluindo as de Justus e Curi), podem ser recuperados cerca de R$ 24 milhões aos cofres públicos.

Justus e Curi não serão denunciados por enriquecimento ilícito, ao contrário dos outros quatro. “Não apareceu nenhuma prova cabal de que esse dinheiro desviado foi de alguma forma destinado para o presidente e para o primeiro-secretário”, explicaram fontes do MP ouvidas pela reportagem. “O que existe é a colaboração e a conivência deles para que esses desvios ocorressem.”

Essa conivência, detalhou uma das fontes, ficou bem mais clara a partir da análise que os auditores do MP fizeram nos diários da Assembleia. A auditoria comprovou, entre outras coisas, que os diários eram inacessíveis, que existiam lacunas entre os atos da Mesa Executiva e que houve publicação de diários com datas retroativas. Essas irregularidades vem sendo mostradas pela Gazeta do Povo e pela RPC TV na série de reportagens “Diários Secretos”.

A ação do MP demonstra ainda que Justus e Curi sabiam das irregularidades. “Eles sabiam que há muito tempo existiam ilícitos, que há muito tempo os diários eram inacessíveis. Eles sabiam que o controle era deficiente. Portanto, sabiam e mantiveram todo esse ambiente que propiciava e facilitava esses desvios. Não podem alegar que desconheciam a nomeação de funcionários fantasmas”, contou outra fonte. Segundo o MP, os deputados ainda tinham a obrigação legal de supervisionar toda a administração. No entendimento do MP, a falta de acesso aos diários oficiais do Legislativo era de conhecimento de Justus e Curi e foi fundamental para que os crimes pudessem ser cometidos.

A ação que será protocolada hoje pode não ser a única contra Justus e Curi. Existe a possibilidade de novas denúncias de improbidade contra os dois deputados, envolvendo o desvio de dinheiro por meio de outros fantasmas.

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