O GLOBO, Paulo Sá, 2 de junho de 2010
A Comissão de Assuntos Sociais do Senado aprovou um novo capítulo na Lei Orgânica de Saúde que prevê uma série de exigências ao Estado para garantir tratamento médico e fornecimento de medicamentos aos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Todos os medicamentos e procedimentos deverão ser devidamente aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Disciplinar o processo de aquisição de novas tecnologias é uma iniciativa louvável. Mas o processo que agora segue para tramitação na Câmara dos Deputados merece uma análise mais profunda e cuidadosa.
Com o apoio do governo, a iniciativa é uma tentativa do Congresso de frear o fenômeno chamado de judicialização da saúde no qual pacientes diante da carência de remédios entram com ações judiciais para garantir o acesso ao medicamento. Caso o Estado não providencie uma solução, o resultado costuma ser mandados de prisão do secretário de Saúde ou bloqueio das contas públicas. Ações de pouco efeito imediato para o doente, mas de grande impacto social, que resultam em uma imagem negativa para o político. No final, tudo se resolve ainda na base do grito. Assim tem sido nos últimos anos. Portanto, mudar essa realidade é uma necessidade emergencial.
Se aprovado, o projeto de lei (PL) obriga o SUS a atualizar todos os anos a lista de remédios, que não é alterada, pasme, há quase uma década! Ao longo deste período, o sistema de saúde foi sendo sucateado e o orçamento para a pasta não acompanhou o crescimento e o envelhecimento da população brasileira.
Do ponto de vista do paciente, o acesso à tecnologia da saúde — exames complementares, procedimentos e medicamentos — deve ser amplo e sem restrições. Para uma sociedade que prevê no texto constitucional que a Saúde é um direito de todos e dever do Estado, os governantes deveriam ter o compromisso de nunca usar como desculpa a falta de dinheiro público para a assistência.
Trata-se, claramente, de uma questão de prioridade de investimentos. E a Saúde há muito tempo ficou de lado na agenda política. Um dos argumentos que levaram a discussão ao Congresso foi o desequilíbrio nas contas públicas da União, estados e municípios gerado pelo processo de judicialização da saúde. A pergunta é: como, então, o dinheiro vai aparecer para comprar esses medicamentos? E os pacientes que precisam já? Por que não recebem a devida atenção, precisando entrar na Justiça para garantir o acesso ao tratamento adequado? Acontece que na forma pela qual se realiza o financiamento do SUS, o elo mais fraco, o município, acaba por arcar com a parte mais pesada do orçamento da Saúde. Isso porque os repasses da União e dos estados nunca são suficientes para fechar a conta.
A Lei Orgânica da Saúde estabelece que o financiamento da saúde será uma coparticipação da União, estados e municípios. Desde a Norma Operacional Básica de 1996, seguida de diversas outras normas chegando ao Pacto pela Saúde, o financiamento da saúde foi baseado em séries históricas de produção de procedimentos e de valores pagos décadas atrás. Assim, o repasse da União para os municípios é baseado em uma tabela de procedimentos completamente defasada em termos de custo para realização do procedimento, mesmo tendo sido atualizada recentemente.
Isso proporciona, nos municípios, um rombo em suas contas, pois eles têm que completar a diferença com o próprio orçamento. Considerando que a maioria dos municípios brasileiros possui baixa receita em arrecadação, aqueles que são mais pobres são punidos mais uma vez, pois recebem pouco repasse e não possuem orçamento para complementar. O jogo continua perverso, os mais ricos têm mais e os mais pobres muito pouco.
Por mais que a União alegue realizar compensações no repasse financeiro, elas não passam de maquiagem sempre atrelada a conchavos políticos.
Tão importante quanto novas leis é a sociedade organizada criar instrumentos de pressão. Em ano de eleição, é importante que o eleitor fique atento aos debates dos pré-candidatos e às suas respectivas propostas para a área de Saúde, pilar fundamental, junto com a Educação, para o crescimento sustentável de um país.
Paulo Sá é médico e professor da Faculdade de Medicina de Petrópolis
A Comissão de Assuntos Sociais do Senado aprovou um novo capítulo na Lei Orgânica de Saúde que prevê uma série de exigências ao Estado para garantir tratamento médico e fornecimento de medicamentos aos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Todos os medicamentos e procedimentos deverão ser devidamente aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Disciplinar o processo de aquisição de novas tecnologias é uma iniciativa louvável. Mas o processo que agora segue para tramitação na Câmara dos Deputados merece uma análise mais profunda e cuidadosa.
Com o apoio do governo, a iniciativa é uma tentativa do Congresso de frear o fenômeno chamado de judicialização da saúde no qual pacientes diante da carência de remédios entram com ações judiciais para garantir o acesso ao medicamento. Caso o Estado não providencie uma solução, o resultado costuma ser mandados de prisão do secretário de Saúde ou bloqueio das contas públicas. Ações de pouco efeito imediato para o doente, mas de grande impacto social, que resultam em uma imagem negativa para o político. No final, tudo se resolve ainda na base do grito. Assim tem sido nos últimos anos. Portanto, mudar essa realidade é uma necessidade emergencial.
Se aprovado, o projeto de lei (PL) obriga o SUS a atualizar todos os anos a lista de remédios, que não é alterada, pasme, há quase uma década! Ao longo deste período, o sistema de saúde foi sendo sucateado e o orçamento para a pasta não acompanhou o crescimento e o envelhecimento da população brasileira.
Do ponto de vista do paciente, o acesso à tecnologia da saúde — exames complementares, procedimentos e medicamentos — deve ser amplo e sem restrições. Para uma sociedade que prevê no texto constitucional que a Saúde é um direito de todos e dever do Estado, os governantes deveriam ter o compromisso de nunca usar como desculpa a falta de dinheiro público para a assistência.
Trata-se, claramente, de uma questão de prioridade de investimentos. E a Saúde há muito tempo ficou de lado na agenda política. Um dos argumentos que levaram a discussão ao Congresso foi o desequilíbrio nas contas públicas da União, estados e municípios gerado pelo processo de judicialização da saúde. A pergunta é: como, então, o dinheiro vai aparecer para comprar esses medicamentos? E os pacientes que precisam já? Por que não recebem a devida atenção, precisando entrar na Justiça para garantir o acesso ao tratamento adequado? Acontece que na forma pela qual se realiza o financiamento do SUS, o elo mais fraco, o município, acaba por arcar com a parte mais pesada do orçamento da Saúde. Isso porque os repasses da União e dos estados nunca são suficientes para fechar a conta.
A Lei Orgânica da Saúde estabelece que o financiamento da saúde será uma coparticipação da União, estados e municípios. Desde a Norma Operacional Básica de 1996, seguida de diversas outras normas chegando ao Pacto pela Saúde, o financiamento da saúde foi baseado em séries históricas de produção de procedimentos e de valores pagos décadas atrás. Assim, o repasse da União para os municípios é baseado em uma tabela de procedimentos completamente defasada em termos de custo para realização do procedimento, mesmo tendo sido atualizada recentemente.
Isso proporciona, nos municípios, um rombo em suas contas, pois eles têm que completar a diferença com o próprio orçamento. Considerando que a maioria dos municípios brasileiros possui baixa receita em arrecadação, aqueles que são mais pobres são punidos mais uma vez, pois recebem pouco repasse e não possuem orçamento para complementar. O jogo continua perverso, os mais ricos têm mais e os mais pobres muito pouco.
Por mais que a União alegue realizar compensações no repasse financeiro, elas não passam de maquiagem sempre atrelada a conchavos políticos.
Tão importante quanto novas leis é a sociedade organizada criar instrumentos de pressão. Em ano de eleição, é importante que o eleitor fique atento aos debates dos pré-candidatos e às suas respectivas propostas para a área de Saúde, pilar fundamental, junto com a Educação, para o crescimento sustentável de um país.
Paulo Sá é médico e professor da Faculdade de Medicina de Petrópolis
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